A ameaça que veio da Ásia Central

O autor do atentado em São Petersburgo foi identificado como um quirguize imigrado na Rússia há vários anos. Nunca um cidadão da Ásia Central tinha feito um ataque em solo russo.

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Imagem do autor do atentado, captada pelas câmaras de vigilância do metro de São Petersburgo Reuters/HANDOUT

Tinha 22 anos, era natural do Quirguistão e vivia na Rússia há vários anos. A imprensa local diz que tinha ligações a movimentos religiosos radicais, mas as autoridades não confirmaram essa ligação. O autor do atentado no metro de São Petersburgo enquadra-se numa tendência de extremismo islamista até agora pouco vista na Rússia.

O GKNB, os serviços secretos quirguizes, identificaram o suspeito do ataque como Akbarzhon Jalilov, nascido na cidade de Osh em 1995. As autoridades russas apenas confirmaram que o responsável pela explosão que matou 14 pessoas na segunda-feira é originário da Ásia Central e morreu durante o ataque.

Há vários anos que Jalilov tinha imigrado para a Rússia – tal como milhões de cidadãos das ex-repúblicas soviéticas que procuram nas cidades russas uma fuga à pobreza dos seus países – onde, segundo a imprensa russa, trabalhava num restaurante de sushi.

Nunca um cidadão de um país da Ásia Central realizou um ataque em solo russo. A Rússia está acostumada a atentados terroristas nas suas cidades, mas a autoria esteve quase sempre do lado de rebeldes do Cáucaso. Numa primeira fase, militantes tchetchenos eram motivados sobretudo pela luta pela independência do seu território, onde o exército russo travou duas guerras para o manter nas suas fronteiras. Com o fim do conflito e a normalização de relações entre Moscovo e Grozni – através da instalação de um líder pró-Kremlin, Razman Kadirov – os movimentos insurgentes adoptaram um cariz mais religioso, com a emergência de um autoproclamado “emirado” do Cáucaso.

Na Ásia Central, o panorama é diferente, mas não menos preocupante para as autoridades russas. Países como o Quirguistão, Uzbequistão, Cazaquistão ou Tajiquistão, têm nos últimos anos assistido a uma crescente radicalização de parte das suas populações maioritariamente muçulmanas. Estes países têm alguns traços em comum que os tornam particularmente permeáveis a este fenómeno. Desde a independência que todos os eles são liderados por presidentes autocráticos, que nas últimas duas décadas esmagaram qualquer movimento de oposição – muitas vezes alegando serem organizações radicais.

O caos que se seguiu ao colapso da União Soviética deu azo à criação de vários grupos extremistas, muitos dos quais inspirados nos combatentes afegãos que lutaram contra os soviéticos nos anos anteriores. É neste contexto que surgem grupos como o Movimento Islâmico do Uzbequistão e a União da Jihad Islâmica, as principais organizações terroristas da Ásia Central, “bem treinadas e muito ligadas ao jihadismo transnacional e à Al-Qaeda”, de acordo com um relatório de 2014 do Centro Carnegie.

A guerra da Síria constituiu um marco relevante para o desenvolvimento destas organizações. Os EUA calculam que mais de dois mil cidadãos destes países se tenham juntado a vários grupos que desde 2013 combatem o regime de Bashar al-Assad, incluindo o Daesh e a Frente al-Nusra, o braço da Al-Qaeda na Síria. O Governo do Quirguistão estima, por exemplo, que 500 cidadãos tenham viajado para a Síria e para o Iraque nos últimos anos – e muitos terão já regressado.

Não há indícios que o autor do ataque em São Petersburgo tenha viajado para a Síria, mas a sua radicalização – caso o atentado tenha de facto motivações religiosas – pode ter acontecido já na Rússia, onde a influência de recrutadores se tem intensificado. Estima-se que redes de combatentes tchetchenos estejam activamente a recrutar imigrantes da Ásia Central na Rússia para que se juntem a grupos terroristas que combatem na Síria. Segundo uma reportagem do site Meduza e publicada no Guardian, quatro mil migrantes destes países foram recrutados em Moscovo para viajarem para a Síria.

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