Estado apoia pais sozinhos que percam contrato de arrendamento

Programa com medidas específicas para famílias monoparentais carenciadas ou idosos vai em breve a Conselho de Ministros. Faz parte da Nova Geração de Políticas de Habitação. Prevê contratação de 8 mil fogos e inclui financiamento para obras ou construção.

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Prédio devoluto foi ocupado pela Assembleia de Ocupação de Lisboa como protesto contra especulacao imobiliária SEBASTIAO ALMEIDA

Quem viva em condições indignas, seja português ou imigrante, mas não tenha capacidade financeira para encontrar casa no mercado vai poder candidatar-se ao apoio do Governo à habitação através de um empréstimo bonificado para compra, construção de uma casa ou da reabilitação do imóvel onde vive. 

Esta candidatura, intermediada pelas autarquias, vai poder ser feita em nome individual ou através de associações de moradores, por exemplo. Está previsto que, até 2020, o Governo contrate 8 mil fogos de “habitação de interesse social financiada” ao abrigo do 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, lê-se ainda no Programa Nacional de Reformas (PNR).

O Governo irá levar em breve a Conselho de Ministros o anteprojecto de lei do 1.º Direito, ao qual o PÚBLICO teve acesso e que a secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, não quis ainda comentar. Faz parte da Nova Geração de Políticas de Habitação que ainda não foram detalhadas, mas em que se privilegiam soluções como o arrendamento, subsidiando as autarquias para subarrendaram aos agregados carenciados, ou a reabilitação.

O Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional, entregue em Fevereiro, concluiu que há quase 26 mil famílias com carências habitacionais em Portugal e é necessário um orçamento de 1700 milhões de euros para as solucionar.

São consideradas pelo documento condições indignas as situações de famílias monoparentais – ou pessoas com mais de 65 anos ou com deficiência – a quem não foi renovado o contrato de arrendamento, pessoas sem abrigo ou quem não tem alternativa depois de ser despejado. O conceito estende-se a quem viva em lugares sem condições básicas de salubridade e de segurança estrutural, em sobrelotação – por exemplo, quando um casal com filhos de sexo diferente com mais de sete anos só tem dois quartos – ou quem esteja a residir num lugar inadequado às suas condições de incapacidade ou deficiência.

Em Portugal, os últimos dados de 2016 do Instituto Nacional de Estatística mostram que um terço das famílias monoparentais está em risco de pobreza, comparando com 18,3% da população em geral e 17% dos idosos. 

Medidas complexas

O 1.º Direito tem a intenção de colmatar necessidades há muito apontadas por cidadãos de bairros de construção ilegal ou de habitação socialorganizações internacionais como a ONU, grupos activistas como a Habita, associações de moradores, deputados da Assembleia da República, académicos, analistas, entre outros. 

Coloca a responsabilidade nas autarquias, que passam a ter um papel preponderante. Reconhece a necessidade de implementar “dinâmicas de revitalização social” e “de reestruturação urbana” para prevenir “fenómenos de segregação socioterritorial, gentrificação, despovoamento dos centros urbanos e periferização habitacional” – por isso, refere que devem ser favorecidas soluções de dispersão geográfica ou que garantam a diversidade social. 

Um dos princípios referidos pelo diploma é o da “acessibilidade habitacional”, ou seja, os custos com o acesso a uma habitação adequada e permanente devem ser “comportáveis” pelo orçamento da pessoa “sem comprometer a satisfação de outras das suas necessidades básicas”.

Segundo o Governo, este programa é uma resposta que dá “apoio directo às pessoas” e privilegia a reabilitação e o arrendamento para “contribuir para o equilíbrio entre regimes de ocupação e a promoção e regulação do mercado de arrendamento”. O objectivo é “promover a inclusão social e territorial”, tendo “uma forte cooperação entre políticas” e organismos, o Estado central e local e os sectores público e privado.

