Com tanta “incerteza política”, o BCE vê novos riscos de instabilidade

Caminho incerto da política económica nos Estados Unidos aumenta riscos, avisa o banco liderado por Draghi.

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O conselho de governadores do BCE, liderado por Draghi, volta a reunir-se a 8 de Dezembro AFP/FREDERICK FLORIN

Depois do “Brexit” no Reino Unido e da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a Europa já se prepara para um eventual terceiro “choque” para o pós-referendo constitucional em Itália e, com a imprevisibilidade que paira sobre a economia global, o Banco Central Europeu (BCE) admite que a zona euro está mais exposta a riscos de instabilidade.

Os alertas do BCE, recheados de significado político, surgem no relatório de estabilidade financeira conhecido nesta quinta-feira, documento onde a instituição liderada por Mario Draghi antecipa o que espera para os próximos dois anos em relação aos riscos sistémicos para o sistema financeiro.

O banco central diz abertamente que a “incerteza política” e as mudanças de política económica nos Estados Unidos aumentam os riscos de correcção globais dos preços dos activos financeiros, tanto mais que a volatilidade aumentou nos últimos meses.

Embora “o sistema financeiro da zona euro tenha demonstrado resiliência e stress sistémico manteve-se relativamente baixo” e “as condições de stress nos mercados de títulos da dívida soberana continuam a ser relativamente benignas”, o tom do documento é de alerta. “As implicações para a estabilidade financeira da zona euro das mudanças das políticas económicas nos Estados Unidos são muito incertas neste momento”, insiste o BCE, consumada a eleição de Trump e num momento crucial da política monetária dos Estados Unidos, onde a Reserva Federal se prepara para aplicar agora uma política menos expansionista.

Para o BCE, “as vulnerabilidades continuam a ser significativas para os bancos da zona euro, devido a favores estruturais”. No relatório, a instituição nota que há heterogeneidade entre os vários países da zona euro quanto às condições de financiamento no mercado de dívida pública, mas sublinha que os problemas particulares de cada um e os factores de risco não têm levado a uma maior situação de stress em termos agregados na zona euro – nem mesmo as vulnerabilidades identificadas na banca em Portugal (onde se aguarda a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos) e Itália (onde os bancos Montepaschi e Unicredit planeiam aumentar os rácios de capital).

No entanto, a volatilidade pode afectar a estabilidade financeira. Por detrás está, insiste, não só a “elevada incerteza política nas economias desenvolvidas” como as “fragilidades nos países emergentes”. Este é um dos “riscos sistémicos” que o BCE considera existir para a estabilidade financeira nos próximos dois anos. E sublinha ainda os desafios que “alguns países” enfrentam para resolver “os elevados níveis de crédito malparado” – um problema que no caso português levou o Governo a admitir criar um veículo para reduzir os níveis de crédito vencido dos bancos.

A reunião de Dezembro

Apesar dos alertas, o vice-presidente do BCE, Vítor Constâncio, fez questão de sublinhar nesta quinta-feira que o sistema financeiro da zona euro se tem mostrado resiliente à volatilidade dos últimos meses.

O relatório do BCE é conhecido a pouco mais de uma semana do referendo constitucional na Itália, a 4 de Dezembro, onde está também em jogo a continuidade, ou não, do primeiro-ministro Matteo Renzi. O risco de se assistir na terceira economia da zona euro a um novo foco de tensão política no pós-referendo deixa analistas e investidores atentos.

A próxima reunião do conselho de governadores do BCE está agendada para 8 de Dezembro, precisamente alguns dias depois o referendo em Itália. E se o contexto é de incerteza, os mercados aguardam para saber se o BCE prolonga (e, se sim, como) as políticas expansionistas que apoiem a recuperação da economia europeia.

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