"A nossa velocidade agora vai ser a dos municípios"

Secretária de Estado garante que Nova Geração de Políticas da Habitação não transfere competências adicionais para autarquias. Mas vai permitir maior controlo do mercado. Reconhece que muitas candidaturas de famílias não terão resposta imediata.

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daniel rocha

Desde que nem há um ano assumiu a pasta que se esperava da secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, um programa de resposta às carências habitacionais do país.

Depois de no ano passado a Assembleia da República ter exigido ao Governo que fizesse um levantamento das necessidades de realojamento, em Fevereiro foi apresentado um diagnóstico que identificava quase 26 mil famílias com carências habitacionais e um orçamento estimado de 1700 milhões de euros para as resolver.

António Costa, na apresentação do pacote há mais de uma semana, garantiu que até 2024 este problema estaria resolvido. Em entrevista, Ana Pinho garante que as autarquias só terão que investir nos casos em que sejam beneficiários directos.

Há algum ruído com propostas para intervir e regular o mercado da habitação e do arrendamento, há a Lei de Bases, projectos de lei dos partidos que apoiam o Governo (PCP e BE) e até do próprio PS. Que expectativas têm sobre alterações nesta legislatura?
Tenho boas expectativas. Embora haja algumas visões diferentes de como os alcançar, estamos a falar dos mesmos objectivos: garantir a todos o acesso à habitação e um maior equilíbrio no mercado do arrendamento, mais segurança e estabilidade. A nossa preocupação é garantir mais oferta.  

Um dos mecanismos propostos na Lei de Bases é a figura de requisição que impeça proprietários de manter imóveis devolutos. Esta medida é enquadrável na Nova Geração de Políticas da Habitação?
Uma coisa é a Nova Geração de Políticas da Habitação, outra é a Lei de Bases. A Nova Geração tem objectivos para se alcançarem na conjuntura actual, tendo em conta a situação do país, tanto ao nível das famílias como do mercado imobiliário e do que é a oferta pública. A ideia é conseguir que todos tenham acesso à habitação sem entrar em sobrecarga, garantir um aumento da oferta pública de 2 para 5%, um maior dinamismo no sector do arrendamento e da reabilitação. Isto são programas operacionais. Uma Lei de Bases é o enquadramento que se prevê de longo prazo e estrutural. Preferia não comentar até para não criar ruído.

Foi colocada a responsabilidade nas autarquias. Há prazos para apresentarem os seus planos habitacionais?
Estamos a sensibilizar as autarquias para serem rápidas mas a porta não fecha. Porque, sendo o objectivo do primeiro-ministro a erradicação destas situações, não queremos deixar ninguém de fora. A nossa velocidade agora vai ser a deles.

É uma estratégia que está muito dependente dos municípios?
Está em forte articulação com os municípios. O ritmo, a partir daqui, será muito o que os municípios impuserem.

Mas a associação de municípios disse que existe uma "inaceitável insuficiência dos mecanismos de financiamento e incoerência com o aumento de responsabilidades dos municípios" nos programas 1.º Direito e Renda Acessível. Como é que o Governo vai convencer as autarquias, que têm que cumprir os limites fixados na Lei das Finanças Locais, a aderirem a este programa?  
Fizemos reuniões muito alargadas com um conjunto amplo de municípios que nos ajudaram a formatar estes programas. Deve ter havido alguma falha de comunicação porque não há acréscimo de responsabilidades para os municípios face aos programas que estiveram em vigor de há 30 anos para cá.

São programas que não fazem qualquer transferência de competências adicionais, simplesmente o Estado apoia os municípios em algo que estiveram sozinhos nos últimos anos. Adicionalmente garante-lhes que as soluções a adoptar são as que consideram mais adequadas. Permite-lhes serem eles a ter a última palavra sobre a forma, a velocidade e as prioridades de intervenção no seu território.

O 1.º Direito alarga o leque de famílias que se podem candidatar e ser consideradas carenciadas. Por causa desse aumento de potenciais candidaturas, há o risco de aqueles que precisam mais urgentemente de casa, nomeadamente quem ainda vive em barracas ou acampamentos, ficarem para trás?
Acreditamos que não, porque as prioridades são definidas pelos municípios. Tenho de acreditar na democracia e que os vários níveis de Governo têm os melhores interesses dos seus cidadãos em causa.

