Vitória do nacionalista hindu Narenda Modi provoca terramoto político na Índia

Os outros partidos como que desapareceram. O Congresso, que dominou a política indiana desde a independência, que tinha 226 deputados, não deverá passar dos 54.

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A Índia rendeu-se ao nacionalista hindu Narenda Modi Reuters

A vitória era esperada, mas a sua dimensão surpreendeu até os analistas mais experientes. O nacionalista hindu Narenda Modi, líder do Partido Bharatiya Janata (BJP), conseguiu a maioria absoluta nas eleições e será um dos mais poderosos primeiros-ministros da Índia.

Duas horas depois do início da contagem dos votos, já era evidente que o BJP (que significa Partido do Povo da Índia) conseguiria, sozinho, chegar aos 272 deputados da Lok Sabha (a câmara baixa do Parlamento, tem um total de 543 lugares) necessários para a formação de Governo — havia a possibilidade de se aproximar, ou chegar, aos 300. “A Índia ganhou e esperam-nos magníficos dias”, apareceu escrito na conta de Twitter de Modi.

A vitória de Modi foi imensa e causou um terramoto político na Índia. Os outros partidos, se não desapareceram, é como se tivessem desaparecido — o Partido do Congresso, que dominou a política indiana desde a independência, em 1947, e que tinha 226 deputados, não deverá passar dos 54.

De tal forma o BJP dominou que The Hindustan Times e The Economist perguntavam “quem vai ser a oposição?” ”O extermínio do Congresso é total”, escreveu o jornal indiano. “Esta vitória é tão forte que pode acontecer que nenhuma formação consiga lugares suficientes para, automaticamente, ser ‘a’ oposição, uma vez que para a liderar no Parlamento um partido precisa de pelo menos 10% dos votos e o Congresso pode não chegar a esse número”, explicava a revista.

Essa ausência de contraditório que se adivinha na política indiana — a curto prazo o BJP poderá dominar, também, a câmara alta, onde os membros são escolhidos pelas regiões e rodam de dois em dois anos — deu uma nota cínica ao discurso de vitória de Modi, fosse ou não essa a intenção: “Em política e em democracia, não há inimigos, só adversários. É essa a beleza da democracia. A força da democracia reside em não deixar ninguém de fora. Apesar de ter um mandato claro, queremos manter todos unidos”, disse em Vadodara, a cidade do estado de Gujarat pela qual é eleito. 

No campo do adversário, na sede do Congresso, em Nova Deli, a presidente do partido, Sonia Gandhi, reconheceu a derrota e assumiu a responsabilidade por ela, em seu nome e no do filho, Rahul, o vice-presidente do partido e candidato oficioso à chefia do Governo. “Dou-lhes os parabéns... desejo que tudo lhes corra bem”, disse Sonia. “O Congresso teve um mau resultado. Temos muito em que pensar”, disse Rahul que, como a mãe, não respondeu às perguntas dos jornalistas, mas com ela passou pela humilhação de ouvir um grupo de apoiantes gritar. “Tragam Priyanka, salvem o Congresso”. Priyanka é a filha mais nova de Sonia, e muitos consideram que tem a cultura política (e o carisma e a empatia) que faltam a Rahul, como provou esta campanha eleitoral.

Com o domínio absoluto — só quando Rajiv Gandhi venceu as eleições para o Congresso a seguir ao assassínio da mãe, Indira, em 1984, um partido obteve uma vitória comparável —, Modi não terá dificuldade em formar um governo. 

“[Estas eleições] marcam o começo de uma nova era na política indiana”, disse à Bloomberg o académico B.G. Verghese, ex-conselheiro de Indira Gandhi. “É uma enorme mudança para o nosso país, uma mudança da guarda. As mil milhões de pessoas que votaram não escolheram a incerteza. Votaram num governo progressista e estável”, disse à Reuters Surinder Singh Tiwana, um advogado de 40 anos. 

Sociedade em transição
Foi com a ideia de mudança que Narenda Modi cativou os indianos e levou mais de 550 milhões às urnas, quase 100 milhões deles eleitores pela primeira vez. 

