“Não se pode ser preso por ter cão e preso por não ter cão”, defende-se João Rendeiro

Rendeiro negou ter promovido a integração do BPP no BCP, o que é refutado por uma entrevista dada por Jardim Gonçalves.

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Rendeiro voltou hoje ao Campus da Justiça, em Lisboa Daniel Rocha

“Já agora faço uma pergunta que acho que, se me permite, a senhora doutora me devia fazer…” Foi assim que o ex-banqueiro João Rendeiro se dirigiu à acusação, na segunda sessão do tribunal onde está a ser julgado por burla qualificada em co-autoria com os outros dois ex-executivos do BPP, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital.

 Interrogado, durante a manhã desta terça-feira, sobre se o aumento de capital de 100 milhões da Privado Financeiras (PF), destinado a reforçar a posição detida no BCP até 5% do capital, teve por finalidade reduzir o endividamento do veículo e se os clientes/investidores foram devidamente informados, Rendeiro optou por lançar uma sugestão a Fátima Godinho, que representa uma vintena de ex-clientes do BPP: o que lhe deveria ser perguntado [ao próprio] era se ele, João Rendeiro, deveria ter dito, ou não, que a Privado Holding (dona do BPP) garantiria a operação. E logo a seguir, sempre no mesmo tom calmo, deu uma resposta: que não, não o tinha feito, por não querer inibir a tomada de decisões.   

No centro do diferendo está o aumento de capital da Privado Financeiras, o veículo criado em 2007 pelo BPP e que investiu no BCP, provocando prejuízos que o Ministério Público contabiliza em pelo menos cerca de “41 milhões de euros”, que terão afectado cerca de uma centena de pessoas.

Para a defesa do ex-banqueiro, não houve intenção de enriquecimento ou de privilegiar terceiros, logo, não houve ilícito.

No início de 2008, a PF fez um aumento de capital da ordem de 100 milhões de euros (verba aplicada no BCP), subscrito pelos accionistas/clientes. Os queixosos alegam que a sua decisão de subscrever as acções da PF teve por base informação insuficiente e errada, nomeadamente porque a situação deficitária do veículo não foi comunicada.

Os clientes/investidores consideram ainda que o investimento da PF no BCP tinha por fim permitir a Rendeiro influenciar a guerra de poder que se travou naquele ano entre Jardim Gonçalves e Paulo Teixeira Pinto. “Discordo em absoluto” [dessa análise], observou o ex-banqueiro, para quem o Ministério Público incorre em “erros técnicos claríssimos”, pois a compra das acções do BCP não se destinou a ter “direitos de voto” que lhe permitissem  “ter uma voz activa” na guerra de poder, nem visou “a vaidade pessoal” de poder ocupar um lugar na administração do maior banco privado português.

Ainda que admita que a aquisição de acções do BCP foi um erro, ela foi racional: “Ter 4% do BCP não era um valor mágico, o que era relevante era comprar um número significativo de acções […] e reduzir o preço médio”, o “que constitui o referencial essencial para as mais-valias que os investidores vão receber no final”. 

“Não se pode ser preso por ter cão e preso por não ter cão”, pois ou se procedia a um aumento de capital, decisão tomada a 18 de Janeiro de 2008, ou se mandava liquidar a PF, explicou João Rendeiro em resposta a Fátima Godinho, advogada da Carneiro Pacheco & Associados.

O ex-banqueiro, que se apresenta no tribunal como economista, garantiu que nessa data o veículo tinha liquidez para “pagar a toda a gente”. E apesar do choque que constituiu para os accionistas a nomeação, em Janeiro de 2008, de Carlos Santos Ferreira para liderar o BCP, o investimento “era ainda interessante”.

Nessa fase, Rendeiro anunciou publicamente que ia solicitar ao Banco de Portugal autorização para chegar até 5% do BCP (onde a PF tinha à volta de 2%), o que teria implicado, então, um investimento de 547 milhões. Na altura, para convencer os accionistas da PF, Rendeiro argumentou com o “significativo potencial de valorização” da acção (que depois chegou valer perto de dez cêntimos). Um ano depois, o BPP pediu ajuda ao Estado.

O ex-banqueiro confirmou que antes do Banco de Portugal ser levado a intervir no BPP (Dezembro de 2008) foi chamado ao supervisor, que impôs o reforço do capital da PF de 100 milhões de euros para 200 milhões. Para além de um empréstimo de 200 milhões de euros contraídos junto do JP Morgan, a PF tinha um descoberto no BPP de 50 milhões de euros. Dados que terão sido ocultados dos clientes do BPP (e investidores da PF) que subscreveram o aumento de capital destinado a reforçar até 5% a posição no BCP. Confrontado com a falta de informação prestada aos clientes, alguns dos quais com poucos conhecimentos de produtos complexos, Rendeiro reafirmou que existia “uma amplíssima informação sobre os níveis de endividamento da PF”. 

Entrevista foi arma da acusação

Mais tarde, João Rendeiro, que  minimizou o papel desempenhado por Salvador Fezas Vital no processo, negou peremptoriamente ter promovido a integração do BPP no BCP, o que é refutado por uma entrevista dada por Jardim Gonçalves, ex-CEO do maior banco privado, ao Expresso.

Ao final da tarde, os advogados dos queixosos questionaram Rendeiro se tinha estado alguma vez em cima da mesa a possibilidade de o BCP comprar o BPP, o que este negou de forma taxativa. Depois, foi a vez do próprio advogado de Rendeiro, José Miguel Júdice, inquirir o ex-banqueiro sobre a mesma questão, tendo este voltado a negar qualquer acção nesse sentido.

Já no final da sessão, a advogada dos queixosos pediu para anexar aos autos uma cópia da entrevista dada por Jardim Gonçalves, em 2010, onde este declarou ter sido abordado por diversas vezes por Joao Rendeiro no sentido de integrar o BPP no BCP, fazendo prevalecer os 3% que detinha na instituição. Tanto Rendeiro como Júdice ficaram em silêncio.

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