Que garantias têm para que as autarquias dêem prioridade a estas situações urgentes?
Foram as autarquias que fizeram o levantamento das suas carências habitacionais, já elencaram as situações mais graves, vão apresentar as estratégias, que têm que ter alguma colagem com os dados que publicaram. Todos os documentos são de escrutínio público. Não tenho qualquer indicador que me possa fazer suspeitar que um município não tenha os melhores interesses e prioridades em causa.

De onde vêm exactamente os 1700 milhões de euros até 2024?
São uma estimativa que teve por base os dados do levantamento nacional e que é o investimento global. Pode sofrer alterações, porque o 1.º Direito apoia reabilitação, aquisição, arrendamento e cada uma das soluções implica custos diferentes. Como as propostas vêm das estratégias municipais, o financiamento global será o que derivar dessas próprias estratégias. Podemos apoiar uma família que não tem casa de banho ou alguém que tem mobilidade reduzida; podemos falar de um valor residual ou de uma situação em que a autarquia acha que a melhor solução é o arrendamento e o Estado comparticipa esse arrendamento.

Há mais apoio a fundo perdido quando são soluções que nos dão garantias de ir ao encontro de objectivos de politica nacional: reabilitação, soluções com sustentabilidade ambiental, com acessibilidades que nos garantam que daqui a dez anos os imóveis continuam a estar adequados. Podemos ir a percentagens de apoio de 30 a 60% com estas majorações. Por isso estamos a falar sempre de estimativas. O que é a fundo perdido é Orçamento do Estado e rondará os 700 milhões de euros. Depois há uma percentagem até 90% – ou seja, 90% do investimento, menos o fundo perdido – que é empréstimo bonificado e 10% de capitais próprios do beneficiário (que pode ser uma câmara, uma IPSS ou uma família).  

Qual é a fatia que as autarquias têm de assumir?
Varia. Os municípios só têm que acarretar com o investimento em que sejam eles os beneficiários directos, seja construção de nova oferta ou apoios ao arrendamento. O fundo perdido varia: se a solução for construção nova tem 60% de empréstimo bonificado, se for reabilitação com condições de majoração pode ser 60% a fundo perdido, 30% de empréstimo e 10% de capitais próprios.

Quantos imóveis poderão aderir ao arrendamento acessível?
Gostaríamos de ter muitos alojamentos mas sabemos que é um programa progressivo, que precisa de algum tempo para se estabelecer. Precisa que as pessoas percebam como funciona, que ganhem confiança e que os alojamentos sejam disponibilizados ao longo do tempo. Será um dos programas que temos de esperar que avance com lentidão. Se conseguirmos chegar a um ponto em que 20% dos contractos de arrendamento orientados para a faixa intermédia integre o programa seria muito bom. No ano passado foram celebrados 80 mil contratos, mas não tenho dados da distribuição.

Gostávamos de incentivar nova oferta. É muito importante captar apartamentos que neste momento estão subocupados. Se tivermos 72% do parque ocupado por proprietários, o arrendamento também não cresce. Temos de arranjar aqui formas de incentivar a transferência.

Onde vai ser a primeira operação a ser executada pelo Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado?
Foram agora entregues os primeiros dois subfundos, um refere-se à cidade de Viseu e outro à cidade de Lisboa. [A requisição para a constituição destes subfundos foi feita à CMVM pela Fundirão, e denominam-se ImoViriato e ImoMAdalena; estes subfundos são atualmente constituídos por 39 fracções da Câmara de Viseu e dez da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa].

O que é uma renda acessível?
A acessibilidade tem de ter sempre em conta o rendimento das famílias. Temos programas direccionados para quem tem rendimentos mais baixos, e que precisam de maior apoio público. Isso vai ser feito por duas vias – pela via do apoio financeiro a fundo perdido para criação de nova oferta, e pela via da promoção de oferta pública directa pelo FNRE.

O programa de arrendamento acessível direcciona-se para aquela franja da população que hoje tendo rendimento, e estando integrada na sociedade, não consegue mesmo assim ter acesso a uma habitação adequada no local onde reside sem gastar mais do que 40% do seu rendimento.

