Pereira Gomes nega ter escondido informações a Lisboa sobre Timor

DN revela que o embaixador teve acesso a um plano sobre onda de violência a desencadear pelas forças indonésias em 1999.

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Depois da pressão pública, Pereira Gomes anunciou que não está disponível para liderar as "secretas" DR

Horas antes de ser conhecida a renúncia de José Júlio Pereira Gomes ao convite para liderar as “secretas” portuguesas, o embaixador foi questionado pelo Diário de Notícias a propósito de novas revelações sobre o período em que chefiou a Missão de Observação Portuguesa ao Processo de Consulta da ONU em Timor-Leste (MOPTL), em 1999.

Pereira Gomes, refere o jornal citando testemunhos directamente envolvidos no processo, terá tido acesso a um plano militar detalhado sobre a onda de violência que as forças indonésias planeavam desencadear depois do referendo de 30 de Agosto de 1999, no cenário de vitória do “sim” à independência e autodeterminação timorense. As informações nunca terão sido transmitidas a Lisboa, algo que Pereira Gomes nega ao DN.

O plano em causa assentava numa narrativa de confronto entre facções timorenses a favor e contra a independência que serviriam para legitimar uma intervenção militar da Indonésia; e incluía o objectivo de afastar os estrangeiros do território timorense.

A eurodeputada Ana Gomes, então embaixadora de Portugal na Indonésia, salienta ao DN que, se o plano tivesse sido comunicado a Lisboa, “garantidamente” ela teria tido conhecimento em Jacarta.

Na quarta-feira, cerca de uma hora antes de se saber que José Júlio Pereira Gomes se mostrou "indisponível" para aceitar o convite do primeiro-ministro para liderar as “secretas”, o embaixador respondia ao Diário de Notícias dizendo que não tem qualquer fundamento a ideia de que escondeu aquelas informações a Lisboa em 1999.

“É um boato calunioso. Desafia a lógica elementar que tendo tido ‘acesso a um plano muito detalhado das forças indonésias para o caso de serem derrotados’, não ter informado Lisboa. Porque haveria de não informar? Toda a informação sobre os rumores, boatos e planos da Indonésia foram reportados a Lisboa, por telegrama ou telefone. De resto, a generalidade desses boatos, rumores e planos foram amplamente comentados pela imprensa da época”, justifica.

Pereira Gomes, actualmente embaixador em Estocolmo, alega que, embora houvesse “dificuldade em separar os boatos de algo mais consistente”, a regra seguida foi “sempre a de, na dúvida, reportar o que íamos ouvindo”.

Pouco depois, chegava às redacções um comunicado do gabinete do primeiro-ministro a dar conta de uma carta do embaixador a afirmar a sua “indisponibilidade para aceitar o cargo” de secretário-geral dos Serviços de Informações da República Portuguesa, para o qual tinha sido indigitado no início de Maio.

Cerca de 40 minutos depois, Costa emitiu um comunicado onde explica as diligências efectuadas na sequência da polémica sobre a actuação do embaixador. Pereira Gomes justificou a sua decisão para “salvaguardar a dignidade do cargo de secretário-geral do SIRP de toda e qualquer polémica, que naturalmente se repercutiria negativamente no exercício das suas funções”.

O ex-chefe da missão refere-se à polémica reconhecendo terem sido “suscitadas reservas” pela forma como dirigiu a MOPTL, “em particular, o processo de retirada dos observadores portugueses”.

Manuel Alegre: “Ele sabe que eu sei”

Depois das críticas levantadas sobre Pereira Gomes – de Ana Gomes e de alguns jornalistas então presentes em Timor em 1999, entre eles Luciano Alvarez (PÚBLICO) e José Vegar, então pelo Expresso –, desta vez foi Manuel Alegre quem tomou posição num artigo no DN, mostrando um “grande alívio” pelo facto de o embaixador já não ir liderar as “secretas”.

O filho do histórico socialista, Francisco Alegre, era então diplomata júnior da missão em Timor. “Vivi intensamente esses dias. O meu filho Francisco estava lá. Mantive um contacto permanente com Guterres, Gama e Sampaio, também a pedido deles. Pereira Gomes não pode dizer na minha cara que tem a consciência tranquila. Ele sabe que eu sei que telefonava constantemente a Guterres a pedir para o tirarem de lá. Ele sabe que eu sei que ofereceu o meu filho como voluntário para ele se pôr ao fresco. O meu filho aceitou, por sentido de dever, o repto que lhe foi lançado pelo Governo. Foi o bom senso de Jaime Gama que evitou a vergonha de o chefe da missão se vir embora, entregando às feras o diplomata mais novo”, conta Manuel Alegre.

O socialista, que só se pronunciou publicamente depois de Pereira Gomes renunciar, confessa que “desde a fundação da democracia nada” o indignou e incomodou tanto como esta nomeação. “Não fiz declarações públicas até agora. Mas comuniquei com lealdade a António Costa a minha discordância total com uma escolha a todos os títulos inadequada. Disse-lhe que, para saber a verdade, não bastava ouvir embaixadores e oficiais de polícia que não estiveram lá na recta final. Era preciso ouvir os que estiveram até ao fim, e sobretudo os que aceitaram as orientações do Governo e cumpriram com honra o seu dever: como é o caso dos três GOE, dos quatros jornalistas, do porta-voz da missão, do médico e do meu filho. Só assim se poderia contrariar interesses corporativos e empenhos particulares”, considera ainda Manuel Alegre.

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