PT chegou a financiar a Rioforte em prejuízo próprio

Polícia Judiciária realizou buscas na PT SGPS e na consultora PwC, tendo apreendido vários documentos. Participação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários ao Ministério Público motivou acção.

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Auditoria da PwC responsabiliza gestão de Granadeiro e Bava na PT MIGUEL MANSO

O relatório da consultora PriceWaterhouseCoopers (PwC) terá concluído que a PT SGPS financiou a Rioforte, em algumas operações com uma taxa de juro inferior àquela que suportava no mercado para financiar a própria tesouraria corrente, apurou o PÚBLICO.

As conclusões desta auditoria, que os elementos da PJ procuraram nas buscas realizadas nesta terça-feira na sede da PT e na PwC, em Lisboa, incluirão também acusações graves a ex-administradores da holding portuguesa, designadamente ao ex-presidente Henrique Granadeiro e ao ex-presidente executivo da Oi Zeinal Bava que, antes deste cargo, assumiu vários outros na operadora nacional, como a presidência da comissão executiva.

A auditoria, pedida no âmbito do empréstimo de 900 milhões de euros à Rioforte - que não foi pago, gerando uma forte desvalorização da PT - terá concluído ainda pela existência de um acordo entre Zeinal Bava e Henrique Granadeiro para que as operações de investimento no Grupo Espirito Santo, que integrava a Rioforte, não passassem pela comissão de auditoria da empresa de telecomunicações.

O relatório final, porém, acabou por chegar à PT SGPS ao final da tarde desta terça-feira, entregue em papel por funcionários da consultora. As buscas decorreram no âmbito de um inquérito aberto por suspeitas de participação económica em negócio e burla qualificada e decorreu de uma comunicação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

Fonte da PJ disse ao PÚBLICO que foram apreendidos documentos e equipamento informático. Não houve constituição de arguidos na sequência destas buscas ordenadas a 23 de Dezembro pelo juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, Carlos Alexandre.

Zeinal Bava garantiu sempre que nunca esteve envolvido nas decisões de investimento em papel comercial da Rioforte, que prejudicou os accionistas da PT, sobretudo os minoritários. Porém, é responsabilizado, na auditoria, pelo ex-administrador financeiro do Banco Espirito Santo (BES), Amílcar Morais Pires.

À PwC, este último terá assegurado que a decisão de investir na Rioforte foi articulada entre o então presidente do BES, Ricardo Salgado, Granadeiro e Bava. Recorde-se que o BES era o maior accionista da PT SGPS com uma participação de 10%.

Desde Setembro que a CMVM exigia, sem sucesso, o relatório final da auditoria à PT SGPS. O PÚBLICO apurou que a PwC, mandatada em Agosto para realizar a auditoria em causa, terá entregado vários relatórios preliminares que a PT SGPS foi contestando, alegando que o relatório era muito opinativo e pouco objectivo.

Contudo, a CMVM, que já tinha aberto um processo de investigação ao negócio PT/Rioforte, não recebeu nenhum desses documentos, facto que a levou a pedir a intervenção do Ministério Público.

Nesta terça-feira, nas buscas, os procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ contaram com a colaboração de inspectores tributários e de funcionários da CMVM. A Procuradoria-Geral da República confirmou estarem em investigação “aplicações financeiras realizadas pela empresa [PT SGPS]”. O avultado investimento da PT na Rioforte, holding não financeira do Grupo Espírito Santo (GES), foi renovado antes de ter sido aprovada a fusão da PT Portugal com o grupo brasileiro Oi.

Fusão em causa?
A CMVM quer que a conclusão da investigação sobre os investimentos de curto prazo realizados no GES pela PT entre 2001 e Junho de 2014 seja conhecida a tempo da assembleia geral da próxima segunda-feira, em que os accionistas da PT SGPS serão chamados a votar a venda da PT Portugal à francesa Altice, para reduzir a dívida e financiar os planos de expansão da Oi.

As conclusões da auditoria, que deverão ser divulgadas brevemente pela CMVM, poderão ter implicações na fusão com a Oi, se se vier a provar que os intervenientes no negócio sabiam afinal do investimento arriscado da PT SGPS. A CMVM recusou fazer qualquer comentário sobre esse cenário, justificando que ainda precisa de conhecer as conclusões da PwC. A fusão está a ser também investigada pela autoridade de supervisão da bolsa brasileira.

O PÚBLICO sabe que a PwC terá enviado vários relatórios preliminares, o que revela dificuldades entre a PT SGPS e a consultora em chegarem a um consenso quanto à versão final do documento a entregar à CMVM. O relatório deverá esclarecer quem tinha conhecimento da situação da Rioforte e, ainda assim, autorizou os investimentos ruinosos naquela holding - no fundo, saber a quem devem ser assacadas responsabilidades.

Foi criada na PT SGPS uma comissão de acompanhamento específica para seguir os trabalhos da PwC. É composta pelo presidente do conselho de administração da PT SGPS, João Mello Franco, e pelos administradores Rafael Mora (Ongoing), Paulo Varela (Visabeira) e Milton Vargas.

Para realizar este trabalho, além da consulta de diversa documentação, a PwC gravou depoimentos de antigos gestores da PT, como Henrique Granadeiro e Zeinal Bava.

O ex-CEO da Rioforte, João Rodrigues Pena, ouvido na segunda-feira na comissão parlamentar de inquérito ao BES, garantiu aos deputados que não teve “qualquer interacção com a PT, no que respeita ao empréstimo concedido à Rioforte”. Acrescentou que essa operação foi articulada com a “na direcção financeira liderada por Amílcar Morais Pires” no BES. Para Rodrigues Pena, qualquer “tomador” de um empréstimo obrigacionista daquele montante, fá-lo de forma consciente, tendo a decisão sido tomada pela gestão da PT. “A PT é um investidor qualificado. Tem consciência das suas decisões. E recordo que o crédito foi renovado em Abril, o que não teria sido feito”, se as condições não fossem “as normais”, disse.

Na data da renovação da dívida dos quase 900 milhões da Rioforte à PT, em Abril do ano passado, os órgãos sociais da empresa de telecomunicações já dispunham de informação sobre a difícil situação da holding, assegura João Pena, pois nessa altura já tinha sido publicado o relatório de auditoria da Rioforte, realizado pela Ernst & Young com data de Março de 2014. “Houve notícias na imprensa”, reforçou o ex-CEO da Rioforte, o que evidenciava que o “relatório estava disponível a qualquer investidor que o pedisse". "A 15 de Abril, seguramente estava. E, em Fevereiro, qualquer investidor que tivesse interesse poderia ter contactado a administração da Rioforte e [a PT] não o fez.”

Já o secretário-geral do Grupo Espírito Santo, José Castella, e o contabilista Francisco Machado da Cruz solicitaram ao presidente da comissão parlamentar de inquérito que as suas audições, destas quarta e quinta-feiras, decorram à porta fechada. Alegaram que estão sob investigações em Portugal e no Luxemburgo, e que tiveram acesso a informação constante dos mandados de busca. Os deputados concordaram com o pedido, mas realçaram o carácter excepcional da solução.

À margem de um seminário diplomático em Lisboa, o ministro da Economia, Pires de Lima, referindo-se às buscas desta terça-feira na PT e na PwC, afirmou que, “enquanto cidadão”, apenas deseja que a justiça continue a funcionar em Portugal: “Se algumas destas investigações procuram encontrar explicação para aquilo que eu próprio, enquanto governante, há uns meses, classifiquei como inexplicável, tanto melhor”. com Ana Brito, Cristina Ferreira e Paulo Pena

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