Não teme uma avalanche de candidaturas ao 1.º Direito e ao Arrendamento Acessível?
Não tememos. Achamos que vão aparecer muitas candidaturas e que só com o tempo será possível dar resposta a todas. Mas não podemos esconder o facto de haver um problema no acesso à habitação em Portugal e o nosso objectivo é dar resposta a esse problema. Não vou minorar o problema deixando de fora pessoas.

Qual é o número de autarquias que estão disponíveis para reduzir o IMI?
Números não temos, teríamos de perguntar aos 308. O que posso dizer é que não temos ninguém que tenha dito que não. Mas há já manifestações de disponibilidade: Lisboa, Porto, Coimbra, Viseu, Amadora. Isto é sempre uma deliberação da Assembleia Municipal, é ela que aprova, em cada ano, os regimes de tributação como o IMI.  

A Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários manifestou-se contra as propostas porque colocam o incentivo na procura quando deveriam fazê-lo na oferta. Como comenta?
Nós achamos que a maior parte dos nossos incentivos estão na oferta. Todos estes incentivos de tributação são em relação à oferta.

Também já ouvi críticas opostas, de que os incentivos são todos aos senhorios. Temos uma proposta equilibrada que dá fortes incentivos à oferta e dá protecção à procura em pontos de vulnerabilidade. Não acreditamos que estas políticas tenham sucesso sem que possam ser capazes de atrair oferta.

Estes projectos de lei vão contar com o apoio de BE e PCP? 
Espero que sim. Os nossos objectivos são semelhantes, penso que a preocupação desses dois grupos parlamentares que refere é promover maior estabilidade e segurança no arrendamento e permitir um efectivo direito à habitação para novos contratos, viabilizando que haja mais oferta. São objectivos partilhados. Tenho forte esperança que sim. 

Não há no pacote nada sobre o alojamento local. Acha que deve ser limitado?
O nosso pacote é sobre habitação, o alojamento local é tutelado pelo Turismo. Não são as políticas de habitação que têm que apresentar medidas noutras áreas. E neste momento também está a ser debatido, em processo de regulação. O alojamento local precisa de regulação, que precisa de ser feita tendo em conta a realidade concreta de cada território, porque ele é muito diferente. 

Pensando em Lisboa e Porto e no alojamento local, quais seriam para si as balizas que permitiriam que a NGPH fosse funcional?
Acho que são os municípios que têm de decidir. O alojamento local tem manifestações tão diferentes ao nível do território e dentro de cada município que quem está em melhor condição, como já aconteceu historicamente quando houve a terciarização dos centros históricos com gabinetes de médicos, advogados, arquitectos, foi ao nível dos instrumentos de gestão territorial que se conseguiu parar com a expulsão da habitação. Isto não é uma vaga nova. É uma actividade nova que precisa de ser regulada. 

Como é que estes novos pacotes vão permitir ao Estado ter controlo do mercado da habitação?
O Estado tem de ter a preocupação que todos tenham acesso à habitação. Se é preciso alguma regulação, parte dela faz-se pela promoção de oferta pública, que estamos a tentar incentivar bastante.

Depois temos outra via, já feita pelo INE, de disponibilizar a informação. Agora há dados concretos: quem quiser colocar uma casa no mercado sabe qual é a mediana por metro quadrado que andou a ser praticada no ano anterior. Tenho uma baliza para decidir. Um investidor, um proprietário também tem uma baliza. Porque também há casos de proprietários que foram levados a crer que tinham ali uma galinha de ovos de ouro e que não renovaram contratos pensando que iam ter algo que os dados não comprovam. A informação é a primeira base, para além da oferta pública, de regulação de mercado.

Por último, temos um conjunto de incentivos que seduzem os próprios agentes privados do mercado. No programa de arrendamento acessível, entram em linha de conta os [valores] dos contratos do ano anterior, que só por si tenderão a baixar ou a não deixar subir tanto a mediana. Isto tem um efeito acumulado ao longo do tempo.

Contamos que seja uma via fortuita de intervenção no mercado, porque é preciso ter cuidado com intervenções violentas que podem matar o próprio mercado, como aconteceu em Portugal durante décadas. Não temos o arrendamento que os outros países têm porquê? Nós precisamos de arrendamento, é fundamental o país ter mais oferta para além daquela que vai ser feita publicamente. 

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