As eleições no Outono são um problema para o orçamento? Parece que não

A tese de que as legislativas devem ser antecipadas por causa da elaboração do OE2016 é muito discutível, consideram as personalidades contactadas pelo PÚBLICO. Mas pode-se sempre mudar a lei…

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O PS foi o partido que mais gastou nas eleições legislativas de 2011. Arquivo

Desde 1979 que a lei estipula que as eleições legislativas se devem realizar entre meados de Setembro e a primeira quinzena de Outubro. Portanto, em cima da entrega do Orçamento do Estado (OE) para o ano seguinte, que legalmente tem como prazo limite o dia 15 de Outubro.

Constitui, então, um problema que as legislativas do próximo ano cumpram o calendário legal do fim do Verão? Ou é preciso antecipá-las cerca de três meses?

Do lado da oposição clama-se por eleições antecipadas há quase tanto tempo quanto a duração do actual Governo. Há um ano, o Presidente da República acenou com essa possibilidade ao PS como moeda de troca por um compromisso de salvação nacional – António José Seguro recusou e mais mês menos mês, continuou a falar em eleições antecipadas. Assim como PCP, BE e Verdes, que também apresentaram moções de censura no Parlamento e se colocaram em bicos de pés com os resultados das europeias.

Agora, surgiu o argumento da preparação do Orçamento do Estado. Será então mesmo necessário antecipar as eleições para que seja o Governo que o vai executar seja, com certeza, aquele que o desenhou?

“Preciso, stricto sensu, não é”, considera o politólogo António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais. “No entanto, tendo em vista as mudanças que entretanto existiram na exigência e na preparação dos orçamentos no quadro da União Europeia, este era um tema em que se impunha um compromisso entre os partidos para adoptar uma regra de que as legislativas deviam ser numa data que permitisse fazer o OE.” O prazo ideal para uma pequena mudança da lei eleitoral seria o final deste ano. Se tal não acontecer, “o Presidente da República decidirá”.

Ao Governo, porém, interessa prolongar o mais possível a legislatura. No Outono de 2015, já se perceberão no terreno os investimentos com os fundos do novo quadro comunitário de apoio, cujas verbas devem começar a ser distribuídas no final deste ano. E no calendário vai ficando cada vez mais longe o tempo da troika e do BES – se entretanto não surgir outro caso do género ou o Tribunal Constitucional não continuar a levantar problemas ao executivo.

Ainda que se pudesse dar a justificação da estabilidade politico-orçamental e os timings europeus, “dificilmente o Presidente decidirá contra o PSD”, prevê Costa Pinto, que lembra também que eleições antecipadas são sempre um factor negativo para a imagem do país junto dos mercados e dos credores internacionais.

Orçamentos mais fáceis, precisam-se
Argumento “absolutamente falacioso” é também a resposta do fiscalista Tiago Caiado Guerreiro. Realça que os portugueses trabalham bem sob pressão e que o risco de interferir no calendário do orçamento em contra-relógio é muito pequeno.

“As dificuldades que se levantam ao OE são mais de inconstitucionalidade ou de controlo da despesa. Os riscos vêm mais do TC ou das birras do CDS-PP do que do calendário eleitoral”, aponta o também docente do ISEG e Universidade do Porto. E sobre a necessidade de apresentar as contas anuais atempadamente em Bruxelas, desvaloriza. “Os constrangimentos a que estamos sujeitos já estão em documentos de compromisso a longo prazo. O que lhes interessa [na UE] são as questões macro. E isso é fácil fazer.”

Manuel Villaverde Cabral defende que o que é preciso é “tornar os orçamentos mais fáceis de fazer – por exemplo, deixando de os submeter a pessoas que não são competentes para os analisar”, como é o caso do Tribunal Constitucional. O sociólogo considera a antecipação do acto eleitoral uma “ideia extemporânea” e “puro oportunismo”. E lembra que o problema “já se pôs tantas vezes quantas se fizeram eleições nessa altura” e sempre se resolveu.

