OPA do La Caixa ao BPI gera tensão com Isabel dos Santos

A empresária angolana, que é o segundo maior accionista do BPI, tem permanecido num silêncio cauteloso desde que o grupo espanhol fez a sua investida para assegurar o controlo efectivo do banco.

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Isabel dos Santos tem 19% do BPI Nuno Ferreira Santos

Três dias depois da espanhola CaixaBank, dominada pela Fundação La Caixa, ter formalizado a Oferta Pública de Aquisição (OPA) sobre a maioria do capital do BPI, onde já possui 44%, o segundo maior accionista continua num silêncio cauteloso que revela um quadro de desconforto. O que revela um dado: a OPA só agora começou.

E enquanto Isabel dos Santos, com poder de arbitragem na operação,  não tornar pública a sua posição sobre a oferta do maior accionista do BPI, decorrem nos bastidores negociações para desbloquear o impasse gerado pela iniciativa espanhola. Uma das hipóteses é a entrega do domínio do Banco de Fomento de Angola (BFA), controlado pelo BPI, à empresária angolana. Isabel dos Santos já é accionista do banco africano de forma indirecta, através dos 25% que detém na Unitel (dona de 49% do BFA). 

A ausência de resposta por parte da Santoro, que representa no BPI os interesses da empresária angolana (que é também accionista do BIC Portugal e do BIC Angola), está a ser lida como um sinal de desconforto face à intenção do La Caixa de controlar efectivamente instituição portuguesa. O que vai quebrar o equilíbrio de forças que tem prevalecido desde a fundação do banco liderado por Fernando Ulrich.

Isto, apesar de o modelo accionista criado a meio da década de oitenta por Artur Santos Silva, e que permitiu ao BPI ter nos últimos 30 anos uma gestão independente (os accionistas tinham posições equiparáveis e com direitos de voto blindados) ter sido na prática rompido em 2012, quando o Banco Itáu optou por vender a totalidade da sua participação à La Caixa, que assumiu 49%. Recorde-se que Isabel dos Santos se propôs ficar com a totalidade, ou parte da posição do Itaú, o que este rejeitou, negociando com o grupo espanhol. De seguida, por consenso, o La Caixa acabou por alienar 5% a Isabel dos Santos que assegurou assim 19% do BPI.

Com 44% do banco português, a CaixaBank lançou na terça-feira uma OPA sobre 100% do capital (mas admitindo ficar com posição de controle, acima de 50%) com o objectivo de chegar aos 75% dos votos representado em assembleia-geral. Assim, poderá alterar os estatutos que blindam os direitos de voto (em reunião magna) a 20%. Uma meta difícil de alcançar sem os 19% detidos por Isabel dos Santos, com poder de arbitragem.

O PÚBLICO apurou junto de várias fontes ligadas à operação que a empresária angolana não recebeu com agrado a decisão do La Caixa por a considerar não consensualizada. Um sentimento que está a justificar o seu “silêncio prudente”. O habitual é que os accionistas convidados a venderem as suas acções num contexto de OPA se pronunciem nas horas seguintes. Seja para recusarem por considerarem a oferta inaceitável ou hostil ou a abrirem espaço para conversar.

Por isso, o silêncio de Isabel dos Santos indicia um quadro negocial de tensão que vai envolver necessariamente o sector financeiro angolano onde Isabel dos Santos possui fortes interesses: está indirectamente no BFA (onde o BPI tem três administradores, incluindo Fernando Ulrich) e directamente no BIC Angola (e BIC Portugal). Os próximos dias vão revelar o que pensa a Santoro sobre a oferta espanhola.

Se a obtenção de 75% do capital em assembleia-geral não é fácil de atingir sem luz verde da empresária (ou por votos ou por venda de acções), não deverá constituir um problema para o La Caixa ultrapassar a fasquia dos 50% das acções, por já ter 44%. E há outra mensagem a ser passada ao mercado: se Isabel dos Santos optar por bater o pé e não chegar a acordo, o La Caixa pode deixar cair a meta de mudar os estatutos do BPI (que lhe permitiriam votar com a posição correspondente ao seu investimento), assumir 50% mais um voto e formar uma maioria contra a empresária. O que pressupõe que os gestores do La Caixa, em particular o seu presidente Isidre Fainé, continuam a manter o bom relacionamento com Artur Santos Silva que se estende aos accionistas históricos do BPI. Neste grupo, minoritário, estão a seguradora alemã Allianz e investidores portugueses como a Auto Sueco e que no conjunto somam cerca de 25% do capital.

Um dos fundamentos habituais usado para rejeitar imediatamente uma OPA é o do preço ser insuficiente. E no caso da oferta do La Caixa este tenderá a ser também um argumento que provavelmente o conselho de administração, onde está a comissão executiva, pode usar para comentar a proposta do seu principal accionista. Até porque o grupo espanhol avançou com o preço de1,329 euros por acção, num total de 1082 milhões de euros, o valor mínimo obrigatório para uma OPA (a média dos seis últimos meses  que se espera que seja regateado).

Caso a OPA tenha sucesso o BPI verá facilitada uma potencial oferta que venha a fazer sobre o Novo Banco (ex-BES), que a ser aceite atirará a maioria do mercado português para investidores espanhóis. Depois de receber a documentação oficial, a administração do BPI tem oito dias para se pronunciar, o que deverá fazer no início de Março.

Prevêem-se, portanto, que nos próximos dias decorram negociações intensas nos bastidores. Mas o tema central será mesmo a disputa pela posse do BFA, um dos maiores bancos angolanos, e que tem ajudado a atenuar os prejuízos provados pelo mercado português . Recorde-se que o presidente do BIC Angola, Fernando Teles, tem a sua origem no BFA, e o líder do BIC Portugal, Mira Amaral passou pelo BPI.

A junção dos dois bancos daria um pequeno gigante africano. Se para Portugal a relação com Angola é estratégica, onde vivem e trabalham mais de 300 mil portugueses e muitas empresas exportam e operam, para Espanha, focada na América Latina, África é irrelevante. E a passagem do controlo do BFA para Isabel dos Santos permitiria ao BPI aliviar a pressão da sua relação com Angola.

Para efeitos do cálculo dos rácios de capital, segundo os novos critérios do BCE, e para riscos de países em relação aos quais não reconhece um padrão de supervisão equivalente ao europeu, a exposição do BPI a Angola aumenta 3700 milhões de euros, o que tende a exigir novo aumento de capital. Mas sem o BFA na sua alçada, a natureza do BPI muda. Ulrich terá de se concentrar em Portugal e na sua articulação com a Caixa Bank o que pode culminar, no actual quadro de globalização e de entrada em vigor da União Bancária Europeia, numa fusão. O contexto à volta do desfecho da OPA ao BPI está assim envolto em grande incerteza o que permite prever que no grupo liderado por Fernando Ulrich esteja ainda tudo em aberto.

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