Manuel Valls apela à união contra a extrema-direita

Para tentar evitar vitórias do partido de Marine Le Pen, o PS francês dá ordem aos seus candidatos para desistirem e recomendarem o voto noutro partido. Mas essa estratégia está a ser muito criticada.

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Marine Le Pen eve 40,64% na região Norte-Pas de Calais-Picardia e está bem colocada para ganhar a segunda volta Pascal Rossignol/REUTERS
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Manuel Valls é o primeiro-ministro de França MARTIN BUREAU/AFP

Desistir a favor de um candidato de direita para impedir a vitória da Frente Nacional na segunda volta das eleições regionais no próximo domingo? Essa é a ordem da direcção do Partido Socialista francês, face aos resultados da formação de Marine Le Pen na primeira volta. Mas crescem as resistências a este sacrifício dentro do PS.

A Frente Nacional foi a vencedora no domingo, com 28,42% a nível nacional – teve mais de seis milhões de votos e ficou à frente em seis das 13 regiões metropolitanas francesas. Os Republicanos, de Nicolas Sarkozy, que esperavam uma vitória, ficaram-se por 26,85%, e não têm uma vida fácil para a segunda volta. Os socialistas tiveram 23,47%.

Marine Le Pen teve 40,64% na região Norte-Pas de Calais-Picardia, enquanto o segundo classificado, Xavier Bertrand, ex-ministro de Sarkozy, teve apenas 24,96% - e não tem muito onde ir buscar novos votos na segunda volta. Por isso, será precioso que pelo menos alguns dos eleitores que deram 18,12% ao socialista Pierre de Saintignon votem nele.

Esse é o raciocínio da “desistência republicana”, a que o primeiro-ministro Manuel Valls apela sem cessar: para impedir a eleição de um candidato de extrema-direita, quem fica em terceiro lugar desiste e dá indicação de voto no rival. “Há duas concepções da República: a que exige a união, e da extrema-direita, que divide os franceses, que quer atirar uns contra os outros. No domingo será necessário escolher entre estas duas visões”, afirmou Valls, na noite desta terça-feira, na televisão.

Esta estratégia funcionou em 2002, quando Jean-Marie Le Pen eliminou o socialista Lionel Jospin na primeira volta das presidenciais. Houve um voto em massa no candidato do centro-direita, Jacques Chirac, na segunda volta.

Mas, em vez de ser uma barragem estanque, esta estratégia tornou-se uma construção cheia de furos, agora que um partido de extrema-direita está à beira de dirigir duas grandes regiões num país como França: Marion Maréchal Le Pen, a sobrinha de Marine, teve 40,5% na região Provença-Alpes-Côte d'Azur (PACA), e Florian Philippot, o braço direito de Marine Le Pen, ficou em primeiro em Alsácia-Champagne-Ardenas-Lorena, com uma vantagem de dez pontos, e tem boas hipóteses de ganhar na segunda volta.

Suicídio político
A decisão da direcção do PS de retirar os seus candidatos para fazer uma frente republicana está a gerar polémica. Afinal, retirar as suas listas significa não ficar representado nos órgãos regionais. É fazer suicídio político. E a indicação é para que aconteça nas três regiões em que a FN está mais bem colocada: PACA, Norte-Pas-de-Calais-Picardia e Asácia-Champagne-Ardenas-Lorena.

Mas o candidato socialista de Alsácia-Champagne-Ardenas-Lorena, Jean-Pierre Masseret, recusa retirar-se. “Esta estratégia de evitamento não é uma ideia conseguida. Existe há muitos anos, mas a FN continua sempre a subir. Em vez de nos retirarmos, o que é preciso é confrontarmo-nos”, afirmou, em conferência de imprensa, disposto a lutar contra Florian Philippot.

“O confronto é que fará recuar esse partido. Serei acusado de todos os males da terra mas sou fiel aos meus compromissos. Estaremos lá, determinados a combater”, afirmou este político de 71 anos, admirador, diz o Le Monde, de Vercingetorix – o guerreiro que uniu as tribos da Gália numa revolta contra Júlio César.

Masseret, no entanto, não é o único socialista a não gostar de desistir. “As pessoas de esquerda não vão votar, vão ficar em casa”, comentou, na France Info, Fadela Aoummeur, presidente da câmara adjunta em Miramas, na região de PACA, justificando a tomada de posição do PS de Nice, que se opôs à decisão do PS nacional no Twitter. “Para eles, Marion Maréchal Le Pen ou Christian Estrosi [o candidato d’Os Republicanos, que tem assumido posições muito de direita] é a mesma coisa”.

No Norte-Pas-de-Calais-Picardia, há quem diga não consiga aceitar a escolha entre Marine Le Pen e Xavier Bertrand. “Não vejo como escolher na segunda volta entre a peste e a cólera. Não é possível”, dizia um eleitor de esquerda na rádio Europe 1. “Não é nada certo que os eleitores sigam na segunda volta os conselhos de voto dos estados-maiores, muito afastados do terreno local e largamente descredibilizados. Os resultados podem por isso ser menos automáticos do que as previsões, apesar do apelo a ‘fazer barragem’ contra a FN”, escreveu no Le Monde Laurent Bouvet, politólogo da Universidade de Versailles-Saint-Quentin-Yvelines.

Para o partido de Sarkozy continua a vigorar o “nem-nem”, ou seja, não desiste para apoiar um candidato socialista mais bem colocado nem autoriza que se apoie um candidato da Frente Nacional. “Não somos donos das vozes dos nossos eleitores”, afirmou Alain Juppé, noutras alturas muito crítico de Sarkozy.

A liderança de Sarkozy, no entanto, fica fragilizada. Não conseguiu travar o avanço da FN, com o seu discurso marcadamente à direita, e em vez disso permitiu que Marine Le Pen se posicione cada vez melhor para as eleições presidenciais de 2017 – o objectivo primordial de ambos.

A verdade é que a FN se tornou cada vez mais um partido normal. “A FN já não assusta tanto as pessoas como em 2002, os eleitores socialistas sentem-se mais relutantes a votar no partido de Sarkozy e as pessoas estão mais dispostas a aceitar a ideia de regiões governadas pela FN. Já não é algo tão repelente como Jean-Marie Le Pen tornar-se Presidente”, afirmou à Reuters François Miquet-Marty, da empresa Viavoice.

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