Site francês publica extractos de escutas que incriminam Sarkozy

O ex-Presidente francês e o seu advogado foram apanhados a conversar sobre um magistrado que usaram para obter informação e possivelmente influenciar um tribunal que iria decidir sobre o destino das agendas apreendidas a Sarkozy.

Foto
Foi posto sob escuta o telemóvel de Sarkozy e um número sob o nome falso de “Paul Bismuth” Francois Lenoir/REUTERS

A imagem pública do ex-Presidente francês Nicolas Sarkozy afundou-se mais, depois do site Mediapart ter divulgado extractos do conteúdo de sete escutas judiciárias a conversas telefónicas entre Sarkozy e o seu advogado. As conversas parecem revelar a intenção de interferir na decisão do Supremo Tribunal sobre a apreensão das agendas do ex-Presidente, durante uma busca feita pela polícia.

Na reprodução feita pelo <i>site Mediapart</i> (é preciso pagar para aceder à notícia), o advogado Thierry Herzog, que trabalha com Sarkozy desde 2006, é apanhado a falar “dos bastardos de Bordéus”, referindo-se aos juízes que decidiram investigar Sarkozy no quadro do processo de “abuso de fraqueza” da milionária Liliana Bettencourt. A acusação contra o ex-Presidente neste caso foi considerada improcedente, mas as agendas apreendidas no decorrer da investigação não lhe foram devolvidas.

Era esperado que o Supremo Tribunal se pronunciasse, a 11 de Março, sobre um recurso apresentado por Herzog, em nome de Sarkozy, para que lhe fossem devolvidas – embora estas tivessem interesse para a investigação de outros casos em que o ex-Presidente está a ser investigado.

Por exemplo, o controverso processo de arbitragem que beneficiou em 2008 o empresário Bernard Tapie no seu litígio com o banco Crédit Lyonnais sobre a venda da Adidas, no qual já foi ouvida a actual directora do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, que na altura era a ministra das Finanças de Sarkozy. Ou então no inquérito aberto pela Justiça francesa sobre as suspeitas de financiamento ilegal da campanha para a presidência em 2007 por fundos provenientes do ex-líder líbio Muammar Khadafi, que se baseou num documento publicado pelo site Mediapart – a seguir processado por Sarkozy.

Foi o jornal Le Monde que revelou, no início de Março, que os telefones de Sarkozy tinham sido postos sob escuta em Setembro por causa da investigação do financiamento líbio. Não só o telemóvel do ex-Presidente foi posto sob escuta como uma segunda linha telefónica, sob a falsa identidade de “Paul Bismuth”, foi escutada entre 28 de Janeiro e 11 de Fevereiro. Nessas conversas, revelaram-se indícios de que o advogado Thierry Herzog e o ex-Presidente estariam em conluio com um juiz do Supremo Tribunal para tentar apurar o que este órgão iria decidir sobre as agendas de Sarkozy – e talvez mesmo tentar influenciar alguns dos decisores.  

As conversas entre os dois mencionam o magistrado Gilbert Azibert, um juiz em fim de carreira, que a 29 de Janeiro Herzog se congratula de ter “trabalhado no duro”, mostrando-se optimista quanto à decisão deste órgão sobre o destino das agendas – “a não ser que o direito acabe por ganhar”, revela o Mediapart. “Uma admissão espantosa”, escrevem os autores do artigo em que são revelados os extractos das conversas entre Sarkozy e o seu advogado.

"Com o que tu fazes..."
Uma escuta de 30 de Janeiro deixa transparecer que “Gilbert” teve acesso à opinião confidencial do relator do Supremo Tribunal, que apontava para a anulação da apreensão das agendas. E a 1 de Fevereiro, Sarkozy ligou ao seu advogado, pedindo-lhe para ligar para o seu número oficial, “para dar a impressão de que estamos a ter uma conversa”. E a 5 de Fevereiro, diz ainda o site Mediapart, o ex-Presidente diz-se disposto a ajudar Gilbert Azibert a obter um posto que ele desejará no Mónaco. Thierry Herzog diz-lhe que já tranquilizou o magistrado a respeito da recompensa: “Estás a brincar, com o que tu fazes…”

A decisão final do Supremo Tribunal, no entanto, não agradou a Sarkozy: os juízes recusaram pronunciar-se sobre o recurso do ex-Presidente, ou sequer dizer se as agendas podem ser usadas pela justiça noutros casos, ou se devem ser consideradas como inacessíveis e invioláveis, ao abrigo do artigo 67 da Constituição, que diz que o Presidente “não é responsável pelos actos cumpridos nessa qualidade.” Além disso, a intercepção destas conversas cruzadas com o seu advogado deu origem à abertura de um novo inquérito judicial por “violação do segredo de instrução e tráfico de influências”, a 26 de Fevereiro.

A divulgação do conteúdo das escutas provocou fortes reacções à esquerda, enquanto a direita defende ter havido uma violação do segredo de instrução.

“A leitura dos documentos publicados pelo site Mediapart é estupidificante, alucinante e sobretudo entristecedora. Compreende-se melhor por que é que os amigos de Nicolas Sarkozy e a UMP [o seu partido, de centro-direita] se esforçaram tanto para criar diversões, criar cortinas de fumo nos últimos dias. Era absolutamente necessário mascarar a gravidade dos factos”, comentou Harlem Désir, primeiro-secretário do Partido Socialista. “Um antigo Presidente da República e o seu advogado surgem aqui decididos a fazer obstrução à justiça.”

O líder da UMP, Jean-François Copé, apelou a que seja exercida “contenção”, lamentando a atmosfera “apaixonada” e os “fragmentos de revelações” sobre as escutas feitas a Sarkozy surgidos em plena campanha para as eleições municipais, que terão a primeira volta já neste domingo. “Não quero reagir de maneira nenhuma, porque não é desta forma que penso que um grande país deva exercer a justiça", declarou. 

Sugerir correcção
Comentar