Museu da Judiciária guarda mais de 30 mil objectos

Longe dos itinerários turísticos e desconhecidos da maioria do público, mais de 30 mil objectos recuperados, negativos fotográficos e registos documentais estão guardados no Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais (ISPJCC), na Quinta do Bom Sucesso, em Loures, à espera de serem expostos. Mas estes objectos continuam longe do olhar do público, à espera de que o espólio que constituirá o núcleo central do Museu e Arquivos Históricos da Polícia Judiciária, a funcionar no mesmo local, abra finalmente as portas.

O espólio, que constitui o testemunho histórico da ciência criminal portuguesa desde finais do século XIX até aos nossos dias, contém objectos curiosos, como o negativo da fotografia judiciária do poeta Mário de Sá-Carneiro, uma cadeira supostamente curativa de um burlão e até uma cela subterrânea alegadamente usada pelas FP25 para raptos.

Leonor Sá, conservadora e responsável pela direcção do Museu e Arquivos Históricos da Polícia Judiciária, diz que "há motivação, por parte da Judiciária e do Ministério da Justiça, para que a colecção passe para o museu, mas é natural que existam outras prioridades". E aponta, com a apreensão de quem sente as restrições orçamentais, para daqui a dois, três anos a abertura de um espaço expositivo, reconhecendo que "um museu fechado não serve para nada".

Ainda assim, a pequena equipa de especialistas do museu garante que, nas três salas provisórias da Quinta do Bom Sucesso, onde funciona o instituto, as diferentes colecções estão "recolhidas e salvaguardadas por condições ambientais mínimas e adequadas", sujeitas a uma intervenção diferenciada. Dividido por três núcleos, este conjunto heterogéneo compreende um vasto espólio de peças e registos fotográficos e documentais.

Do núcleo de fotografia à arte falsificada

O centro de documentação guarda milhares de arquivos reunidos pela PJ desde a sua abertura, em 1945, e até documentos do órgão que antes assegurava estes serviços policiais, a Polícia de Investigação Criminal (PIC), que já foram tratados informaticamente e estão à espera de poderem ser consultados. "O problema destes documentos é que a legislação portuguesa é ainda muito rígida e prevê que só possam ser consultados ao fim de 75 anos, ou, então, em caso de morte da pessoa", diz Leonor Sá.

Dividido em duas partes, o núcleo de fotografia dá a conhecer, através de uma pequena secção de material obsoleto, a forma como se fotografavam os presos. As típicas fotografias de perfil eram tiradas em cadeiras movidas à manivela, através de um sistema de rodas dentadas, e que iam perfilando as pessoas conforme a posição necessária. Mas os mais de 20 mil registos fotográficos, guardados em condições atmosférica adequadas, são a principal atracção deste núcleo. Aqui encontramos "O Campeão", "O Espanhol" ou "O Lampião Amorim", alcunhas de criminosos que no seu tempo terão aterrorizado o país. Também estes registos, todos passados para suporte de negativo em vidro, estão a ser tratados informaticamente para que possam ser consultados em computadores disponibilizados pelo futuro museu.

Curiosamente, existe um registo fotográfico de Mário de Sá-Carneiro, tal como de outras figuras famosas cuja identidade não é revelada. "Estes não são criminosos", diz a conservadora do museu. "Apenas pessoas que, por interesse pessoal, visitaram o Posto Antropométrico do Porto e pediram para serem fotografadas".

Noutro núcleo, José Malhoa e Vieira da Silva são alguns dos artistas cujo trabalho foi falsificado e apreendido pela PJ. Há, inclusive, um quadro de Amadeo de Souza-Cardoso que foi apanhado em leilão à beira de ser vendido por 15 mil euros e que estava, por ordem do tribunal, condenado a ser destruído. O trabalho do museu conseguiu salvar esta e outras obras de arte falsificada.

Mas a secção de arte deste núcleo é também composta por arte sacra, "peças menores, mas verdadeiras", recuperadas nas rusgas da PJ. Um Santo António avaliado em 12 mil euros, uma Nossa Senhora avaliada em 12.470 euros e um São José por 7400 euros são algumas das peças que nunca foram devolvidas por se desconhecer a identidade dos proprietários e que, juntamente com outros artefactos religiosos, vivem num armário à espera de um espaço mais cómodo. Nesta secção encontram-se ainda, catalogados e encaixotados, muitos azulejos.

Leonor Sá diz, tendo em conta os registos da polícia, que existe hoje uma grande incidência de furtos de azulejaria, especialmente em igrejas e casas nobres abandonadas. A minúcia dos perpetradores é tal que, "em certos casos, chegam a não deixar migalhas". Pelo seu número significativo, a conservadora, que conhece bem as histórias das peças falsificadas, quase condenadas pelo tribunal a serem destruídas, reconhece que na área das obras de arte este "é, provavelmente, o único museu no mundo que preferia não as ter".

Por outro lado, o museu é constituído por material policial obsoleto e por peças apreendidas ao longo de anos de luta contra o crime. A cela subterrânea, "preparada com papa Nestum e papel higiénico para receber uma vítima, que pertencia alegadamente às FP25", é um testemunho de um período conturbado da nossa história. Já o sistema de identificação criminal desenvolvido por Alphonse Bertillon, que instituiu, no final do século XIX, os ficheiros taxonómicos sobre as diferentes características humanas - forma e cor da íris, tamanho das orelhas, da boca, da cabeça, cor do cabelo, entre outras - mostra a evolução científica num campo onde o máximo de precisão é uma obrigação. São estes os elementos da história e da ciência criminal à espera de um museu, no mínimo, inédito.

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