Os partidos da maioria têm defendido que a legislatura deve ser para cumprir dentro dos prazos previstos e rejeitam eleições antecipadas a qualquer custo, como a oposição vem pedindo sucessivamente.

Ora, o prazo da legislatura previsto na Constituição é de quatro sessões legislativas, mas é comum entender-se que deveria corresponder a quatro anos. Que se esgotam, no caso do actual Governo, no final de Junho de 2015. Se as eleições forem apenas em Setembro ou Outubro, como prevê a lei, durará quatro anos e quatro meses. Ainda assim, será uma legislatura dois meses mais curta do que a primeira de José Sócrates, que beneficiou de eleições em Fevereiro de 2005 e só voltou às urnas no final de Setembro de 2009. Será, por isso, um argumento pouco válido na boca dos socialistas.

O politólogo André Freire critica o facto de as legislaturas se estenderem mais do que quatro anos. “Deve cumprir-se o calendário. São quatro anos e não cinco como em França”, afirma, acrescentando que a lei deveria ser “mais flexível” e prever, não uma data fixa no ano, mas uma duração regular do mandato.

Mudar para antes do Verão
Para contornar a questão das quatro sessões legislativas (que vão de 15 de Setembro a 14 de Setembro), Pedro Passos Coelho usou o mesmo expediente de Sócrates em 2005: a primeira teve dois verões. “É uma aberração e uma subversão constitucional”, aponta André Freire. “Do ponto de vista dos princípios, é desejável que um Governo que entra possa elaborar o seu OE e não ter que laborar com o orçamento alheio”, diz o professor do ISCTE-IUL. Por isso afirma que deveria haver um ajustamento da lei eleitoral que apontasse para legislativas “antes do Verão”.

A resposta para o problema que se tem colocado na picardia política estaria, portanto, numa simples e pequena alteração da lei eleitoral - que vem já do tempo de Carlos Mota Pinto como primeiro-ministro e referendada pelo general Ramalho Eanes - para mudar o período da data das eleições, passando-as para o início do Verão. Mas parece que até mesmo quem andou a pedir eleições antecipadas não quer usar tal expediente. Questionado pelo PÚBLICO, o vice-presidente da bancada parlamentar do PS, José Junqueiro, disse que o partido ainda “não equacionou essa possibilidade” e nem reprogramou as suas iniciativas para a próxima sessão legislativa”.

“Em princípio, o PS é a favor dessa antecipação. Muito embora não seja líquido até que ponto isso lhe interessa agora, tendo em conta a luta interna”, avisa, no entanto, António Costa Pinto. A resposta virá depois de 28 de Setembro. Porque o partido vai precisar de tempo para recuperar uma imagem de unidade, para perceber como arrumará vencedores e vencidos, e “organizar a estratégia eleitoral e os desafios à esquerda”, enumera. “Será irónico que seja o PS a precisar, afinal, que as eleições não sejam antecipadas.”

Quatro casos em 25 anos
País viveu o primeiro trimestre em duodécimos

Um olhar que cruza as datas das legislativas desde o final dos anos 80 do século passado e as aprovações do OE mostra que em todas as ocasiões em que as eleições se realizaram dentro do período legal, o OE só foi aprovado no Parlamento em Fevereiro ou Março do ano seguinte e entrou em vigor no máximo em Abril. O que obriga o país a viver em duodécimos – facto que também pode ter vantagens porque evita, de certa forma, gastos excessivos.

Foi assim com Cavaco Silva em relação ao orçamento de 1992; com Guterres nas contas para 1996 e para o primeiro ano completo do seu segundo mandato, em 2000. Voltou a repetir-se com o orçamento de 2010, no arranque do segundo mandato de José Sócrates. Os exemplos dos dois socialistas mostram que, apesar de estarem no Governo, não deixaram os orçamentos preparados.

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