Quem é que John Kerry vai convidar para a festa americana em Cuba?

Washington ensaia a difícil coreografia da diplomacia do degelo em Havana com a visita de John Kerry para a cerimónia do içar da bandeira na abertura da embaixada americana em Havana.

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Os cubanos preparam-se para a festa americana FOTOS: Alexandre Meneghin/Reuters
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Quando o secretário de Estado John Kerry chegar a Havana nesta sexta-feira, para erguer de novo a bandeira dos Estados Unidos na embaixada norte-americana em Cuba, tornar-se-á no mais alto representante de Washington a entrar na ilha em mais de meio século.

O seu comportamento pode ter tantos significados como as suas palavras. Manterá a abordagem prática que os diplomatas norte-americanos normalmente projectam? Ou tratará o momento como uma celebração, num sinal de que voltou a ser permissível ir a Cuba divertir-se?

Isto não são questões abstractas. A decisão da Administração Obama de restaurar relações diplomáticas com Cuba assenta em acreditar que os EUA podem fazer mais para encorajar mudanças na ilha usando “soft power”, através de uma estratégia de “envolvimento”.  Uma grande parte disso tem a ver com perceber como alterar o perfil da diplomacia americana em Cuba – e também como voltar a organizar uma boa festa.

A atmosfera festiva de Havana confunde os políticos americanos que visitam a capital cubana, que tem medo de ser acusados de se estarem a divertir num ambiente repressivo. Mas agora chegou a vez dos responsáveis americanos baixarem um pouco a guarda, na esperança de que Cuba faça também o mesmo, e que um maior envolvimento dos dois parceiros ajude a influência dos EUA a crescer.

Durante os 38 anos em que a missão diplomática norte-americana funcionou em Havana rebaixada para o nível de uma mera secção de interesses no edifício da Embaixada da Suíça, os diplomatas dos EUA ali colocados realizaram na residência oficial do embaixador muitos eventos semelhantes aos que acontecem em qualquer outro local: recepções do 4 de Julho, jantares para VIP de visita e festas onde só se entra com convite para assistir à final do campeonato nacional de futebol americano ou aos debates presidenciais.

A mansão com mais de 3250 metros quadrados – no antigo bairro do Country Club de Havana – tem fama de servir bons brownies, mas as festas raramente se prolongam para além das 21h00. E, embora com algumas excepções, o Governo cubano nunca autorizou nenhum representante das autoridades de Havana a participar nas celebrações da secção de interesses dos EUA.

Apostar no regime
Este boicote do Governo cubano tornou-se mais duro quando os EUA começaram a convidar membros da oposição para as recepções da secção de interesses. Só em alturas de melhoria de relações – como o actual período de degelo – é que alguns artistas cubanos, músicos e outros, começaram a aparecer, a misturar-se com responsáveis norte-americanos e activistas dissidentes, em torno de mojitos e jazz ligeiro.

Para a cerimónia do içar da bandeira, marcada para esta sexta-feira, os diplomatas americanos têm o mesmo nó para desatar. De acordo com a Associated Press, não serão convidados dissidentes cubanos para a cerimónia da manhã com Kerry – sinal de quanto esforço a Administração americana está a pôr no desenvolvimento de uma diplomacia convencional com o Governo cubano. No entanto, alguns dissidentes serão convidados para uma cerimónia à parte, mais discreta, à tarde, na residência diplomática. 

“É um dilema difícil” para os EUA, disse Carlos Alzugaray, um ex-embaixador de Cuba na União Europeia, que mantém laços estreitos com altos responsáveis cubanos e diplomatas norte-americanos. “Um dos motivos pelos quais os EUA mudaram a sua abordagem a Cuba é terem compreendido que quem vai dar forma ao que se segue no regime são figuras dentro do regime. Os dissidentes vão ter um papel muito marginal.”

“Os diplomatas americanos estão interessados em construir laços mais fortes com os políticos do regime, mas não o podem fazer se estes não forem às recepções dos EUA”, sumarizou Alzugaray. Se não forem, os políticos cubanos perdem a oportunidade de se envolverem de uma forma mais construtiva com os EUA.

