Oposição cumpre primeira etapa para convocar referendo revogatório a Maduro

Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela validou as assinaturas entregues para desencadear a consulta popular que pode determinar a perda de mandato do Presidente.

Foto
A presidente do CNE, Tibisay Lucena, anunciou a validação das assinaturas para o referendo REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela validou as assinaturas apresentadas pela oposição numa petição a solicitar a realização de um referendo revogatório do mandato do Presidente Nicolás Maduro, e deu por concluída a primeira fase do processo para convocar a consulta popular. Na resposta, o Presidente foi à televisão prometer “mais socialismo”, garantindo à oposição que não conseguirá “livrar-se” dele.

Segundo anunciou a responsável da autoridade eleitoral, Tibisay Lucena, depois de analisadas as listas com mais de 1,2 milhões de nomes entregues no início de Maio pela oposição, foram validadas 399.412 assinaturas das 407.622 que foram verificadas – quase o dobro do mínimo de 200 mil exigido por lei, correspondente a 1% dos eleitores nos 24 estados do país. A presidente do CNE deu assim luz verde à continuação do processo, acreditando a coligação Mesa da Unidade Democrática (MUD) como promotora do plesbicito.

Tibisay Lucena notou, porém, que 1326 assinaturas não estavam conformes, e recomendou que as suspeitas de irregularidades denunciadas por um dirigente do Partido Socialista Unido da Venezuela, do Presidente Maduro, fossem investigadas. Jorge Rodríguez, que também é autarca de um município da área metropolitana de Caracas, tinha exigido a anulação da inscrição da MUD como partido político.

No entanto, o CNE não ofereceu nenhuma previsão sobre o restante calendário do processo. De acordo com os regulamentos, a marcação do referendo depende do acordo de 20% do eleitorado manifesto em abaixo-assinado – o que quer dizer que a oposição terá de recolher a assinatura de pelo menos quatro milhões de pessoas. E terá que o fazer num prazo máximo de 15 dias depois da data designada pelo órgão eleitoral (a tal que Tibisay Lucena não avançou). O governador do estado de Miranda e rival presidencial de Maduro, Henrique Capriles, já ameaçou com uma grande mobilização popular para pressionar o CNE a fixar a data para o arranque da segunda etapa do processo.

A expectativa da MUD é que a data seja atirada para Setembro. Depois de reunidas as assinaturas, o CNE tem um prazo de 15 dias para as validar. Se estiverem conformes, tem 72 horas para convocar o referendo, que tem de ser levado a cabo num prazo máximo de 90 dias. “O próximo passo será tão demorado e difícil quanto o primeiro. O Governo não precisa de evitar o plesbicito, apenas tem de o adiar”, comentou à AFP o analista da venezuelana Datanálisis, Vicente Léon.

Se todos os passos forem cumpridos, e a consulta for avante, só resultará na revogação do mandato do Presidente se esse desfecho for ratificado pelo mesmo número de votos depositados em Nicolás Maduro nas eleições de 2013 – 7.587.579. As últimas sondagens do Venebarómetro apontam para uma maioria de 64% a favor da revogação do mandato. O mesmo instituto coloca a taxa de reprovação do Presidente em 73%.

Para a oposição, é crucial que o processo seja expedito para que o referendo possa realizar-se ainda durante o ano de 2016. Ultrapassada a data de 10 de Janeiro de 2017 – a partir da qual restam menos do que dois anos até ao final do mandato presidencial – a Constituição prevê que mesmo no caso de a consulta resultar na perda de mandato de Maduro, o poder passe directamente para o vice-presidente, Aristóbulo Istúriz, que assegurará o Governo até ao fim de 2019.

Várias figuras de topo do chavismo, nomeadamente o ex-presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, asseguram que não haverá referendo em 2016. A responsabilidade, disse, é toda da oposição, que não tratou de iniciar o processo em tempo útil. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, já avisou contra o “jogo do empurra”, pedindo às autoridades eleitorais que não atrasem o processo e garantam que este “siga em frente de forma transparente e justa” para que os venezuelanos se possam pronunciar, conforme prevê a Constituição.

Braço-de-ferro

Entretanto, o confronto político entre o regime e a oposição conheceu um novo capítulo, com o Tribunal Supremo de Justiça, dominado pelo chavismo, a declarar a nulidade de todos os actos da Assembleia Nacional desde a passada quinta-feira, o dia em que foi dada posse a três deputados (dois da oposição e um do “oficialismo”) que não tinham assumido o mandato conquistado nas legislativas de Dezembro por causa de um pedido de impugnação dos resultados eleitorais. Com a entrada em funções destes três deputados, a oposição teria os votos de uma super-maioria de dois terços dos parlamentares.

Numa decisão anunciada poucos minutos depois de confirmada a validação do processo referendário pelo CNE, a chamada Sala Eleitoral do Supremo determinou que a posse dos três deputados “carece de validade, existência e eficácia jurídica por violação flagrante da ordem pública constitucional” e considerou o parlamento venezuelano em desacato. Na sua mensagem televisiva, o Presidente Nicolás Maduro explicou que a Assembleia se “auto-dissolveu” após a tentativa de “golpe parlamentar contra o poder judicial” do seu presidente, Henry Ramos Allup, e ameaçou com o corte de todas as transferências – um “torniquete financeiro contra o poder legislativo”, mas não contra os funcionários do parlamento, distinguiu.

E num outro braço-de-ferro, desta feita com as autoridades dos Estados Unidos, o Presidente anunciou a nomeação do general Néstor Reverol Torres – acusado na véspera por crimes ligados ao narcotráfico pela procuradoria nova-iorquina – como ministro do Interior e da Justiça. “Expresso a minha solidariedade com este oficial e a sua família, que estão a ser agredidos a partir dos EUA”, acrescentou. Maduro fez uma mini-remodelação governamental, no âmbito da qual dispensou o ministro da Indústria e Comércio, Miguel Pérez Abad, que nomeara há apenas sete meses. O empresário, que pertence à ala moderada do chavismo, estava a tentar concertar com o sector empresarial uma resposta para a grave crise económica do país.

Sugerir correcção
Ler 14 comentários