Vazio legal impede empresários de iniciar negócio na construção

Nova Lei dos Alvarás está em vigor desde 3 de Julho mas a regulamentação necessária à sua aplicação ainda não foi publicada. Novo organismo responsável ainda não tem lei orgânica.

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Para iniciar actividade, empresários da construção precisam de ter alvará Nuno Ferreira Santos

Um empresário que queira iniciar a actividade de construção e peça às autoridades competentes para lhe emitir o obrigatório título habilitante esbarra num vazio legal desde o passado dia 3 de Julho. Foi esta a data de entrada em vigor da chamada Lei dos Alvarás (a Lei 41/2015, publicada em Diário da República, a 3 de Junho) e que atribui a competência de regular o sector ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), um organismo que só existe como intenção já que a sua existência formal depende da publicação de uma Lei Orgânica. Ao que o PÚBLICO apurou esta lei está ainda longe de ser concluída.

Os pedidos de emissão de alvará estavam até agora sob a alçada do Instituto da Construção e do Imobiliário (InCI), o organismo que vai desaparecer com esse nome, para dar lugar ao IMPIC. A Lei dos Alvarás remete para um organismo cuja Lei orgânica ainda não foi publicada e para portarias com a respectiva regulamentação - da responsabilidade dos membros do Governo das áreas das finanças e da economia - que também ainda não viram a luz do dia.

Assim, a resposta que o InCI tem vindo a dar às empresas que o contactam para efeitos de emissão do alvará, instrumento que as habilita a exercer a actividade da construção em Portugal, tem sindo que os pedidos não podem ser apreciados “uma vez que se aguarda a publicação da regulamentação indispensável (…) para que se encontre em condições de prosseguir com o procedimento”, conforme ofício a que o PÚBLICO teve acesso.

Contactado, Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) confirma a existência deste problema mas manifesta a esperança de que o mesmo possa vir a ser resolvido rapidamente. O líder associativo diz ter a indicação de que será encontrada uma solução que resolverá este problema concreto de emissão dos alvarás. O presidente da CPCI admite que se o problema não for resolvido rapidamente irá criar constrangimentos sérios a uma actividade que já tem vindo a ser fortemente penalizada. O sector já deu conta dessa preocupação ao Governo.

O PÚBLICO contactou o Ministério da Economia mas não conseguiu ter esclarecimentos em tempo útil, designadamente sobre a possibilidade de avançar com uma solução provisória que permita dar andamento aos novos pedidos. Recorde-se que essa foi a solução utilizada recentemente pelo Ministério da Administração Interna para ultrapassar o problema gerado pela falta de regulamentação da nova legislação dos chamados vistos gold. Neste caso um despacho do secretário de Estado da Administração Interna permitiu que continuassem em vigor as normas anteriores à nova lei.

Em causa na Lei dos Alvarás estão sobretudo as taxas a pagar pelas empresas e que são condição indispensável para a emissão deste documento.

Na ressaca de um longo período de contracção do sector, que nas contas da Federação da Construção, a FEPICOP, condenou à morte mais de 37 mil empresas, o eventual dinamismo do tecido empresarial que se manifeste nesta área acaba por ser travado devido a esta burocracia. “É gozar um bocadinho com a economia”, limita-se a responder Ponce de Leão, presidente do InCI quando a anterior lei foi promulgada.

 O ex-gestor mostrou-se favorável à nova lei, mas salientou a necessidade de ser aumentada a fiscalização no terreno algo que, sublinha, “não se tem visto muito”.

“Quando publicámos a lei 12/2004, demos um prazo para a entrada em vigor, fizemos um road-show pelo país a explicar a lei, saíram as respectivas portarias para que quando entrasse em vigor, dois meses depois, tudo estivesse operacional”, recorda Ponce Leão. Aqui também foi dado um prazo para a entrada em vigor da lei, mas nada aconteceu depois disso.

Uma das grandes novidades trazidas por este diploma é o facto de fazer desaparecer a figura de empreiteiro geral e de serem eliminadas as categorias e as subcategorias dos alvarás de obras particulares - que definiam a tipologia dos trabalhos que se podem executar e permitiam ao dono de obra particular poder avaliar se a empresa que iria contratar tinha conhecimento e capacidade técnica adequada para a execução da obra em concreto. Esta distinção entre obras públicas e particulares, e que também se verificou no grau de exigência dos requisitos, foi um dos aspectos que mereceu mais críticas do sector.

“Não faz sentido distinguir as obras públicas das obras particulares, nem se justifica um maior grau de exigência quando está em causa a realização de uma obra pública", disse ao PÚBLICO Reis Campos, aquando da publicação da lei.

No diploma passam a ser diferenciadas as exigências feitas às empresas que querem actuar na área das obras públicas das que se querem habilitar a fazer obras particulares. Os requisitos feitos às empresas que pedem alvarás e certificados (antigos títulos de registo) para empreiteiros de obras públicas são mais exigentes, já que para as obras particulares as empresas deixam de depender de requisitos de capacidade técnica.  Outra novidade é a de passarem a ser válidos por tempo indeterminado, dispensando as empresas de proceder à burocrática revalidação anual. Mas tal facto não impede que o futuro IMPIC, e actual InCI, continue a verificar o cumprimento dos requisitos, sobretudo os rácios de solvabilidade e os indicadores económicos e financeiros.

A grande preocupação da nova lei foi cumprir as exigências da troika e transpor a directiva comunitária dos serviços, abrindo totalmente o mercado nacional às empresas estrangeiras.

Lei das plataformas electrónicas entra em vigor a 16 de Outubro
A alteração do nome de Instituto da Construção e do Imobiliário (InCI) para acomodar a vertente de “Mercados Públicos” (e passar a chamar-se IMPIC – Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção) está relacionada com a contratação electrónica, que o Governo quer ver generalizada. A 17 de Agosto, e para entrar em vigor apenas a 16 de Outubro, foi publicado o novo Regime Legal das Plataformas Electrónicas de Contratação Pública, a Lei n.º 96/2015, uma legislação que que também designa o IMPIC como entidade responsável pelo licenciamento, monitorização e fiscalização das plataformas electrónicas.

A contratação pública pela via electrónica tem em Portugal uma experiência consolidada de, pelo menos, cinco anos, muito por culpa do Código dos Contratos Públicos que acelerou a transcrição das directivas europeias que recomendavam esta tendência, e que o Governo português rapidamente tornou obrigatória em alguns projectos- piloto, nomeadamente na contratação de bens e serviços.

Com a publicação desta lei, as associações do sector da construção vieram congratular-se com a intenção de normalizar o acesso das empresas ao mercado da contratação pública, com a AICCOPN a escrever, em comunicado, que espera que estas regras venham erradicar as alegadas “práticas abusivas por parte das empresas gestoras das plataformas electrónicas em relação aos seus utilizadores”.

Entre as grandes novidades trazidas por esta Lei está a consagração da liberdade de escolha das plataformas electrónicas por parte dos operadores económicos, já que haverá obrigatória interoperabilidade dos sistemas. Passa ainda a estar definido que as plataformas electrónicas deverão disponibilizar gratuitamente às empresas um mínimo de três acessos aos seus serviços base.  O regime prevê também pesadas sanções às entidades gestoras de plataformas que não cumpram regras como a obrigatoriedade de estar sempre acessíveis.

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