ONU considera abrir centros para refugiados no Norte de África e Médio Oriente

O processamento dos pedidos de asilo fora do território da UE seria uma resposta ao número crescente dos que querem chegar à Europa em barcos.

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Imigrantes junto ao porto siciliano de Augusta: os fluxos do Norte de África para a Europa não param de aumentar REUTERS/Antonio Parrinello

Pela primeira vez as Nações Unidas estão a considerar abrir, no Norte de África e no Médio Oriente, centros para refugiados que querem chegar à Europa, de forma a diminuir os trágicos naufrágios de barcos que transportam essas pessoas, diz o diário britânico The Guardian. A ideia está longe de ser consensual.

Responsáveis levantaram essa hipótese num momento em que a melhoria do tempo faz com que cada vez mais pessoas arrisquem a viagem de barco – e este ano já cerca de 60 mil pessoas o fizeram, segundo números da agência europeia de protecção de fronteiras, Frontex. O aumento deve-se também à crescente brutalidade e destruição na Síria em guerra.

O director do Alto-Comissariado da ONU para os refugiados para a Europa, Vincent Cochetel, explicou ao Guardian que a agência “não seria totalmente contra um processamento externo se houvesse certas salvaguardas: direito de recurso, processo justo, direito de permanência enquanto decorre o recurso”. A União Europeia, acrescentou Cochetel, não encontrou mecanismos eficazes para impedir as mortes no mar, fixando-se em controlos fronteiriços mais rigorosos e não em vias seguras de passagem.

“Sem meios seguros e legais de chegada à Europa, as pessoas são cada vez mais empurradas para as mãos de contrabandistas e traficantes, e são forçadas a arriscar as suas vidas em barcos que não foram feitos para viajar no mar”, disse pelo seu lado a Amnistia Internacional.

“Isto não pode funcionar”, comentou Judith Sunderland da Human Rights Watch (HRW), em relação aos centros de processamento fora dos países europeus. “Em teoria, a HRW não tem problemas com a criação de canais de acesso a asilo na União Europeia fora deste espaço, mas não se consegue imaginar que haja condições na Líbia, no Egipto, ou em Marrocos.”

As autoridades europeias que lidam com a chegada dos barcos sobrelotados de pessoas desesperadas por fugir dos seus países dizem sentir-se abandonadas por Bruxelas e repetidamente pedem uma “partilha do fardo”.

A Grécia, que já reforçou a fronteira terrestre com a Turquia e está agora a receber muito mais imigrantes por mar, está também a pressionar para a criação destes centros que analisem os pedidos de asilo dos migrantes antes que estes cheguem à Europa. 

Os gabinetes de análise de pedidos poderiam estar por exemplo na Turquia, “para ver quem é elegível ou não antes das pessoas entrarem em barcos e porem em risco as suas vidas a passarem as nossas fronteiras”, disse o ministro grego da Marinha Miltiadis Varvitsiotis. O país tem actualmente a presidência rotativa da União Europeia e segue-se a Itália, que também tem interesse numa política de imigração europeia e já disse que vai exigir acção aos seus parceiros europeus.

“Podemos deixá-los ir”
Com o sistema actual em vigor na União Europeia, quem quer pedir asilo tem de o fazer no país de chegada.

O ministro do Interior de Itália, Angelino Alfano, ameaçou durante a campanha das europeias “simplesmente deixá-los ir [aos requerentes de asilo]” de Itália para outros países. A Itália não pode “tornar-se a prisão dos refugiados que querem ir para o Norte da Europa”.

Muitos chegam a países em que não querem ficar, como Grécia, Itália, ou Malta. Mas mesmo que as autoridades dos países não os impeçam de sair, outros o poderão fazer de modo mais discreto: a revista Der Spiegel contava, num artigo de 2012, que agentes alemães, oficialmente “consultores de documentos”, estavam estacionados em terminais de aeroportos e ferries da Grécia para verificar eventuais imigrantes irregulares, e que cada avião vindo da Grécia para a Alemanha era alvo de especial escrutínio.

Enquanto a UE fez um esforço para harmonizar os critérios para a atribuição de asilo, eles continuam variáveis, e as taxas de aprovação dos países são muito diferentes. Por exemplo, segundo dados do Eurostat de 2012 em relação a decisões de primeira instância relativas a pedidos de asilo, a Alemanha processou 58 mil pedidos concedendo estatuto de refugiado apenas a 17 mil. França recebeu mais pedidos, mas também recusou mais, aceitando apenas cerca de 8600, enquanto Itália recebeu 27 mil e concedeu estatuto de refugiado à maioria, 22 mil. Quando a população entra na equação de pedidos de asilo concedidos por mil habitantes, então, pequenos países como Malta (aceitou 1400 pedidos de asilo entre 1590) ficam à frente.

Depois da morte de mais de 300 imigrantes ao largo de Lampedusa no ano passado, a Comissão Europeia estabeleceu uma operação de vigilância e reacção rápida a embarcações em apuros (ainda que com poder de fazer regressar barcos e que a definição de apuros não seja considerada suficiente por organizações de direitos humanos). Até agora esta força resgatou cerca de 30 mil pessoas do mar.

Incidentes de Melilla a Calais, funerais na Sicília
Os incidentes somam-se na “fortaleza Europa”. Na semana passada, mais de 400 imigrantes passaram uma barreira de arame farpado em Melilla, um enclave espanhol em Marrocos, num grupo de mil que tentavam passar. Em Calais, França, centenas de refugiados agrupavam-se em vários campos perto do porto tentando passar para o Reino Unido (onde se diz que é mais fácil trabalhar sem papéis). A polícia francesa destruiu vários destes campos na semana passada.

No fim-de-semana, a Marinha italiana disse que tinha salvo quase 3000 imigrantes em apenas 24 horas. Ao mesmo tempo, foram detidas sete homens (cinco tunisinos, um sírio e um marroquino) acusados de transportar imigrantes em três cidades italianas.

Num funeral em Catania, na Sicília, de 17 imigrantes que morreram depois de naufragarem quando vinham da Síria, o presidente da câmara Enzo Bianco condenou o “silêncio ensurdecedor da Europa”. “Enfrentando uma catástrofe humanitária colossal, com quase 800 mil pessoas na costa de África prontas a atravessar o Mediterrâneo… Com estes caixões à frente, a Europa tem de escolher se quer enterrar com eles as nossas consciências de pessoas civilizadas.”  

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