"Houve uma mudança de chip na mentalidade dos catalães, após décadas a tentar pactos com Espanha"

Francesc Homs Conselheiro da presidência no governo da Catalunha esteve em Lisboa para participar num debate sobre o processo político com vista à independência.

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Francesc Homs (CiU, direita nacionalista) liderou a negociação do Estatuto da Catalunha, em 2006. A lei que reforçava a autonomia da Catalunha foi levada pelo Partido Popular, hoje no poder em Espanha, ao Tribunal Constitucional, que a enfraqueceu muito. A decisão do partido de Mariano Rajoy indignou muitos catalães e contribuiu para o momento actual: várias sondagens colocam em maioria os que defendem a independência e o parlamento catalão aprovou a realização de um referendo para 9 de Novembro. O Governo espanhol responde com a Constituição, onde se assegura a unidade de Espanha, e recusa negociar.

Porquê esta visita, neste momento, e esta conferência em Lisboa sobre o processo político catalão?

O sentido desta visita é explicar o que é que está a passar-se na Catalunha, contar que queremos votar para decidir o nosso futuro político. Dizer que nos sentimos livres e seguros e que apostamos na democracia. É isso que viemos aqui fazer e que queremos fazer noutras cidades importantes da Europa.

Para além da conferência teve contactos políticos?

Tentei manter contactos informais. Sou porta-voz do governo, é normal que tenha contactos políticos e com os media, mas são mais da minha agenda privada.

Mas houve disponibilidade política para o ouvir em Lisboa?

O objectivo que temos neste momento não é procurar disponibilidades, é simplesmente dar conta dos nossos argumentos. Como estamos muito conscientes do mau-humor do Governo espanhol, somos muito prudentes no momento de comprometer terceiros.

A atitude do Governo espanhol ainda vai mudar?

Penso que é a típica reacção de quem tem dificuldades em assumir uma realidade, mas esta realidade existe, não vai mudar, e expressa-se democraticamente. Por isso, o Governo e as instituições do Estado espanhol não terão remédio, têm de ser fiéis à democracia que dizem defender. Na Catalunha, vamos votar. E a posição do Governo espanhol terá de mudar, não é justificável.

Vai mudar a tempo de ser possível realizar um referendo a 9 de Novembro, como pretende o governo regional e a maioria do parlamento catalão?

Não sei se antes de 9 de Novembro. O nosso prognóstico é que Espanha não pode dizer constantemente que não a uma Catalunha que só quer solucionar o que tem entre mãos de forma democrática. Para já, continuam a repetir que o que se passa na Catalunha é uma situação transitória, que nos vai passar. Se isto passasse aos catalães não haveria tema, nem debate nem discussão. Mas isto não vai passar.

De certeza? Sempre houve independentismo, mas a actual maioria social pró-independência é fruto de um contexto.

Isso é menosprezar o que há de profundo neste movimento. Os livros de história explicam-no. Todas as formações políticas e a imensa maioria do povo da Catalunha acreditavam que num contexto democrático a personalidade da Catalunha, a língua, o modelo económico, seria mais respeitada. Mas chegámos à conclusão que não. Estamos em democracia e questionam o nosso direito ao uso da língua, questionam competências muito básicas, submetem-nos a um financiamento impensável. Temos os impostos mais altos de Espanha, os juros mais altos. Se nem nos deixam preservar a nossa língua, a nossa cultura, nem tomar decisões quotidianas que têm a ver com o nosso modelo produtivo…

Estamos a falar de quê, de gestão de infra-estruturas?

Estamos a falar de tudo, desde a decisão sobre os horários comerciais, a questões como saber onde se pode construir ou não, gestão de estradas, de comboios, de aeroportos.

O que é que teria sido diferente nos últimos anos se o Estatuto da Catalunha tivesse continuado em vigor?

Estaríamos a aplicar um nível de auto-governo completamente diferente.

Onde é que isso se notaria mais?        

Quando estamos numa situação de crise económica como temos estado, para além de cortar gastos, o que se tem de fazer é ser mais eficiente. Se tivéssemos podido aplicar o Estatuto teríamos mais instrumentos para optimizar os recursos públicos. O Estatuto dava-nos capacidade para incidir nas autorizações de trabalho para os imigrantes, por exemplo, na indústria, no comércio, podíamos reagir à realidade. Claro que a crise económica tem o seu protagonismo neste debate, deu visibilidade a algumas das contradições, mas o problema é de base, Espanha não aceita a sua própria plurinacionalidade, não aceita a Catalunha como ela é.

Mas se o primeiro-ministro Rajoy tivesse estado disponível para debater o pacto fiscal que o governo da Catalunha lhe apresentou em 2012, e que dava soberania fiscal à região, não estaríamos aqui.

Teria sido diferente, sim, mas está feito. Eu penso que na política espanhola há demasiada arrogância, e a arrogância é má companhia. A escolha que fez o PP, e também os socialistas, esta escolha de se opor à democracia é muito má. Veja-se o Governo britânico, faz o que pôde contra a independência da Escócia, é muito activo, está em campanha… Em Espanha, também se faz campanha, mas lá vai-se votar e aqui continuam a dizer-nos que não o podemos fazer. Na verdade, creio o Governo de Espanha está a contribuir para criar muitos independentistas na Catalunha.

Pela campanha que tem feito ou por recusar a consulta?

Por causa da forma como menospreza tudo o que se diz na Catalunha, como perturba a vida quotidiana com decisões incompreensíveis.

Há ainda quem pense que todo este processo é uma estratégia para conseguir de Madrid uma solução a meio caminho, um novo pacto fiscal, um estatuto diferente.

Se alguém pensa que isto é uma estratégia para conseguir algo é porque realmente não entende o que está a acontecer. Houve uma mudança de chip na mentalidade dos catalães, depois de décadas a tentar fazer pactos com Espanha chegamos à conclusão que não há maneira. É uma conclusão difícil, contradiz tudo o que tentámos fazer, mas depois de se chegar aqui não há recuo. Há pessoas muito moderadas e sensatas que dizem que só se pode defender a Catalunha a partir de um Estado próprio. Isso não era assim. Estas pessoas chegaram a esta conclusão de uma forma muito serena, muito ponderada, tranquila. Já tentámos muitas vezes, acreditámos no pacto, temos a consciência tranquila. Agora, é muito difícil que nos convençam do outro lado que ainda podem mudar.

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