Cientistas preocupados com o futuro de centro de arqueociências

O Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências (Cipa) existe - e não existe. Existe porque, em 1999, nasceu dentro do Instituto Português de Arqueologia (IPA). Não existe porque, quatro anos depois, continua a não existência legal.

Porque estão preocupados com o futuro do Cipa, os seus cientistas organizaram umas jornadas, no Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa, e hoje lançam uma monografia onde contam tintim por tintim o que fazem.

O Cipa nasceu por vontade de João Zilhão e Monge Soares, que então dirigiam o IPA, e dos ministros da Cultura e da Ciência da altura, Manuel Maria Carrilho e Mariano Gago, e cobre várias disciplinas ligadas à arqueologia. Desde a arqueozoologia (estudo de restos de animais encontrados nos sítios arqueológicos), a arqueobotânica (pólenes, frutos e sementes ou madeiras), a geoarqueologia (sedimentos e o contexto geológico de um sítio) até à paleobiologia humana (evolução ou arqueologia funerária) e a paleotecnologia lítica (instrumentos).

O retrato completo do Cipa é traçado na monografia "Paleoecologia Humana e Arqueociências - Um Programa Multidisciplinar para a Arqueologia sob a Tutela da Cultura", organizada por dois investigadores do centro, José Mateus e Marta Moreno. Pode lá constatar-se que, num centro que não existe, tem sido enorme o volume de trabalho.

Entre tantas coisas, foram criadas colecções de referência - de que é exemplo único no país a osteoteca, uma espécie de biblioteca de ossos de animais actuais que ajuda a identificar os restos ósseos encontrados nas escavações, ou a palinoteca, uma biblioteca de pólenes com o mesmo fim. Nos trabalhos mais mediáticos do centro, considerado uma lufada de ar fresco na arqueologia portuguesa, até aí mais ligada às letras dos às ciências exactas e naturais, está o estudo do esqueleto criança do Lapedo, com 25 mil anos, descoberto em Dezembro de 1998.

Mas a formalização do Cipa no papel nunca aconteceu. Quando ia ser discutida no Conselho de Ministros, com a alteração da lei orgânica do IPA, Carrilho, que tutelava o IPA, demitiu-se, em Julho de 2000. Se tivesse sido formalizado, teria um coordenador e um quadro próprio de investigadores. Desde a demissão de António Guterres, em Dezembro de 2001, tem vivido num impasse. O Governo de Durão Barroso anunciou, em Maio de 2002, a fusão do IPA com o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR).

Até hoje, os investigadores do IPA continuam à espera da lei orgânica da nova instituição, para saber o que vai acontecer-lhes. Por isso, os cientistas do Cipa - oito doutorados, dois doutorandos e seis técnicos - quiseram chamar a atenção. "Existe um vazio orgânico", disse José Mateus, acrescentado ser importante preservar as várias vertentes do centro, desde a investigação, feita de forma interdisciplinar, até à formação, divulgação, e prestação de serviços à comunidade científica.

"Não existe outro sítio assim na Europa", sublinhou a antropóloga Cidália Duarte. Também o arqueólogo Carlos Pimenta manifestou preocupação: "É angustiante. Continuamos a trabalhar, mas não sabemos o que vai acontecer com a fusão do IPA e do IPPAR."

A discussão dos problemas do Cipa continuará hoje, com uma mesa-redonda, com a participação, entre outros, de João Belo Rodeia (presidente do IPPAR), Vasco Martins Costa (director-geral de Edifícios e Monumentos Nacionais) ou Luís Raposo (director do Museu Nacional de Arqueologia), José Arnaud (presidente da Associação de Arqueólogos Portugueses) ou Sérgio Carneiro (Associação Profissional de Arqueólogos).

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