A história da funcionária do FBI que fugiu para se casar com um terrorista do Daesh

Daniela Greene viajou para a Síria para se casar com um recrutador e combatente do Daesh. Voltou poucas semanas depois, e foi presa. A história esteve em segredo durante três anos.

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Reuters/Alaa Al-Marjani/Arquivo

Foi revelado esta segunda-feira que uma tradutora do FBI viajou para a Síria em 2014 para casar com um combatente e recrutador do Daesh que investigava na altura, tendo regressado apenas dois meses depois aos EUA, onde foi detida e, após colaboração com as autoridades, libertada passados dois anos.

Segundo uma investigação da CNN, baseada em documentação judicial entretanto tornada pública, Daniela Greene, tradutora e linguista do FBI, mentiu à agência, informando que iria viajar até à Alemanha para visitar os pais. Na verdade, dirigiu-se à Síria para casar com um militante jihadista que, em tempos, foi um rapper relativamente conhecido em terras germânicas.

Esta história nunca tinha sido divulgada, e expõe uma grave falha nos serviços de informação e de segurança norte-americanos. Mais do que isso, levanta questões sobre a possibilidade de Greene ter recebido um tratamento privilegiado por parte do Departamento de Justiça, uma vez que foi julgada por ofensas menores, recebendo uma sentença mais leve em troca de colaboração com as autoridades. Mas já houve casos em que até tentativas falhadas de viagem para a Síria mereceram sentenças bem mais duras, o que é desmentido à CNN por um funcionário do Departamento de Justiça sem dar, no entanto, exemplos práticos.

O FBI enviou um comunicado à CNN sobre o caso, explicando que a agência tomou “vários passos em diferentes áreas para identificar e reduzir as vulnerabilidades de segurança”. No entanto, os especialistas ouvidos pela CNN dizem que o episódio é um enorme embaraço para o FBI. E uma das razões para o ser, dizem os analistas, é o facto de a viagem de Greene aparentar ter sido altamente planeada e coordenada, isto porque, um estrangeiro, principalmente uma mulher norte-americana que entre em território sírio controlado pelo Daesh, enfrenta um sério risco de vida. O que não aconteceu no caso da funcionária do FBI, que parece ter entrado na Síria sem quaisquer problemas.

Para além disso, diz a CNN, o homem com quem Greene casou não era um jihadista qualquer. Denis Cuspert, um rapper alemão que se radicalizou até se juntar às fileiras do Estado Islâmico, foi ganhando influência no grupo até se tornar um importante recrutador online e um combatente no terreno, entrando no radar das autoridades em dois continentes.

Na Alemanha era conhecido como Deso Dogg e na Síria adoptou o nome de Abu Talha al-Almani. Escreveu músicas a glorificar Osama Bin Laden e a ameaçar Barack Obama. Apareceu em vídeos de propaganda, incluindo um em que segura uma cabeça humana e outro, depois de uma batalha, em que surge numa zona repleta de mortos batendo num dos corpos com um chinelo.

Quem é Daniela Greene?

Greene nasceu na antiga Checoslováquia, vivendo por algum tempo na Alemanha, onde casou com um soldado norte-americano, com quem acabaria por se mudar para os EUA. Ainda muito jovem, Greene finalizou aí os seus estudos, tirando uma licenciatura numa universidade do Oklahoma e um mestrado em História. Os professores ouvidos pela estação norte-americana recordam uma aluna excelente e trabalhadora.

Em 2011, foi contratada como linguista pelo FBI, recebendo autorização de acesso a informação de segurança nacional confidencial. Em 2014, foi colocada em Detroit e inserida numa investigação sobre um terrorista germânico identificado, segundo os registos judiciais, como “Individuo A.”. A CNN, através da documentação dos tribunais, notícias da imprensa, vídeos e outras fontes, diz que o “Individuo A.” era então Cusper, o homem que quem Greene viria a casar.

Em Junho de 2014, com a justificação de querer visitar a família, a tradutora pediu autorização ao FBI para viajar para a Alemanha. No entanto, dirigiu-se para Istambul, e daí para a cidade de Gaziantep, localizada junto à fronteira com a Síria. De acordo com os documentos consultados pela CNN, Greene entrou em contacto com o “Individuo A.” e, com o apoio de uma terceira pessoa, cruzou a fronteira em direcção à Síria, onde casou com Cusper. Por esta altura, a linguista tinha já avisado o terrorista que estava sob investigação.

Mas logo em Julho, poucas semanas depois de ter chegado, Greene começou a enviar emails a uma pessoa não identificada a expressar arrependimento e receio em relação ao ambiente em que estava a viver. Nesse mesmo mês, nas mensagens, dizia que queria voltar aos EUA mas que não conseguia. Apesar disso, no dia 1 de Agosto, as autoridades americanas emitiram um mandado de captura, e no dia 8 Greene foi detida quando já estava em território norte-americano. Não se sabe como conseguiu regressar.

À CNN, a protagonista do escândalo disse que não quer falar sobre o assunto, temendo pela segurança da família. O seu advogado também prestou declarações ao canal descrevendo a cliente como “inteligente, articulada e obviamente ingénua”.

Depois de detida, em Dezembro de 2014, Greene admitiu a culpa e aceitou colaborar com as autoridades. Em Abril de 2015, os procuradores informaram o tribunal que a colaboração da suspeita tinha terminado e várias partes do processo começaram a ser tornadas públicas.

No dia 4 de Agosto do ano passado, dois anos depois de ter sido detida, Greene saiu em liberdade. Nove meses antes, em Outubro, o Pentágono informava através de um comunicado que Cuspert tinha sido morto num bombardeamento. Mas, na véspera da libertação da antiga funcionária do FBI, o Pentágono corrigiu a primeira informação e declarou que, afinal, o antigo rapper alemão tinha sobrevivido ao ataque.

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