Domingues não queria acreditar que Governo não tinha evitado entrega de declarações

Ex-administrador da CGD pediu sigilo sobre a sua declaração de património alegando segurança e reserva da vida privada da mulher. Considerava que ser mais rico do que os outros administradores o colocava num patamar de maior vulnerabilidade.

Foto
Ex-administrador da CGD quis manter património em segredo Miguel Manso

António Domingues não queria acreditar que a alteração ao Estatuto do Gestor Público feita pelo Governo não era suficiente para libertar a sua equipa do dever de apresentar ao Tribunal Constitucional (TC) as suas declarações de património, rendimentos e cargos sociais. Isso mesmo alegou no pedido de sigilo sobre a sua declaração, quando a apresentou, em Novembro, depois de notificado pelo TC para o fazer.

“O gestor diligente, ao assumir funções na Caixa Geral de Depósitos, SA, não pode deixar de presumir que o legislador [o Governo] soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, pelo que uma exclusão de determinadas categorias de titulares do conceito normativo de gestor público definido no respectivo estatuto conduzirá naturalmente à conclusão que os titulares excluídos não estão sujeitos aos deveres próprios do gestor público”.

Este foi um dos argumentos usados pelo anterior presidente da CGD, mas que foi recusado pelos juízes. Tal como os outros motivos invocados: a segurança e a reserva da vida privada da sua mulher, com quem tem todo o património em comunhão.

“A razão fundamental é a segurança”, afirma Domingues no arranque do pedido. E a justificação que dá para o diferenciar dos outros gestores públicos é precisamente a mesma que levou à alteração do Estatuto do Gestor Público (EGP). “O critério que conduziu à alteração do EGP em 2016 potencia um modelo de formação de equipa entre profissionais com experiência no sector financeiro que, ao longo dos anos, acumularam património com a regra de mercado”, e por isso, com património acima dos outros gestores não sujeitos aos limites de rendimentos do sector público, escreveu.

Para António Domingues, “consolidar num único documento o património individual com identificação de imóveis” como a “casa de morada de família, casa de férias ou casas onde habitam familiares permite a terceiros” a localização dos seus bens, o que punha em causa a sua particular segurança. Isto apesar de o próprio (como a maioria dos que têm de cumprir este dever), na sua declaração, indicar apenas o tipo de propriedade – urbana ou rústica – , a freguesia e o valor patrimonial, sem qualquer morada concreta.

Mas, continua Domingues, aquela publicidade “não era antecipável”, pois para a prevenir teria servido a alteração ao EGP. O “banqueiro” considerava mesmo que, se o TC entendesse que a lei 4/83 lhe fosse aplicável – como considerou -, isso seria uma desautorização do novo Estatuto do Gestor Público “ou por inconstitucionalidade formal”, ou por restrição do seu âmbito de aplicação “cujo efeito sistémico […] seria normalmente expectável”.

Por último, o ex-administrador da CGD alegava ter todo o seu património em comunhão com a mulher, e que a protecção da sua vida privada seria suficiente para “vedar a consulta e a divulgação” da declaração de rendimentos. E aqui junta outro argumento: “O caso dos titulares de altos cargos públicos, […] pende menos para a transparência perante o público que nos casos dos titulares de cargos políticos”.

A todos estes fundamentos o TC disse não. Desde logo por já ter considerado que os administradores da CGD estavam todos sujeitos à lei 4/83 e ter entendido que “nada distingue este caso de todos os outros”, não existindo “nenhuma expectativa merecedora de tutela”.

No caso da segurança, o TC remeteu para a jurisprudência, lembrando que as decisões já tomadas nesta matéria exigem que seja exposto uma circunstância de risco concreta. Caso contrário, aplica-se a lei quando diz que a divulgação do conteúdo das declarações é livre.

O argumento de maior perigo por ser mais rico do que a maioria dos outros gestores públicos foi igualmente afastado: “Seria incompreensível, face aos objectivos da transparência, que uns declarantes fossem beneficiados […] só por terem património mais elevado”. E o último sobre a diferença entre cargos políticos e altos cargos públicos também: “Não se descortina qual seria a justificação para tal distinção”.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários