Erdogan apela à mudança da Constituição que lhe dará mais poderes

O Presidente da Turquia avisou que se não houver acordo parlamentar, ele próprio conduzirá o processo de revisão da lei, com o propósito de reforçar os poderes presidenciais.

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Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, quer reforçar os seus poderes executivos REUTERS/Murad Sezer

A prioridade do novo parlamento saída das eleições intercalares de domingo deve ser a discussão de uma nova Constituição, defendeu esta quarta-feira o Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, que pretende aproveitar a maioria absoluta conquistada pelo seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) para reforçar os seus poderes executivos.

Num discurso em Ancara, o Presidente turco disse que o primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, começaria por consultar os partidos de oposição para dar início ao processo de revisão da lei fundamental. Mas Erdogan avisou que no caso de não haver acordo parlamentar, assumirá ele próprio a condução do processo, marcando uma consulta popular para referendar a alteração do regime e criar um novo sistema presidencial.

O Presidente e fundador do AKP nunca escondeu a sua intenção de mudar a lei para continuar a gerir o país, depois de ter chegado ao limite de mandatos consecutivos como chefe do Governo. Na Turquia, as competências do Presidente são sobretudo cerimoniais, mas desde que foi empossado, Erdogan introduziu várias inovações, por exemplo convocando e dirigindo conselhos de ministros.

Como clarificou o porta-voz da presidência, Ibrahim Kalin, a promessa de Erdogan não tem a ver com o seu “futuro pessoal”, até porque o Presidente “já entrou nos livros de História”, frisou. “A sua motivação é tornar o sistema [político] o mais eficiente possível”, esclareceu, acrescentando que a mudança para um regime presidencial “não pode ser decidida sem [consultar] o país”. “Se o mecanismo requerido é um referendo, então será feito um referendo”, afirmou.

O porta-voz presidencial disse que, depois de os turcos se terem manifestado a favor da estabilidade nas eleições legislativas, dando ao AKP uma confortável maioria parlamentar para prosseguir as suas políticas, era natural que também fossem chamados a pronunciar-se sobre “o modelo” de Governo que é mais eficaz para as levar a cabo. “Essa é a questão”, resumiu, “escolher o melhor modelo para a Turquia”.

Durante a campanha eleitoral, os partidos de oposição chamaram a atenção para o crescente autoritarismo do Presidente, cuja actuação extravasava o seu mandato. Na Assembleia Nacional, os conservadores precisam de recolher o apoio de 13 deputados da oposição para poder avançar com o referendo – nem o partido nem o assessor do Presidente quiseram esclarecer como iriam negociar com os seus adversários. Nas bancadas da oposição existe quem defenda a necessidade de rever a Constituição, redigida em 1980 na sequência de um golpe militar. No entanto, ninguém advoga a substituição do sistema parlamentar por um novo regime presidencial.

No rescaldo da votação, Erdogan apelou à unidade nacional, mas as suas palavras desta quarta-feira provam que a conciliação que o Presidente tem em mente diz respeito ao entendimento com o Governo para a revisão da Constituição. “Este período que temos pela frente não é para conversas e discussões. Julgo que isso ficou muito claro: agora é o momento para [obter] resultados”, sublinhou.

Outra declaração ambígua e que segundo a interpretação dos comentadores se referia à campanha em curso contra o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), o Presidente garantiu a “todos aqueles que querem dificultar a vida” ao Governo, que serão eles quem terão a vida dificultada. “E é bom que saibam isso”, observou. Erdogan confirmou depois que a ofensiva contra os separatistas curdos, iniciada em Julho, vai prosseguir “até que o último militante seja liquidado”.

Entretanto, em Bruxelas, o comissário europeu para o Alargamento, Johannes Hahn, designou como “preocupantes” as últimas iniciativas governamentais contra meios de comunicação na Turquia, e lembrou que “a deterioração da situação terá um impacto na pretensão do país em aceder à União Europeia”.

Na segunda-feira, as autoridades detiveram o director e o administrador da revista Nokta, sob suspeita de incitamento à violência e revolta armada na escolha da manchete pós eleitoral, que comparava as eleições a uma guerra civil.

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