A grande incógnita, porém, é se terá a dotação orçamental necessária para passar do papel à prática, analisam especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, depois de uma primeira análise ao documento. “O montante necessário é muito pesado” e as medidas “parecem complexas do ponto de vista da gestão pública”, afirma Isabel Guerra, especialista em políticas da habitação do Dinâmia, do ISCTE-IUL.“O ministro das Finanças e o primeiro-ministro têm que ter uma responsabilidade acrescida, não se pode ficar por um programa da Secretaria de Estado da Habitação, nem por um decreto-lei”, comenta Eduardo Ascensão, antropólogo que faz parte do Expert, projecto interdisciplinar e internacional de investigação do Programa de Especial de Realojamento (PER).

“O orçamento vai ser a questão fundamental”, analisa ainda Rita Silva, do grupo activista Habita. Sublinhando que o programa prevê que as câmaras tenham planos locais de habitação, mas que isso "leva tempo”, a activista lembra que o Governo liberalizou o preço das rendas do mercado mas, ao mesmo tempo, “coloca o ónus nas câmaras”, que não podem ultrapassar os limites ao endividamento. “Tenho a certeza que, nas zonas mais pressionadas como Lisboa, vai haver uma avalanche de pedidos e não haverá capacidade de resposta”. Por outro lado, teme que algumas autarquias não invistam esforços suficientes para solucionar problemas de habitação a comunidades excluídas.

Isabel Guerra acrescenta que “o montante necessário” para executar este programa “é muito pesado” e as medidas “parecem complexas do ponto de vista da gestão pública”. Não tem a certeza "que os municípios estejam apetrechados para esta diversidade”.  

Também Rita Silva aponta: “É um articulado complexo, com muitas vias: ou há um gabinete super empenhado, a trabalhar 24h, ou sinto que vai ser lento”, refere.

Para Eduardo Ascensão, é verdade que o diploma “traz muitas coisas positivas” como “uma banda alargada de soluções”, e é positivo procurar “envolver os agregados nas  soluções”. Porém, fica a ressalva: teme que as autarquias possam usar o programa para efectuar obras de reabilitação em edifícios que ficam no centro da cidade, realojando depois as famílias carenciadas em locais muito mais afastados, longe dos seus locais de trabalho. “É um risco que existe por causa do mercado imobiliário”, diz. Outra reserva: a prioridade do investimento do Estado no arrendamento em vez de na aquisição, o que provoca um efeito no stock da habitação social, cuja percentagem em Portugal é das mais baixas da Europa (cerca de 2%). 

400 edifícios para renda condicionada

A Nova Geração de Políticas de Habitação contempla outras formas de as famílias pedirem apoio, como o Programa de Arrendamento Acessível, o Porta de Entrada, para situações de emergência em caso de catástrofe ou migrações colectivas. No programa Reabilitar para Arrendar edifícios degradados com mais de 30 anos, que têm depois de ser usados sob forma de renda condicionada, estão previstos contratos para 400 edifícios até 2020, prevê o Programa Nacional de Reformas.

O 1.º Direito, que ainda poderá ter ajustes, irá substituir dois programas que tinham algumas das soluções agora transpostas, mas não tão abrangentes nem tão diversificadas: o PER, criado em 1993 para erradicar as barracas dos centros urbanos de Lisboa e Porto, e o ProHabita, para resolver situações de grave carência habitacional com acordos entre os municípios e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). 

Contempla várias alternativas e amplia o leque de pessoas que podem recorrer a soluções de reabilitação ou compra: não é apenas quem vive em barracas, como era com o PER, por exemplo. O facto de o apoio financeiro poder ser pedido por associações de moradores ou cooperativas de habitação e construção irá permitir que moradores que vivem em núcleos precários e queiram manter relações de proximidade possam candidatar-se a uma solução conjunta.

Apesar da ênfase dada ao apoio directo às pessoas, as autarquias continuarão a ter “um papel imprescindível” para a criação e implementação de respostas, lê-se no documento. Estas respostas devem recorrer ao princípio da participação, assegurando que os destinatários das habitações financiadas ao abrigo deste programa são chamados, em nome individual ou através das associações, a participar na definição e implementação das soluções.

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