Acusação contra Lula: o fim de uma era ou a contra-ofensiva para o poder?

O antigo Presidente do Brasil foi acusado dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

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Lula da Silva desmente todas as acusações e diz-se vítima de perseguição REUTERS/Paulo Whitaker/File Photo

O fim da carreira de Luiz Inácio Lula da Silva já foi anunciado demasiadas vezes para que se possa dar crédito aos títulos que anunciam, num tom definitivo, a morte política do mais carismático líder brasileiro da actualidade. Mas mesmo que não resulte em condenação e afastamento o último processo em que está arguido, acusado de corrupção, é difícil antever uma futura candidatura ao seu antigo cargo de Presidente do Brasil nas eleições de 2018 – ou qualquer outra contribuição para retirar do limbo o seu Partido dos Trabalhadores, agora afastado do poder.

Considerações jurídicas à parte, essa é a grande incógnita – e também a grande polémica – que resulta da imputação a Lula da Silva dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, no âmbito do processo iniciado com a Operação Lava Jato, a investigação que directa ou indirectamente já fez cair a sua herdeira política e sucessora na Presidência, Dilma Rousseff, ou o outrora todo poderoso líder da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (entre muitos outros políticos e empresários brasileiros).

As denúncias do Ministério Público contra o antigo Presidente da República tornaram-se quase um detalhe de folhetim: o que mais interessa, no actual contexto político brasileiro, é perceber o impacto da acusação contra Lula. Pode ser este o momento da queda de um mito, do fim de uma era? Os seus adversários políticos, e a larga parcela da sociedade que odeia o PT, querem acreditar que sim. Ou então poderá ser esta a munição que os petistas precisavam para o contra-ataque, fechando a narrativa da perseguição e do “golpe” que começou a ser escrita com o impeachment de Dilma Rousseff?

A acusação contra o antigo Presidente é carregada: para a Procuradoria, Lula seria o “comandante máximo” do esquema de corrupção em torno da petrolífera estatal Petrobras. O desvio de verbas e as trocas de favores e influência seriam não só do seu conhecimento, como para seu benefício pessoal, alegam os procuradores, que atribuem ao antigo Presidente a propriedade de um apartamento de luxo numa estância litoral de são Paulo, detido pela construtora OAS (uma das empresas envolvidas no esquema da Lava Jato).

“Está montado o palco para o julgamento mais politicamente sobrecarregado na História moderna do Brasil”, escreveu o britânico The Guardian, assinalando o “momento de intensa turbulência política e económica” que o Brasil atravessa. “Mais problemas para Lula”, antecipou o The New York Times ao dar conta da decisão do juiz federal Sérgio Moro, que se tornou uma estrela no Brasil com a sua condução do mega-processo.

O papel de Moro também alimenta esta novela – a sua acção bem como de vários procuradores da chamada força-tarefa (task-force) da Lava Jato têm sido duramente questionados. Na sequência da acusação a Lula, o jornal Clarín, da Argentina, destacava a “assombrosa rapidez” do magistrado em acolher o processo contra o antigo Presidente (antes, já tinha aceite uma outra denúncia contra Lula por obstrução à justiça). “Moro está disposto a enfrentar a controvérsia de uma acusação fundada sob indícios frágeis, que pode gerar inquietação em milhões de brasileiros que consideram Lula um ídolo”, notava o Le Monde.

Apesar de não causar surpresa, a decisão causou um relativo desconforto, mesmo entre os seus críticos e adversários políticos, preocupados com o que o próprio Sérgio Moro descreveu como “elementos probatórios questionáveis” no processo do Ministério Público. O juiz lembrou que a acusação “não significa juízo conclusivo quanto à presença da responsabilidade criminal”, e reconheceu que a denúncia “pode dar azo a celeumas de toda a espécie”, mas esclareceu que estas “ocorrem fora do processo”.

“Uma coisa são as acusações, outra são as provas. Há que verificar o que é certo e o que é errado”, alertou o antigo Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando o Ministério Público apresentou a acusação, baseada na “convicção” de que Lula terá obtido vantagens do esquema de corrupção. Esse é o processo que agora se inicia, na instrução: uma batalha jurídica entre acusação e defesa, que não tem prazo para acabar.

Lula até pode nem ser julgado, mas até ao desfecho da instrução fica sem margem de manobra política.

Um primeiro efeito imediato será perceptível dentro de duas semanas, quando os eleitores escolherem os seus novos governantes municipais. Em declarações à agência Estado, o cientista político Fabio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais, acentuava o pessimismo quanto às aspirações eleitorais do PT: a acusação de Lula, disse, “vai reforçar a circunstância negativa que o PT enfrenta, e diminuir as chances de o partido se recuperar nestas eleições”.

A verdade é que o PT não tinha ilusões quanto ao resultado da próxima votação. O partido já estava a preparar a sua travessia do deserto depois do processo que levou à destituição de Dilma Rousseff. Mas contava com Lula para reemergir e recuperar o poder em 2018. Para Fabio Wanderley Reis, mesmo que o actual panorama seja desfavorável, é cedo para descartar Lula. “Existe a possibilidade de que a denúncia não conclua em condenação”, lembra. E sem ela, Lula será ainda mais favorito à vitória nas próximas presidenciais.

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