"Nós seguimos o nosso caminho e vocês o vosso", diz Erdogan a Bruxelas

Presidente turco recusa mudar lei antiterrorista como exigiu Bruxelas para permitir que turcos possam entrar na UE sem visto. Regime presidencialista "é urgente", disse.

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Erdogan quer o poder total AFP

“Nós vamos seguir o nosso caminho, e vocês o vosso.” Foi de forma simples e sem grandes subtilezas que o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, recusou, nesta sexta-feira, as condições impostas pela União Europeia para abolir a necessidade de vistos para os cidadãos turcos. A recusa em realizar reformas às actuais leis antiterroristas pode pôr em causa o acordo UE-Turquia para a recolocação de refugiados sírios.

A exigência de que os cidadãos turcos pudessem entrar no espaço Schengen sem vistos já em Junho foi feita pelo primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, a troco de ficar com os refugiados sírios que se acumulavam nas fronteiras europeias. Na quarta-feira, Bruxelas apresentou as suas condições, reduzidas ao mínimo, para que isso pudesse acontecer. Um ponto fundamental seria alterar a lei antiterrorismo em vigor na Turquia, para a alinhar com a definição de terrorismo seguida pelos Vinte e Oito, bem como adoptar critérios de proporcionalidade na resposta às ameaças.

A Comissão Europeia avisou esta semana que o país ainda tem de cumprir cinco dos 72 requisitos para acabar com a necessidade de visto para entrar no espaço Schengen. Outras áreas eram também mencionadas, tais como a defesa dos direitos humanos, protecção sobre minorias e liberdade de expressão. Para finalizar o processo, o Parlamento Europeu e os Estados-membros também terão de se pronunciar.

Mas do ponto de vista de Ancara, as condições previstas pela UE são inaceitáveis. “Não nos podemos dar ao luxo de efectuar estas alterações enquanto continua a intensa luta contra o terrorismo”, avisou ainda o ministro turco para as relações com a UE, Volkan Bozkir, em declarações ao jornal Sabah.

Uma revisão à actual legislação poria em causa, segundo a óptica do Governo turco, a luta contra os terroristas curdos e o autoproclamado Estado Islâmico.

Mas a oposição ao Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) e grupos de defesa dos direitos humanos argumentam que, ao abrigo da actual lei, as autoridades turcas reprimem as vozes dissonantes de académicos, escritores e jornalistas, e até políticos. O Governo refere-se de forma indiferenciada a “terroristas” e “apoiantes de terroristas” — como um grupo de professores que assinaram um documento que pede o fim dos bombardeamentos aos territórios curdos , contra os quais não hesita em aplicar pesadas penas de prisão.

O panorama da liberdade de imprensa tem caído a pique nos últimos anos, com a Turquia a figurar no 151.º lugar (em 180) no ranking dos Repórteres Sem Fronteiras. O caso mais recente de silenciamento da imprensa crítica do Governo envolveu o encerramento do jornal Zaman e do grupo de media a que pertence depois de ter ficado sob controlo governamental.

“Vocês deixam terroristas montar tendas e dão-lhes oportunidades em nome da democracia”, afirmou Erdogan esta sexta-feira, dirigindo-se directamente à UE, numa referência às tendas que foram montadas junto ao Parlamento Europeu em Bruxelas por activistas do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), considerado uma organização terrorista. “E vocês dizem-nos que ‘se mudarem isto [leis antiterroristas], então iremos acabar com os vistos’. Desculpem, mas nós vamos seguir o nosso caminho, e vocês o vosso.”

A decisão do Presidente turco configura mais um obstáculo no caminho do acordo em que a Turquia se comprometeu a reter os refugiados que continuam a chegar, a troco de seis mil milhões de euros e do relançamento do processo de adesão à UE. Erdogan falava um dia depois de ter sido anunciado o afastamento, no fim deste mês, do seu primeiro-ministro, o “mentor” do acordo com Bruxelas e visto como um dos políticos mais liberais na elite cada vez mais autocrática e isolacionista que lidera a Turquia.

No centro do afastamento de Davutoglu esteve precisamente o acordo com a UE. Erdogan não terá sido devidamente consultado, dizem os media turcos. O primeiro-ministro não teria também sido grande apreciador da ambição de Erdogan de instaurar um regime presidencialista no país.

Com a morte política de Davutoglu, o caminho está aberto para que Erdogan concentre ainda mais poder. “Uma nova Constituição e um sistema presidencialista são necessidades urgentes”, disse o Presidente turco, que apelou à realização de um referendo sobre a reforma do sistema político que o torne no homem forte do país.

“Sem Davutoglu, os líderes ocidentais receiam que a Turquia se aproxime ainda mais do autoritarismo, tornando-o num parceiro menos fiável para lidar com os desafios urgentes, desde a luta contra o ISIS [acrónimo inglês para o Estado Islâmico] até à limitação do fluxo de refugiados”, escreveu o analista do Instituto do Médio Oriente, Gonul Tol.

Logo após a notícia da saída de Davutoglu, Bruxelas reafirmou a sua intenção de prosseguir o diálogo com Ancara, independentemente de quem venha a ser o seu novo interlocutor. A fazer crer nas palavras de Erdogan, essa missão pode vir a mostrar-se quase impossível.

 

 

 

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