Se não for o general Kelly a pôr ordem na Casa Branca, ninguém o fará

O Presidente dos EUA despediu o seu chefe de gabinete, Reince Priebus, e nomeou para o lugar o secretário da Segurança Interna. A forma como John F. Kelly vai desempenhar as suas funções será um indicador do futuro da própria Casa Branca.

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John F. Kelly era secretário da Segurança Nacional Kevin Lamarque/Reuters

Intrigas e combates violentos entre egos do tamanho de um tubarão branco sempre tiveram um lugar muito especial na Casa Branca, mas a Administração Trump parece estar decidida a estabelecer um novo recorde. Em apenas seis meses, já entraram e saíram um conselheiro e um vice-conselheiro de Segurança Nacional, um director de comunicação, um porta-voz, um chefe de gabinete adjunto e um porta-voz do gabinete jurídico, para além de uma procuradora-geral em exercício que tinha ficado dos tempos de Obama e um director do FBI que foi despedido com grande estrondo.

Agora, no final de uma semana marcada pelo fracasso do Partido Republicano no Senado na sua luta para deitar ao lixo o sistema de seguros de saúde conhecido como Obamacare, o Presidente Donald Trump empurrou para fora da Casa Branca o seu chefe de gabinete, Reince Priebus. E nomeou para o seu lugar um dos três homens a quem chama os seus generais: John F. Kelly, 67 anos, o primeiro general a ocupar o importante cargo na Casa Branca desde Alexander Haig, há 44 anos, na Administração Nixon – no auge do escândalo Watergate.

É verdade que Haig estava no activo quando chegou à Casa Branca e que Kelly fechou a carreira militar em Janeiro do ano passado, mas nos últimos seis meses foi o responsável por executar as políticas de imigração do Presidente Donald Trump, no papel de secretário da Segurança Interna.

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Reince Priebus unca foi uma escolha de Trump. Joshua Roberts/REUTERS

Ao contrário de Reince Priebus, o general Kelly não conhece bem os corredores da política que se faz em Washington D.C. e, por isso mesmo, é uma escolha apenas para pôr a casa em ordem – se fosse para melhorar as relações com a imprensa ou com muitos congressistas republicanos, por exemplo, o antigo presidente da Comissão Nacional do Partido Republicano seria uma pessoa mais indicada.

Mas Priebus nunca foi uma escolha de Trump. Desde a tomada de posse foi sempre menos um chefe de gabinete com todo o poder e autonomia que o cargo exige e mais um ramo de oliveira estendido ao chamado establishment do Partido Republicano – foram várias as vezes em que Reince Priebus serviu de mediador entre os "trumpistas" e a ala mais tradicional do partido durante a campanha eleitoral.

Esse trabalho foi bem feito, como ficou patente na noite eleitoral de 8 de Novembro, quando Donald Trump deixou Hillary Clinton petrificada, mas a partir daí tudo começou a correr mal. De acordo com vários artigos publicados por jornais norte-americanos, Priebus era constantemente posto em causa pelo círculo mais próximo do Presidente – num desses artigos, conta-se que o próprio Trump instruiu Priebus a matar uma mosca que andava por lá a chatear o Presidente.

De um lado estavam Priebus e o porta-voz Sean Spicer, que se demitiu com a chegada do novo director de comunicação, Anthony Scaramucci – um nome que Priebus e Spicer sempre quiseram ver bem longe da Casa Branca, e que nos últimos dias tem sido notícia por causa da linguagem grosseira que usou numa conversa ao telefone com um jornalista.

Para Trump, a dupla Priebus/Spicer estava a fazer mal o seu trabalho de isolar a Casa Branca, e os seus conselheiros informais, como o polémico Roger Stone, querem ver na Administração menos establishment e mais nomes ligados ao movimento que acompanha o Presidente para todo o lado.

Priebus já tinha ficado na lista negra de Trump durante a campanha, no auge do escândalo da gravação em que o então candidato se gabava de forçar relações sexuais com várias mulheres. Por essa altura, o agora ex-chefe de gabinete foi à Trump Tower pedir a Trump que ponderasse desistir da campanha – uma iniciativa que equivale a um menos na caderneta de Donald Trump, com direito a sublinhado a encarnado e uma cruz na data marcada para a retribuição.

A gota de água final foi o fracasso no Senado, na sexta-feira. Duas semanas depois de ter avisado Priebus de que estava a pensar em fazer umas mudanças na equipa, Trump anunciou o despedimento do seu chefe de gabinete através do Twitter, pouco depois de o Air Force One ter aterrado em Washington, após uma passagem por Nova Iorque. No mesmo voo seguia Priebus, que saiu do avião, entrou num carro blindado e já não fez a viagem para casa na comitiva do Presidente.

O novo chefe de gabinete, John F. Kelly, entra em funções esta segunda-feira. Muitos no Partido Republicano, e alguns no Partido Democrata, esperam que seja ele a figura que vai finalmente pôr ordem na Casa Branca.

Liderou várias batalhas na invasão do Iraque e perdeu o seu filho Robert na guerra do Afeganistão, em 2010. Acabou a carreira na chefia do Comando dos EUA na América do Sul e Central, onde foi responsável – e fervoroso defensor – da prisão de Guatánamo, e onde as suas posições sobre imigração se aproximaram muito às de Donald Trump. Durante as audições para o cargo de secretário de Segurança Interna pôs em causa a eficácia da construção de um muro na fronteira, mas foi o maior defensor do Presidente durante a contestação à proibição de entrada no país de cidadãos de seis países de maioria muçulmana, e é elogiado pelos eleitores de Trump por ter conseguido reduzir o número de passagens na fronteira entre o México e os Estados Unidos desde o início do ano.

No papel de chefe de gabinete pode vir a revelar-se como o melhor indicador do futuro da Administração Trump. Se conseguir pôr a Casa Branca a funcionar de uma forma mais aproximada ao que tem sido habitual nas décadas mais recentes – com uma dose normal de lavagem de roupa suja, mas com uma mensagem clara e consistente –, poderá dar razão aos que diziam no ano passado que Trump acabaria por ser um Presidente "normal"; mas se Trump não lhe der poder e autonomia para isso, tal como fez com Reince Priebus, dificilmente aguentará na Casa Branca seis meses.

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