De concreto, Modi pouco disse sobre como pretende governar a Índia. Esta personagem da política regional — governa o estado de Gujarat há 13 anos — apresentou-se como uma figura de ruptura perante uma dinastia (os Gandhi) que se eternizava no poder e face a uma gestão corrupta que, apesar dos resultados positivos da economia, tomava decisões que a desaceleraram, pondo em causa a criação de novos empregos num país onde, anualmente, chegam ao mercado de trabalho dez milhões de pessoas. 

As mensagens passaram, explicam os analistas nas primeiras tentativas de ler esta vitória que parece ter fulminado tudo à volta.

Modi surgiu numa Índia em transição. As classes mais baixas prosperaram na última década de governo do Congresso e aspiraram a ter ainda mais — mais educação, mais cuidados de saúde, mais dinheiro, mais mobilidade social. “O paradoxo do Congresso é que perdeu os votos dos que prosperaram na década em que esteve no poder”, dizia o New York Times. O próprio Modi, que tem 63 anos, apresentou-se ao eleitorado como a realização de um sonho — a prova de que um vendedor de chá nascido numa casta baixa pode chegar a primeiro-ministro, por mérito e trabalho; o oposto de Rahul Gandhi, um “herdeiro”.

Prosperidade para todos, apregoou Modi, que levou para o seu campo uma importante fatia do eleitorado jovem — a sua mensagem foi verdadeiramente nacional, outra novidade destas eleições —, descontente e receosa. “Estas pessoas nasceram depois do assassínio de Indira. Para muitos, os confrontos de 2002 [em Gujarat, o estado de Modi, em que morreram mais de mil muçulmanos] são uma imagem vaga que pertence ao passado. O que esta geração tem na memória são cinco anos de quase não-governação, e o desaparecimento maciço dos empregos de colarinho branco”, disse o director do Indian Express, Shekhar Gupta, chamando a esta a geração dos “indianos pós-ideologia”. “Quando nos habituamos a um crescimento económico de 7,5%, 4,5% assemelha-se à recessão”. 

O Hindustan Times falava nos três factores que explicam a vitória de Modi: a popularidade do candidato, a desagregação do Congresso e os últimos anos de governo, que foram de gestão e não de acção.

Sobre o que significa este terramoto político, poucos arriscavam — paradigmático da incerteza era o texto "The knowns unknows of Narenda Modi” (as incertezas que conhecemos em Narenda Modi) no Hindustan Times (um jornal claramente anti-Modi) que tinha mais perguntas do que explicações. Tudo se resume a duas perguntas: irá o novo primeiro-ministro cumprir a promessa? Como se reflectirá esse nacionalismo (expresso sobretudo no sentimento anti-muçulmano) na nova política da Índia? 

Modi prometeu aplicar a todo o país a sua receita de sucesso em Gujarat, onde o investimento estrangeiro é forte e permanente, onde as obras públicas são uma constante e onde os impostos são baixos — ao contrário da tendência dos últimos cinco anos na maior parte da Índia.

Durante toda a campanha eleitoral, o futuro primeiro-ministro ignorou a sua ligação ao Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS, Organização Voluntária Nacional), um grupo radical ultra-hinduista, em 1948, assassinou o Mahatma Gandhi devido às suas ideias de integração dos muçulmanos.

Na quinta-feira, um destacado ideólogo da organização, M.G. Vaidya, dizia que espera que o Governo Modi tenha três preocupações: construir um templo hindu em Ayodhya (um lugar sagrado também para os muçulmanos e cenário de confrontos violentos e de morte), revogar o artigo 370 da Constituição (que dá autonomia de governo a Jammu e Caxemira (estados da Índia administrados, respectivamente, pela China e pelo Paquistão) e anular o Uniform Civil Code (eliminando as excepções na aplicação dos códigos religiosos, nomeadamente dos 15% da população muçulmana). 

Após a divulgação dos resultados, um dirigente do BJP alertava Modi para que esta vitória não foi apenas dele, foi do partido e do que ele representa. O que fará Modi, que um diplomata americano classificou como “uma pessoa em quem não se pode confiar” e que “governa através do medo e da intimidação” (informações dadas pela Wikileaks)? Os indianos, que votaram mais nele do que no BJP, acreditam que fará da Índia uma grande potência económica. 

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