Directores de campanha de Trump acusados de "conspiração contra os EUA"

Manafort e Gates entregaram-se às autoridades e declararam-se inocentes. Robert Mueller investiga desde Maio a interferência russa nas presidenciais norte-americanas de 2016. É cedo para saber se pôs em cima da mesa os principais trunfos ou se está apenas a começar.

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Carlo Allegri

Paul Manafort e Rick Gates, ex-director e ex-subdirector de campanha do Presidente norte-americano Donald Trump, entregaram-se esta segunda-feira ao FBI duas horas depois de terem recebido ordens judicais. São acusados de terem recebido dezenas de milhões de dólares de partidos e líderes políticos da Ucrânia e de terem lavado dinheiro através dos EUA e entidades estrangeiras de modo a esconderem pagamentos recebidos entre 2006 e 2016. Já se declararam inocentes.

Um grande júri federal aprovou 12 acusações contra Manafort e Gates, incluindo os crimes de conspiração contra os Estados Unidos; conspiração para lavagem de dinheiro; omissão de registo como "agentes estrangeiros"; declarações "falsas e enganadoras" no âmbito da Foreign Agents Registration Act, e não entrega de informação obrigatória sobre bancos e contas estrangeiras, informou o gabinete do procurador especial Robert Mueller. Em teoria, os grandes júris só aprovam acusações quando acreditam que as provas apresentadas são suficientes para garantir uma condenação em julgamento.

Estas são as primeiras acusações a sair da investigação que Mueller lidera desde Maio às suspeitas de interferência russa na campanha presidencial norte-americana de 2016. Mueller chegou ao caso com um perfil de investigador feroz e imparcial, pronto a seguir as pistas, fossem elas benéficas ou prejudiciais ao Presidente Trump. Havia duas incógnitas: se faria acusações e, nesse caso, se os suspeitos fariam parte do núcleo duro de Trump ou se, pelo contrário, de um círculo mais alargado e já distante do Presidente. As acusações contra a dupla Manafort-Gates tornam menos credível a ideia de que o "affair russo" é "uma conspiração" e uma "caça às bruxas", como Trump repete há meses.

Como sempre, Trump comentou a situação no Twitter, usando desta vez um argumento novo: "Lamento, mas isto foi tudo há anos, antes de Paul Manafort integrar a campanha de Trump. Porque é que não se focam na Vigarista da Hillary & Democratas?????”. Num segundo tweet, escreveu: "... Além disso, NÃO HÁ CONLUIO."

É no entanto cedo para saber se Mueller pôs em cima da mesa os principais trunfos ou se está apenas a começar. O gesto põe claramente pressão sobre todo o circuito à volta do Presidente para colaborar com os investigadores.

No mesmo dia, George Papadopoulos, um dos primeiros conselheiros para a política externa da campanha de Trump, declarou-se como culpado e assumiu formalmente ter mentido ao FBI quando foi interrogado sobre os contactos que teve com um professor russo próximo do Kremlin. Em Janeiro, Papadopoulos disse aos investigadores que o encontro ocorreu antes de ter sido contratado por Trump quando, na verdade, foi uns dias depois de ter integrado a equipa da campanha.

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Rick Gates (segundo a contar da esquerda) foi um dos responsáveis da campanha presidencial de Donald Trump REUTERS/Rick Wilking

No início do ano, os serviços secretos norte-americanos concluíram que Moscovo interferiu na campanha americana, pirateando e divulgando emails do Partido Democrata de modo a prejudicar a candidata do partido, Hillary Clinton, e ajudar Donald Trump a ganhar.

Mueller, que é um republicano conservador, foi director do FBI entre 2001 e 2013 (nomeado por George W. Bush) e recebeu uma extensão de mais dois anos do Presidente Barack Obama.

Além de ter trabalhado na campanha de Trump, Rick Gates, 45 anos, foi durante anos parceiro de negócios de Manafort e está associado a empresas que Manafort tem em Chipre, suspeitas de estarem envolvidas em movimentos de pagamentos feitos por empresários e políticos da Europa de Leste com destino aos EUA. Tal como Manafort, Gates tem fortes laços a oligarcas russos e ucranianos.

Paul Manafort, 68 anos, assumiu funções como director de campanha de Trump em Maio de 2016, mas foi forçado a sair três meses depois, na sequência do escrutínio jornalístico feito às suas ligações com o ex-Presidente ucraniano Viktor Ianukovich, muito próximo do líder russo Vladimir Putin, e de alegadas relações financeiras suspeitas com a Rússia. Mal Trump o contratou, surgiram notícias de que teria recebido 12 milhões de dólares de Ianukovich em pagamentos ilegais.

Ianukovich foi um dos vários clientes de Manafort a cair de forma espectacular. Segundo um telegrama secreto enviado de Kiev para o Departamento de Estado norte-americano em Fevereiro de 2006, e mais tarde tornado público pelo WikiLeaks, foi a actual empresa de Manafort, com escritório na célebre rua dos lobistas em Washington, a Rua K, quem fez a "transformação extrema" de Ianukovich a seguir às presidenciais ucranianas de 2004. Depois da derrota, Ianukovich contratou a David, Manafort & Freedom para refazer a sua estratégia política e reconquistar o poder.

Nessa altura, Manafort, um republicano que trabalhava no círculo de Reagan e George Bush-pai, fora o principal conselheiro do senador republicano Bob Dole na sua tentativa [frustrada] de ir para a Casa Branca.

Atraídos por pagamentos de ouro, vários estrategas americanos trabalharam para diferentes partidos ucranianos, entre os quais a empresa dirigida por Stan Greenberg, que fazia as sondagens para Bill Clinton; Stephen E. Schmidt, manager da campanha do governador Arnold Schwarzenegger da Califórnia; e Neil Newhouse, pollster que trabalhou para Mitt Romney, nos anos em que este foi governador do Massachusetts.

A Reuters cita fontes anónimas que garantem que a equipa de Mueller centrou parte da sua investigação nas transacções e negócios imobiliários de Manafort, e no seu trabalho com Viktor Ianukovich.

Segundo o Center for Public Integrity (CPI), a anterior empresa de Manafort — a Black, Manafort, Stone, and Kelly — foi uma das que mais ganharam dinheiro com o "lobby dos torturadores" (a expressão é do CPI). Só entre 1991 e 1992, Manafort terá recebido 3,4 mihões de dólares. Ao longo dos anos, os clientes de Manafort incluíram homens como Jonas Savimbi, líder da UNITA; Mobutu Sese Seko, ditator do Zaire (hoje República Democrática do Congo), Ferdinand Marcos, ex-Presidente das Filipinas, e Sani Abacha da Nigéria. A seguir a um forte "período africano" veio o Leste europeu e o contrato de Viktor Ianukovich.

Há duas semanas, uma investigação da NBC News norte-americana concluiu que Manafort tinha uma relação financeira com o oligarca russo Oleg Deripaska, um bilionário com fortes ligações ao Kremlin, muito mais forte do que se pensava. A investigação descobriu um empréstimo de 26 milhões de dólares que Deripaska terá transferido para a Yiakora Ventures Ltd, uma empresa ligada a Manafort com sede em Chipre, elevando para 60 milhões os empréstimos de Deripaska a Manafort nos últimos dez anos. Oleg Deripaska foi descrito num telegrama secreto trocado entre diplomatas americanos como um dos "dois ou três oligarcas a quem Putin recorre" com frequência. Além da transferência dos 26 milhões, a NBC confirmou também uma transferência de sete milhões para a LOAV Advisers Ltd., também de Manafort, que o New York Times já noticiara em Julho.

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