Estado pediu a penhora de meio milhão de salários em 2013

Os valores da cobrança coerciva bateram um recorde ao aproximar-se dos dois mil milhões de euros. Créditos, imóveis, contas, veículos e vencimentos são o alvo.

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O número de ordens de penhoras de vencimentos e de salários por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a contribuintes com dívidas ao fisco disparou 19% em 2013 face ao ano anterior, chegando às 532.042 ordens de penhoras. Este universo engloba, segundo os dados cedidos ao PÚBLICO pelo Ministério das Finanças, também os casos em que a notificação de penhora por parte do fisco leva o contribuinte devedor a regularizar a dívida em causa. Se o fizer no prazo de 30 dias, evita-se que o vencimento seja efectivamente executado.

A cobrança coerciva, que esteve em queda durante cinco anos consecutivos, inverteu a tendência no ano passado, disparando 57,9% de 2012 para 2013. Um crescimento que está ligado ao aumento do número de ordens de penhora. Ao todo, foram determinados pelos serviços do fisco 2.070.315 ordens, mais 450.449 (ou 27,81%) do que em 2012, ano em que o aumento fora ainda mais expressivo, de 74,6%. O Ministério das Finanças não esclareceu qual o montante total de dívidas de contribuintes à AT, informação que o PÚBLICO solicitou.

O fisco só avança para a penhora de salários depois de emitir ordens sobre outros bens considerados de maior liquidez. Primeiro, são penhoradas rendas, contas e depósitos bancários (ou outros créditos financeiros). Só então podem ser penhorados salários, seguindo-se veículos e, em último caso, imóveis. Embora os vencimentos sejam o quarto bem na ordem de penhoras a executar, foram o terceiro tipo de activo com mais ordens de penhora, só superado pelos créditos e contas bancárias.

No caso dos salários, a regra é penhorar um terço do vencimento, mas à AT têm sido dadas “instruções para apenas ordenar a penhora de um sexto dos vencimentos”, ou seja, metade do valor regra previsto na lei, garante a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais. O procedimento vigora desde 2012, quando foi reformado o modelo de penhoras de bens. Ao PÚBLICO, porém, as Finanças não esclareceram em que casos se aplica esta medida. Por princípio, a ideia é proteger quem aufere os salários mais baixos.

Os cerca de dois milhões de ordens de penhora resultaram, na prática, numa cobrança coerciva de 1923 milhões de euros, um aumento de 57,9% face a 2012 (mais 705 milhões de euros). Para o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, este crescimento “demonstra a eficácia, a rapidez e a pro-actividade da administração fiscal”.

Os números mostram o universo da ordem de penhoras, mas não necessariamente o montante dos bens penhorados. Isto porque — tanto no total das 2.070.315 ordens de penhora como nos 1923 milhões de euros de cobrança coerciva — os montantes dizem respeito quer aos valores penhorados, quer aos montantes regularizados depois de os devedores terem recebido uma notificação.

30 dias para pagar a dívida
Quando um devedor recebe uma ordem de penhora, é-lhe concedido um prazo de 30 dias para pagar a dívida. O processo é extinto se a dívida for regularizada nesse prazo; mas se o devedor não o fizer, é accionada a penhora. O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças, sem sucesso até ao fecho da edição, sobre quantos contribuintes (e qual o montante de cobrança correspondente) pagaram ao fisco depois de serem notificados da existência de uma penhora.

Dos 1923 milhões de euros de cobrança coerciva, cerca de 80% foram dívidas cobradas a empresas e os restantes 20% a contribuintes individuais.

Há casos em que a penhora é um crédito de um devedor fiscal sobre um terceiro, o que significa que o credor passa a ser a autoridade fiscal. Por exemplo, se o fornecedor de um restaurante tem dívidas ao fisco e é accionado um processo de execução, a AT pode penhorar o crédito que esse fornecedor tem sobre o restaurante. No ano passado, foram notificados por email 950 mil contribuintes, num total de 9160 milhões de mensagens. O impacto, diz o ministério, foi “bastante elevado” porque induziu “a regularização da situação tributária”.

Os vencimentos e salários representaram cerca de um quarto dos bens sobre os quais versaram ordens de penhora (25,7%). À frente estão os créditos (29,6% do total) e ainda as contas bancárias e produtos financeiros, com 27,9%. Com um peso já muito abaixo, de 6%, estão os imóveis, enquanto sobre veículos já só caíram 4,1% dos pedidos; as rendas, o primeiro bem a ser penhorado, só foram alvo de 1% das ordens, o que significa que a esmagadora maioria dos devedores do fisco não tinha este bem para ser penhorado. No caso dos imóveis, foram dadas mais de 123 mil ordens de penhora, que começam por incidir sob os prédios rústicos, seguindo-se os terrenos para construção, armazéns, estacionamentos e arrecadações. Só em último caso o fisco tem por alvo as habitações. No entanto, as Finanças não souberam dizer quantos fogos foram alvo de penhora no ano passado.

No segmento de veículos, foram abrangidos diversos casos, incluindo mais de 4000 Mercedes, e, até, 16 Ferrari e um Rolls-Royce.

Notícia corrigida às 11h01: O número de Mercedes alvo de ordens de penhora é superior a 4000 e não a 400 unidades, como foi erradamente referido.

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