Análise dos exercícios da NATO faz-se em Lisboa sob direcção portuguesa

Pela primeira vez, a estrutura da Aliança Atlântica que produz estudos e propõe soluções para problemas de defesa, alguns relacionados com o ciberterrorismo e imigração, vai ter um oficial português aos comandos.

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Mário Barreto é o primeiro português a comandar a Joint Analysis and Lessons Learned Centre Miguel Manso

De Monsanto para o mundo: a estrutura da NATO que há 14 anos produz estudos e propostas sobre operações, treinos, exercícios e experimentação para todos os países aliados vai ser, a partir desta sexta-feira e pela primeira vez, dirigida por um português. O brigadeiro-general Mário Salvação Barreto toma hoje posse no cargo que deverá desempenhar nos próximos três anos, sob o lema: “A missão primeiro, as pessoas sempre”.

Mas o que faz esta estrutura da Aliança Atlântica, localizada em Lisboa desde 2002 e que reporta directamente ao Comando Supremo para a Transformação da NATO, sediado nos Estados Unidos? Elabora estudos altamente complexos sobre os problemas operacionais das missões, treinos e exercícios dos aliados, propondo soluções e metodologias que, depois, são (ou não) aprovados superiormente para serem implementados pelos países-membros.

Numa altura em que se vêm intensificando as tensões e conflitos nas fronteiras a leste da Aliança Atlântica, em que se multiplicam os exercícios militares dos aliados, cada vez mais musculados e menos de manutenção de paz, perante desafios complexos como o ciberterrorismo, a imigração e o tráfico de seres humanos, o centro de Monsanto pode ser chamado a estudar aspectos concretos relacionados com qualquer uma destas áreas de actuação e propor soluções, dando suporte a mudanças inteligentes.  

Um exemplo: recentemente, a JALLC (Joint Analysis and Lessons Learned Centre) foi incumbida de estudar a forma de reduzir as baixas colaterais civis, em especial no Afeganistão. Em causa estava a escalada de negatividade relativa ao uso de drones pelas forças armadas, sobretudo norte-americanas.

 A equipa encarregada deste projecto esteve naquele país, onde teve elementos em permanência, analisou cerca de 200 documentos, assim como bases de dados da ISAF (Internacional Security Assistance Force, missão da Nato no Afeganistão), ouviu testemunhos de elementos de Organizações Não-Governamentais no terreno e produziu um relatório, publicado em Junho de 2015, no qual apresentava propostas concretas sobre como reduzir baixas civis. Desde então, a Nato tem vindo a desenvolver a sua política de protecção de civis com base nesse relatório.

Como explicou ao PÚBLICO Paulo Gonçalves, relações públicas do JALLC, o estudo permitiu concluir, por exemplo, que o uso de drones de per se já representava um grande avanço na redução de baixas civis, devido ao tempo de observação e reacção muito mais longo que têm em relação aos caças militares. “Mas como não se conseguia desmontar a argumentação político-mediática” de que os drones eram os grandes responsáveis pelas baixas colaterais, propôs-se que se evitasse o bombardeamento de zonas edificadas, apostando-se em áreas descobertas, como as montanhas.

“O JALLC é um centro de análise conjunta de problemas operacionais concretos de alto nível e apresentação de propostas de soluções que permitam que a Aliança Atlântica se adapte aos novos desafios, mas não toma nem forma decisões políticas”, explicou ao PÚBLICO o coronel Jorge Saramago, comandante interino do centro e que a partir de hoje assume o cargo de segundo comandante. Mais uma situação inédita: pela primeira vez, são portugueses os dois principais responsáveis desta estrutura, onde trabalham 66 pessoas de 16 países, no ambiente multicultural que é timbre da NATO.

"Uma palavra a dizer"

Se ali não se tomam decisões, a participação nas reuniões semanais, por videoconferência, com o Comando Supremo permite que a opinião destes responsáveis seja ouvida e vá fazendo o seu caminho. “Comigo, o JALLC vai ter uma palavra a dizer”, diz ao PÚBLICO o comandante Mário Barreto, estabelecendo como prioridades a qualidade na execução das missões, a comunicação interna e externa e o bem-estar dos peritos envolvidos neste “trabalho cerebral”.

Certo é que por ali passam informações e são elaborados estudos que permitem a tomada de decisões tão importantes como se um exercício de um país aliado será ou não um exercício NATO, se uma determinada missão está a cumprir os seus objectivos, assim como a gestão de terabytes e terabytes de informação que, em grande parte, é disponibilizada às nações em forma de lições aprendidas.

Esta é a segunda área de actuação do JALLC que, sendo aquela que menos trabalho dá, é a que tem mais visibilidade. Ali é gerido o Portal Extra das lições aprendidas, que condensa todos os resultados de todos os exercícios NATO realizados em todos os países aliados e que tem mais de meio milhão de utilizadores. Não sendo um portal aberto ao público (embora tenha visível a informação básica), é um instrumento que distribui informação essencial na área da defesa e segurança para quem toma decisões no seio da Aliança.

Ter todo este manancial de informação sediado em Portugal e dirigido por portugueses é visto pelos responsáveis do JALLC como estratégico também para o país. Porque, como diz Mário Barreto, “hoje em dia a informação é tudo”.

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