Mais de dois terços dos jovens em centros educativos têm processos de protecção

Dos 186 jovens, 105 têm processo de promoção e protecção e 39 vêm de instituições de acolhimento. Relatório da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos já foi entregue na Assembleia da República.

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A comissão considera que o modelo de acolhimento “não foi competente para travar trajectórias de risco e desviantes” Nelson Garrido

São na grande maioria rapazes, mas também há raparigas nos seis centros educativos do país – 24 num total de 186. Uma das raparigas tem com ela um filho, bebé. Contas feitas, os jovens a cumprir medidas têm uma idade média de 17 anos. E para quase todos, o percurso delinquente iniciado surge depois de uma situação de perigo sinalizada no sistema de protecção. O tema não é novo: académicos, magistrados e responsáveis ou profissionais do sector, várias vezes, têm alertado para essa ligação entre as situações de perigo em criança e a delinquência juvenil.<_o3a_p>

Agora, os números do relatório deste ano da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos confirmam-no: dos 186 jovens que, em Fevereiro de 2015, cumpriam medidas tutelares educativas, decididas por um juiz, 144 estavam sinalizados por processos de promoção e protecção (em 105 casos) ou estavam acolhidos em instituições (em 39 casos).<_o3a_p>

“Este número tão elevado de jovens sinalizados revela claramente a predominância de contextos de risco nas suas vidas e também da necessária articulação entre estes dois sectores da administração”, lê-se no relatório consultado pelo PÚBLICO. Na secção relativa às “Relações com a Segurança Social”, o documento aponta falhas à “intervenção preventiva” que “deveria ter ocorrido” – no casos das crianças sinalizadas – e que “aparentemente” não conseguiu atingir esses objectivos “já que o percurso de vida destes jovens acabou por vir a impor medidas de internamento em centro educativo”.<_o3a_p>

Também sobre o número de jovens vindos de instituições de acolhimento, a comissão considera que o modelo de acolhimento “não foi competente para travar trajectórias de risco e desviantes” e qualifica de “urgente” a necessidade de reflectir e rever os actuais modelos de acolhimento das crianças em risco, mas também do “projecto educativo proporcionado a estas crianças”. Considera a comissão que a estas crianças e jovens devem ser oferecidas “uma alternativa educativa” e “uma proposta que contrarie rotas de vida desviantes”. E isso não está a acontecer.<_o3a_p>

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Preocupante, para a comissão, é também o facto de muitos dos jovens em centro educativo apresentarem “patologias psicológicas ou psiquiátricas”: são 82 casos no total de 186. Sobre esse ponto, o relatório recomenda a definição de uma estratégia que passe por “promover, em todos os centros, um sistema integrado e continuado de apoio psicológico aos jovens” – o que apenas acontece no centro educativo do Porto.  <_o3a_p>

A Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos existe desde que a Lei Tutelar Educativa entrou em vigor em 1999 e o seu mais recente relatório datava de 2012. É composta por magistrados e profissionais de organizações não governamentais (ONG) da área da protecção de crianças, deputadas, uma do PS e uma do PSD, e um representante do Governo, designado pelo titular da pasta da Justiça, e coordenada pela procuradora-geral adjunta do Tribunal da Relação de Lisboa, Maria do Carmo Peralta.<_o3a_p>

O relatório, agora concluído, de 2015, foi entregue na Assembleia da República na semana passada e deverá ser apresentado na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Descreve a situação encontrada nas várias visitas realizadas, em 2014 e nos primeiros dois meses de 2015, aos seis centros educativos em funcionamento: Bela Vista e Navarro de Paiva (em Lisboa), Padre António Oliveira (em Caxias), Mondego (na Guarda), Santo António (no Porto) e Olivais (em Coimbra). Dois centros foram encerrados: o da Madeira, em 2013, e o de Vila do Conde em 2014.  <_o3a_p>

Números "impressionantes"
“Estes miúdos vêm de meios sociais muito desfavorecidos. São vítimas da negligência, do abandono e da pobreza”, diz Maria do Carmo Peralta. “Isto começou a ser de tal maneira impressionante, que optámos por ir verificar os números. E quando verificámos os números, vimos que a proporção [dos jovens que vêm de situações de perigo] é muito grande.”

Os jovens em centro educativo têm em comum o facto de terem praticado um acto qualificado de crime quando tinham entre 12 e 16 anos. Abaixo da idade de responsabilização criminal dos 16 anos, cumprem medidas e não penas; vão para centros educativos e não prisões. Mas porque, nalguns casos, os processos demoram, quando chegam aos centros já têm mais de 16 anos. Podem ser-lhes aplicadas medidas em regime aberto, semiaberto ou fechado. E isso depende da idade do jovem e da gravidade do acto.<_o3a_p>

A medida de internamento em regime fechado só pode ser aplicada a jovens com mais de 14 anos, que tenham cometido um acto qualificado como crime a que corresponderia uma pena máxima acima dos cinco anos – podem ser, por exemplo, ofensas corporais graves, homicídio ou roubo. Em regime semiaberto, ficarão os jovens que cometeram factos qualificados como crime a que corresponda uma pena máxima não superior a três anos.<_o3a_p>

Clima pacífico e incumprimento
No documento de mais de 100 páginas, que inclui fotografias das instalações dos centros educativos, a comissão reconhece melhorias e “um esforço” para “humanizar” e “adequar os espaços aos programas desenvolvidos”. Também descreve “um clima geral pacífico” nos centros onde os jovens estão vestidos de forma adequada, bem alimentados e em boas condições de saúde. Mas o relatório também acusa o Estado de “não estar a cumprir a responsabilidade muito clara” de “acomodar estes jovens” havendo “muitas instalações a necessitar de intervenções físicas” de modo a poderem cumprir "os objectivos da Lei Tutelar Educativa" e respeitar "os direitos humanos”.

“Têm de existir espaços que façam com que estes miúdos os sintam como seus. E muitos destes espaços são frios”, do ponto de vista humano, diz Maria do Carmo Peralta. “Não chegámos a um ponto do que consideramos serem estas as estruturas necessárias para uma educação para o direito”, explica.<_o3a_p>

Já no relatório de 2012, e relativamente à avaliação do funcionamento dos centros educativos e da sua acção junto dos jovens, a comissão concluía que não era conhecida “a percentagem de sucesso que a educação para o direito, ministrada nos centros educativos, alcança”. Nesse ponto, o desconhecimento mantém-se.<_o3a_p>

“A educação para o direito é ensinar estes miúdos a viver em sociedade, a não fazerem asneiras sem caminhos de regresso. É fazer com que consigam, na sua igualdade ou na sua diferença, viver de acordo com a lei e com a ética”, conclui Maria do Carmo Peralta. E apesar de reconhecer “o trabalho positivo nesse sentido” feito por responsáveis e equipas dos centros, a magistrada não está absolutamente segura dos resultados: “Se me perguntam se poderia ser melhor? Podia.”<_o3a_p>

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