Merkel apoia ou não apoia Guterres?

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Apareceu finalmente o candidato surpresa, neste caso a candidata, para secretário-geral da ONU. Nada nas regras da eleição impede que isso aconteça. O nome de Kristalina Georgieva, vice-presidente da Comissão Europeia, foi muitas vezes falado mas nunca apresentando formalmente pela simples razão de que o seu país, a Bulgária tinha (e ainda tem) a sua própria candidata. Mas a sua entrada em cena foi feita à boa maneira europeia, habituada a funcionar em circuito fechado onde tudo se pode passar ignorando o mundo lá fora.

Os sinais foram dados pelo chefe de gabinete de Juncker, um alemão próximo da chanceler, que fez saber o seu apoio a uma candidata forte, europeia de Leste e, ainda por cima, mulher. Juncker também já fez saber o apoio à sua vice-presidente com palavras calorosas, mais uma vez assentes no argumento politicamente correcto de ser mulher. Gostaria de um compromisso europeu para apoiá-la. As notícias de bastidores apresentam a sua candidatura como patrocinada pela chanceler alemã. As movimentações no PPE (onde estão representados o PSD e o CDS) também vão no sentido de apoiar Kristalina (alguns portugueses argumentam que só o fazem porque a candidatura de Guterres não tem qualquer hipótese).

A Rússia reage à alegada intervenção de Merkel, lembrando que cabe aos países apresentar livremente os seus candidatos e a Bulgária já apresentou o seu. Aparentemente, em Bruxelas, ninguém considera a candidatura de outro europeu, que recolheu até agora o apoio da grande maioria dos membros do Conselho de Segurança nas três votações já realizadas num processo aberto de audições públicas em que a qualidade se torna indisfarçável. Kristalina não foi sujeita a este processo, mesmo que nada a impeça de se apresentar a meio do percurso. O tema estará presente nos corredores de Bratislava. O jogo de sombras nos bastidores é tudo menos transparente.

Mas a pergunta fundamental é: está ou não está a chanceler a patrocinar nos bastidores a candidatura de Giorgieva? Se está, que razões a levaram a dizer ao Governo português que nunca se “oporia” à candidatura de Guterres, que tinha sido dos raros responsáveis a apoiar publicamente as suas decisões sobre os refugiados. A chanceler invocou também em benefício do candidato português o facto de ter um profundo conhecimento do que se passa hoje em África, numa altura em que é preciso investir fortemente nos países que estão na origem das correntes migratórias para a Europa. Sabemos que “opor-se” não é o mesmo que “apoiar”. Mas patrocinar outra candidatura já se aproxima mais da ideia de “opor-se” mesmo que Berlim tenha negado as intenções que lhe foram atribuídas por Moscovo. Bruxelas não pode ignorar que há na liça um forte candidato europeu, com a vantagem de ter apoios no mundo inteiro, graças ao seu desempenho à frente do comissariado da ONU para os refugiados durante 10 anos.

Erigir o género em condição essencial só pode ter uma explicação: não atribuir grande importância a um cargo que deve ser hoje cada vez mais importante, graças à crescente desordem mundial. 

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