“Somos os negros de Israel”

Árabes israelitas sentem-se discriminados e controlados pelos seus compatriotas. “Se somos muitos, começam a ficar nervosos” — Republicação de reportagem originalmente publicada em 2004.

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Muitos palestinianos de Jerusalém Oriental não vão à parte Ocidental da cidade ATEF SAFADI/EPA

A família Barakhat é uma família de Jerusalém. “Nasci aqui, o meu avô nasceu aqui, o meu pai nasceu aqui, os meus filhos nasceram aqui”, apresenta-se o chefe da família, Bahajat. A casa onde todos nasceram está num sítio curioso, mesmo de um dos lados da fronteira de 1967. Os Barakhat sentem-se actualmente ameaçados. Acham que a qualquer momento vão ter de sair daquela casa, onde agora nos recebem com café acabado de fazer. “Gostávamos de viver sempre aqui, com os nossos filhos e os filhos deles.”

Mas para isso é preciso espaço. E se a casa não tem telhado com telhas, como a maioria nas zonas árabes, uma maneira de poder acrescentar mais um andar conforme cresce a família, a lei israelita não é tão elástica como a construção árabe. “O último andar que fizemos foi há três anos. Estivemos mais de sete à espera de autorização”. Acham que a próxima autorização nunca vai chegar. Acham ainda que a barreira de separação que se começa a desenhar a poucos quilómetros da sua casa é uma outra maneira de os tirar dali.

Nenhum membro da família Barakhat vai a Jerusalém Ocidental, que fica mais perto da sua casa do que o muro. “Sentimos que não somos desejados. Não gostam de árabes. Se vamos à parte deles (Jerusalém Ocidental), olham para nós. Por isso, posso ficar anos sem ir lá”, diz o pai.

A filha acena vigorosamente com a cabeça, é da mesma opinião. Dispara: “Nunca vou lá. Não sei hebraico, não há lá nada de que precise, não tenho nada lá, não quero nada de lá.”

O restaurante de “fast-food” MakSandwich, numa parte de Jerusalém Oriental mais perto da cidade velha, está cheio. No meio do zumbido do vaivém das pitas e dos rolos de “shwarma”, Abu Zaid almoça depois de ter saído da loja onde trabalha. É um cidadão israelita, mas como árabe que é, sente que os seus compatriotas o “controlam”. “Estão sempre a ver se somos muitos, se formos, começam a ficar nervosos... Isso quando não olham como se fossemos uma bomba prestes a explodir”, desabafa, entre duas dentadas no rolo de carne.

Apesar disso, viver num futuro Estado palestiniano não é uma opção para Abu Zaid. “Aqui tenho segurança, emprego, reforma, hospital pago, benefícios sociais. Lá, duvido que fosse assim.” Apesar de viver numa democracia, sente que as regras do jogo estão definidas contra ele, contra eles. “Para que é que vou votar? Para ter uns tipos no Knesset que não servem para nada?”, pergunta. Pega numa lotaria. “Se ganhar, vou para Maiorca. Dizem que é lindo. Não quero ficar neste país, é só arame farpado e ‘checkpoints’. Ia para Maiorca, abria um café, um restaurante...”

A discriminação de que se sentem alvo todos os dias provoca várias reacções. No caso de três jovens acabou por os tornar num grupo de hip-hop com um relativo sucesso, quando uma música justamente intitulada “Porque és árabe” começou a passar frequentemente nas rádios árabes israelitas. No seu “site” na Internet, os rapazes do MWR justificam a escolha de um tipo de música que serviu para cantar a discriminação racial nos Estados Unidos: “Somos os negros de Israel”.

Em árabe, a letra diz qualquer coisa como: “Em vez de jogarmos futebol em campos, fazemo-lo entre duas lâmpadas na rua. Na escola estudamos em salas frias de janelas quebradas. Onde quer que vás, pedem-te os papéis, por que é que não somos iguais?” E de seguida “Por que vivemos sem alegria e esperança? Se conseguires um emprego vão despedir-te. Porquê?” A resposta: “Porque és árabe”.

Alguns residentes de Jerusalém têm um estatuto diferente. Não têm cidadania israelita - são considerados “estrangeiros” - mas conservam o direito de viver em Jerusalém. “Eu quero ser palestiniano em Jerusalém”, diz o organizador de viagens turísticas Abu Hassam. “Recuso-me a entrar nas estatísticas como israelita. O que eles querem é depois argumentar que Jerusalém tem uma maioria israelita.” Apesar de o Estado hebraico impor regras cada vez mais apertadas apara a conservação da autorização de residência, do custo exorbitante das casas ou das licenças, os cerca de 200 mil palestinianos teimam em não deixar Jerusalém abandonada à sua maioria judaica.

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