Tomada de Áden pelos huthis travada pelo ar e em terra

Ataques aéreos da coligação árabe e resistência nas ruas feita pelos “comités populares” impedem controlo total da segunda cidade do Iémen pela milicia xiita.

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Grupos paramilitares têm lutado contra os huthis Mohammed Huwais / AFP

O avanço das milícias xiitas de huthis sobre a cidade portuária de Áden, no Sul do Iémen, foi travado depois de vários raides aéreos feitos pela coligação liderada pela Arábia Saudita. As forças rebeldes tinham alcançado o palácio presidencial, mas ainda ao início da manhã desta sexta-feira foram obrigadas a recuar, de acordo com relatos dos serviços de segurança.

No dia anterior, os huthis – uma tribo do Norte que segue a facção zaidista do ramo xiita do Islão e que se tem oposto várias vezes nos últimos anos ao Governo – tinham chegado ao centro de Áden, um bastião das forças leais ao Presidente Abd-Rabbu Mansour Hadi, que fez da cidade capital do país, depois de se ter refugiado. Entretanto, Hadi fugiu para a capital da Arábia Saudita, Riad, assim como grande parte do governo reconhecido internacionalmente.

Há mais de uma semana que a Arábia Saudita, em conjunto com outros nove países da região, começou a bombardear várias cidades iemenitas. A operação, apoiada pelos Estados Unidos, destina-se a repor a autoridade de Hadi, mas é igualmente vista como tendo o objectivo de contrariar o crescimento da influência do Irão no Golfo Pérsico. Riad sustenta que os huthis são apoiados pelo regime xiita de Teerão, embora não haja provas concretas disso. Os bombardeamentos começaram por abranger, de início, o Norte do país – onde os huthis estão mais implantados – e a capital Sanaa, mas a progressão em direcção ao Sul dos rebeldes obrigou a coligação a alargar as zonas dos ataques.

A Marinha chinesa conseguiu evacuar nos últimos dois dias mais de 800 pessoas de Áden, entre as quais 225 cidadãos de outros países, maioritariamente do Paquistão, mas também do Reino Unido, Itália e Alemanha. Fragatas chinesas que se encontravam a patrulhar a costa da Somália foram desviadas na quinta-feira para Áden numa missão de salvamento.

O desembarque sem aviso prévio de soldados no porto iemenita causou alguma confusão e alimentou a especulação de que se poderia tratar de forças enviadas pela coligação de países árabes para uma intervenção terrestre – uma opção que continua em cima da mesa, esclareceu o embaixador saudita em Washington, Adel al-Jubeir. Tratava-se afinal de uma operação de salvamento, a primeira do género levada a cabo por Pequim, segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês. Numa operação semelhante, a Marinha turca reencaminhou 55 cidadãos turcos, informou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mevlut Cavusoglu.

Ajuda do céu
A queda de Áden seria um grande revés para a coligação internacional que combate os huthis e os seus aliados – sectores do exército leais ao Presidente deposto em 2011 Ali Abdullah Saleh, que tem ainda pretensões em colocar o seu filho no poder. Foi para esta cidade que Hadi fugiu, depois da tomada de Sanaa em Janeiro pelos huthis, e é onde o Presidente ainda colhe apoio popular. Por outro lado, Áden fica a poucos quilómetros do estreito de Bab-el-Mandab, por onde passam diariamente quatro milhões de barris de petróleo (cerca de 7% do total mundial transportado desta forma).

Para além dos bombardeamentos da coligação liderada por Riad, a travar os huthis está também a resistência popular nas ruas de Áden pró-Hadi. Para superar a pouca organização festes “comités populares”, como têm sido apelidados, vários aviões lançaram nesta sexta-feira armamento e material médico sobre Tawachi, um bairro totalmente controlado pelos apoiantes do Presidente – um claro sinal de que, para já, a defesa do terreno será deixada a estas milícias. A Reuters descrevia o lançamento de pára-quedas com caixotes de madeira carregados com armas ligeiras, equipamento de telecomunicação e granadas, que depois eram levados para carrinhas.

O fenómeno de grupos paramilitares deste género não é algo de novo no Iémen. Nos últimos anos, vários comités populares juntaram-se ao Exército em operações de combate contra a Al-Qaeda na Península Arábica (AQAP, na sigla inglesa) – o ramo mais activo actualmente da Al-Qaeda. Agora, estes grupos, que alegadamente contam com o apoio financeiro da Arábia Saudita, fazem a defesa de Áden, o último reduto do Presidente Hadi.

O fornecimento de armas a estes grupos é um facto novo e pode complicar ainda mais o já complexo cenário de guerra no Iémen – palco de várias tensões e pequenos conflitos laterais. Farea al-Muslim, especialista do Carnegie Endowment for International Peace, alertava para o cariz instável das lealdades destes grupos, que possuem agendas próprias e que não vão hesitar em virar costas ao Governo, caso vejam os seus objectivos frustrados. “Os comités apoiados pelo Estado tomaram algumas jurisdições da polícia e do exército oficiais, pondo em causa a sua autoridade. As lealdades dos comités são também incertas e podem rapidamente tornar-se em inimigos do exército e uma fonte de caos armado”, escreveu Al-Muslim.

A lucrar com o caos no Iémen parece estar a Al-Qaeda, cujo ramo local conseguiu o controlo parcial de uma capital provincial na sexta-feira. Entre 200 a 300 jihadistas da AQPA entraram no centro de Moukalla, principal cidade da província de Hadramount, no Sudeste, e instalaram checkpoints onde se podia ver as bandeiras do grupo, segundo relatos de habitantes à AFP. A tomada de Moukalla deu-se apenas um dia depois de uma operação da Al-Qaeda que libertou cerca de 300 presos de uma prisão na região.

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