Portugal: de país descalço a exportador mundial de calçado

Já estamos a dar cartas na área do calçado, mas, aproveitando conhecimento, tecnologia e ciência, poderemos ganhar o jogo.

Os últimos reis de Portugal da dinastia de Bragança quiseram modernizar os costumes, em Lisboa, promulgando decretos que combateram o uso de andar descalço.

Durante a primeira república, e apesar dos relatos e queixas dos estrangeiros que consideravam o hábito de andar descalço indecoroso, pouco ou nada foi feito. Em 1928, três médicos portugueses (António Magalhães, Cândido Costa e Veiga Pires), fundadores da Liga Portuguesa de Profilaxia Social, publicaram um livro intitulado O Pé Descalço – Uma Vergonha Nacional. Este livro foi reeditado em 1956 e serviu de base a uma campanha para a erradicação deste hábito.

Em 1947, foi promulgado o Decreto 36.448, que apresentava uma vertente profilática de erradicação do tétano, que se poderia contrair através de feridas. A partir dos anos 50, multas e idas ao tribunal eram frequentes por andar descalço. Hábito ou necessidade, ainda hoje se vê no nosso folclore (trajesdeportugal.blogspot.pt).

Em 1994, o Governo pediu um estudo sobre a competitividade da economia a Michael Porter, encomendado por Mira Amaral, uma das pessoas com mais visão e que defendem que é necessário revisitar o projeto. A aposta nos produtos tradicionais, como o vinho, turismo, calçado, têxteis, madeira e cortiça é uma das directivas, juntamente com a educação, a ciência e a tecnologia.

A combinação destas e a nova corrente de criar dispositivos que melhoram a vida das pessoas levou médicos e empresários a pensarem em soluções para melhorar a vida dos doentes. Materiais elásticos, camisolas antialérgicas, fraldas e agora cuecas para incontinência urinária, têxteis funcionalizados antimosquito e detetores de sinais vitais foram desenvolvidos.

O calçado, fileira importante da nossa indústria, não ficou de fora. O futuro dos produtos de diagnóstico passa também pelo calçado: sapatos para diabéticos, por exemplo. É nesta descentralização de diagnósticos e de tratamento que se prevê um crescimento enorme nos próximos tempos.

Dados do INE revelam que o volume de vendas do sector do calçado é excelente. As 1354 empresas existentes, que empregam 32.738 trabalhadores, têm feito um ótimo trabalho. Em 2013, as exportações ultrapassaram os 1700 milhões de euros, segundo a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS).

Neste segmento destaca-se o calçado de luxo, o calçado de trabalho e o calçado de saúde como uma nova oportunidade. Os mercados, graças à garra dos nossos empresários, diversificaram-se. Europa, Médio Oriente, África, Áustria, Dubai, e até a Guarda Real de Omã ou marcas desportivas como a MacLaren. Passamos de um “país que vivia descalço” a um país que vive do calçado.

No calçado de saúde destaca-se o projeto Newalk. Dirigido pelo Centro Tecnológico do Calçado Português, o projeto Newalk está numa fase avançada e é um exemplo de projeto inovador e abrangente nesta área. As 22 empresas da fileira do calçado, quatro universidades e centros tecnológicos e a Iberia Advanced Health Care, envolvidas neste projeto, estão a desenvolver calçado inovador, calçado antiqueda, calçado com regulação térmica, não alérgico, calçado para equilíbrio postural, componentes para aplicações específicas, antideslizantes ou para doenças das veias.

Trata-se de novo calçado baseado no conhecimento, na utilização de novas tecnologias inovadoras para aplicar, por exemplo, no calçado para a saúde e bem-estar. Trata-se de soluções para promover a saúde como no caso de pessoas com doença venosa das pernas ou lesões músculo-esqueléticas. Este projeto contribui ainda mais para tornar o nosso calçado um produto diferenciado no mercado internacional

Já estamos a dar cartas na área do calçado, mas, aproveitando conhecimento, tecnologia e ciência, poderemos ganhar o jogo. As notícias internacionais são favoráveis a Portugal: a concretizar-se, o acordo de comércio livre entre a União Europeia e os Estados Unidos poderá beneficiar o país em termos económicos e até políticos. Pela sua localização geográfica, Portugal está no “centro da ação” entre os Estados Unidos e o resto da Europa, podendo, por isso, assumir um papel de destaque neste acordo.

Cirurgião cardiovascular
 

 

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