Na verdade, o Governo de Havana devia enviar tantos representantes quanto possível às festas da embaixada norte-americana, e começar a contrabalançar a influência que os dissidentes cubanos têm na formação das percepções da realidade política da ilha por Washington. “O meu conselho é: invadam a festa”, diz Alzugaray

Os diplomatas americanos prometem continuar a lutar por “valores universais” em Cuba. Mas alguns activistas anti-regime dizem começar a sentir-se marginalizados pela nova política para Cuba da Administração Obama, e começaram a ver no Presidente dos EUA um alvo adicional para os seus protestos.

No fim-de-semana, foram presos cerca de 100 dissidentes, incluindo 50 membros das Damas de Branco (um grupo de formado por mulheres e mães de presos políticos cubanos) que tentaram desfilar usando máscaras com o rosto do Presidente Obama. O grupo opunha-se ao reatar de relações diplomáticas com os EUA, considerando que tinha dado nova força ao Governo de Raúl Castro, para se tornar mais repressivo.

O exemplo da Noruega
Esta abordagem de um maior envolvimento tem vindo a ser tentada por diplomatas europeus em Havana há décadas.

Uma das figuras mais populares na capital cubana é a do embaixador da Noruega John Petter Opdahl, um patrono das artes que frequentemente abre as portas da sua casa para dar festas. Esta descontracção tem facilitado o avanço de outros objectivos importantes para Oslo em Cuba, como a protecção ambiental e a resolução de conflitos. Juntamente com as autoridades cubanas, a Noruega está a patrocinar as negociações entre os rebeldes guerrilheiros das FARC e o Governo colombiano, que trouxeram o país até o mais próximo de um acordo de paz.

“Um dos motivos para o sucesso do nosso envolvimento com Cuba e com os cubanos é que o principal assunto sempre foi a cultura e não a política. Não procurámos uma mudança de regime como tal. Isso, honestamente, não é da nossa competência como diplomatas estimular ou instigar”, afirmou Opdahl.

Construi relações com os cidadãos cubanos normais, e em especial com os músicos, escritores e artistas, é uma parte fundamental da acção dos diplomatas noruegueses. “Muitos têm opiniões, visões, sonhos – tal como todos nós – acerca do futuro de Cuba, e frequentemente têm a sua própria maneira de comunica-las para uma audiência muito mais vasta dentro de Cuba do que os dissidentes tradicionais”, comentou o embaixador Opdahl.

O que é mais difícil é chegar até aos funcionários e dirigentes do regime, sobretudo se se é um diplomata de um país que Cuba encara com desconfiança, diz Paul Webster Hare, que foi embaixador do Reino Unido em Havana entre 2001 e 2004.

“Ao contrário do que acontece noutros países, os políticos cubanos não têm relações sociais com estrangeiros para além das horas de trabalho. Nunca nos convidam para a suas casas, e são avisados para não fazerem amigos entre os diplomatas, em especial se forem de países ocidentais”, relata. “Portanto podem rir-se, dançar, contar piadas, mas há sempre uma espécie de véu”, explicou Hare, que agora é professor na Escola de Estudos Globais Frederick S. Pardee da Universidade de Boston (EUA).

A recomendação de Hare é que os EUA façam prova de algum tacto, propondo programas de cooperação em áreas como o desporto ou diplomacia médica. “Os Estados Unidos precisam de uma nova diplomacia pública inteligente, com iniciativas que encham o olho, e em áreas que sejam importantes para Cuba”, afirmou. “Se o fizer, os EUA aproximam-se de muitos cubanos, sejam eles comunistas ou dissidentes, e isso é óptimo para os diplomatas.”

Os responsáveis norte-americanos dizem que não sabem se o secretário de Estado se encontrará com o Presidente Raúl Castro ou com o seu irmão mais velho, Fidel que fez 89 anos esta quinta-feira.

Exclusivo PÚBLICO/THe Washington Post

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