Banco de Portugal continua à espera de pedido de investimento da Guiné Equatorial no Banif

O investimento da Guiné Equatorial no Banif traduz um esforço de aproximação a Portugal e a necessidade do banco completar o seu programa de capitalização para passar no crivo europeu.

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Jorge Tomé, presidente executivo do Banif Enric Vives-Rubio

O pedido de autorização de investimento no Banif, por parte de um veículo estatal da República da Guiné Equatorial, ainda não deu entrada no Banco de Portugal que terá de se pronunciar sobre a credibilidade e capacidade financeira do potencial comprador para ser accionista do banco liderado por Jorge Tomé.

A intenção consta de um memorando não vinculativo assinado a semana passada entre o país africano e o banco e decorre, por um lado, do esforço de aproximação do país africano a Portugal, que tem travado as aspirações de entrada na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e, por outro, da necessidade que o Banif tem de concluir a sua recapitalização para poder passar no crivo das autoridades europeias.

De acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) a tomada de posição qualificada num banco português requer sempre a avaliação (técnica) prévia do Banco de Portugal. Quando estão em causa pessoas singulares o supervisor “olha” sobretudo para as questões relacionadas com a idoneidade de quem compra, mas se o investidor for uma empresa já privilegia a capacidade financeira para assegurar uma gestão sólida e prudente da instituição que supervisiona. Em regra a origem geográfica não é relevante na análise do Banco de Portugal (BdP), mesmo que, pela sua natureza, possa descredibilizar em termos de imagem o banco adquirido.

Até ao final da manhã de ontem, ainda não tinha dado entrada no BdP nenhum pedido de investimento no Banif, por parte de entidades estatais da Guiné Equatorial onde vigora um regime de cariz ditatorial, liderado há décadas por Teodoro Obiang. O PÚBLICO apurou que a intervenção do país africano a ser aceite, seria concretizada por via de uma empresa estatal dos sectores do gás (Sonagás) ou do petróleo (GEPetrol), com fundos depositados em bancos franceses, o que descansaria o BdP. 

Em cima da mesa está a aquisição de uma posição que poderá ir aos 11% do Banif, implicando a injecção de 133,5 milhões de euros, e que ajudaria a fechar a segunda parte do plano de recapitalização da instituição. Isso faria com que o Estado reduzisse a sua posição para menos de 60% dos direitos de voto.

Um dos pontos fracos da proposta de viabilidade do Banif prende-se, precisamente, com o facto de não ter conseguido, ainda, reunir a totalidade dos fundos previstos injectar por accionistas privados (um total de 450 milhões). E sem garantir a entrada de um novo investidor de referência, e cumprir o programa de recapitalização, dificilmente o Banif passará no crivo da Direcção-Geral da Concorrência da União Europeia, que autoriza (ou não) os planos de reestruturação dos bancos que receberam ajuda do Estado. O Banif recebeu 1,1 mil milhões de euros de fundos públicos.

Já a disponibilidade da Guiné Equatorial para investir no Banif não decorre de uma análise económica e financeira, e aparece como um “negócio politico”. A operação de charme do presidente Teodoro Obiang está ser intermediada por responsáveis da esfera da diplomacia portuguesa, próximos do PSD, que têm promovido a aproximação da Guiné Equatorial a Portugal, o único país da CPLP a “chumbar” a sua adesão como membro efectivo da organização (onde o país africano tem estatuto de observador).

O tema está a merecer reflexão mesmo no sector financeiro. Os que defendem a proposta alegam, entre outras coisas, que, por ter petróleo e gás, a entrada da Guiné Equatorial na CPLP traz, nomeadamente, projecção, e ajuda o Banif a sair do impasse, dado que os bancos portugueses não estão a conseguir atrair capitais.

Outros, alegam que a solução altera a natureza da organização: a língua oficial da Guiné Equatorial é o castelhano e o francês (o memorando de entendimento com o Banif foi escrito em espanhol), trata-se de um país ditatorial, onde vigora a pena de morte, com índices de desenvolvimento baixos e, por isso, pouco respeitado. E, nessa medida, um investimento no Banif pode afectar a imagem da instituição bancária.

A solução também gera atrito na esfera política. Há uns anos o actual Presidente da República, Cavaco Silva, recusou a proposta africana e ontem, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, considerou-a "claramente negativa", para a seguir dizer que Portugal não é “detentor de um direito de veto pelo absoluto”. Uma declaração que surge depois de, em Dezembro, o seu secretário de Estado, Luís Campos Ferreira, se ter mostrado convencido de que a Guiné Equatorial poderia integrar a CPLP, o que foi lido como um sinal de abertura e de apoio ao secretário executivo, Murade Murargy.

Já a eurodeputada Ana Gomes, diplomata de formação, não perdeu tempo e veio dizer que esperava que o BdP e a CMVM cumprissem “o seu papel” e não autorizassem a Guiné Equatorial a entrar no Banif. E avisou que vai pedir a intervenção da Comissão Europeia, não sem deixar criticas ao papel, neste dossiê, do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de José Sócrates, Luís Amado, actualmente presidente não executivo do Banif. Resta saber se a injecção de 133 milhões de euros no Banif basta para garantir o passaporte de entrada da Guiné Equatorial na CPLP. 
 

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