De bestial a besta

Uma promissora estreia britânica, com uma interpretação soberba de Jessie Buckley a carregar uma história de suspeita e mistério que se perde pelo caminho.

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O ano passado, descobrimos uma actriz inglesa de primeira água, Florence Pugh, na Lady Macbeth de William Oldroyd; este ano voltamos a descobrir outra, Jessie Buckley, que carrega aos ombros todo o mal-estar e desconforto de Besta. Muito se tem falado desta primeira obra do inglês Michael Pearce ao longo dos últimos meses e com boa razão: navegando no fio da navalha entre a lógica hitchcockiana de filmes como Suspeita ou Mentira e a ligação ao solo britânico de filmes como The Wicker Man/O Sacrifício, Besta coloca em jogo uma casa de espelhos montada ao redor de Moll, uma rapariga de passado traumatizado que vive numa redoma familiar tão protectora como sufocante. Moll deixa-se seduzir por Pascal, um faz-tudo que vive fora da “boa sociedade” da ilha de Jersey, no exacto momento em que um assassino em série faz uma nova vítima e todas as pistas apontam para que seja ele o culpado. Pearce constrói todo o filme à volta dessa exterioridade, desse encontro entre duas personalidades que estão à partida excluídas da sociedade e que têm de enfrentar o desdém e o snobismo da conformidade bem-pensante, mas que escondem também um lado escuro, um lado negro que só aos poucos vem ao de cima.

Quem é a “besta” a que o título se refere? O espectador terá de esperar pelo final do filme para o descobrir (e não é certo que saia satisfeito) – mas até lá chegar terá de ter alguma paciência, porque Pearce não resiste a lançar em excesso pistas falsas. E a fazer Moll atravessar um autêntico labirinto de acusações e manipulações emocionais que, graças à entrega soberba de Buckley, transmitem eficazmente a ideia de uma personalidade traumatizada por um bullying que já entrou na própria fibra moral da comunidade. O melhor de Besta está nas cenas em que Moll enfrenta a mãe (notável Geraldine James), rainha da manipulação passiva-agressiva, ou em que se levanta, mesmo que timidamente, contra uma comunidade que parece recusar a “a-normalidade” em nome de um conformismo com tanto de amedrontado como de desdenhoso. E mesmo que Michael Pearce acabe por não levar a água ao seu moinho como a primeira parte de Besta dá a entender, o resultado é suficientemente interessante para justificar a atenção, quer ao filme, quer ao que daqui virá a seguir.

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