O capital é a capital

Há anos não entra capital produtivo em Portugal, apenas o especulativo.

Dizem que falta capital em Portugal. Tivemos que nos humilhar para obter 70 mil milhões. Mas o Estado tem uns 80 mil milhões em imóveis mal utilizados.

Um artigo no PÚBLICO disse que a EP e a REFER venderão imóveis por 33 milhões. Levou-me anos para listar os imóveis que o Estado tem, fáceis de vender ou explorar, e cheguei perto de 60 mil milhões. Fiz uma proposta à EP, então com capitais Norte-europeus, que lhe renderiam 50 milhões/ano; nem sequer responderam.

No livro Portugal Rural, de 2011, pré-troika, cinco autores listaram o desperdício de oportunidades, que teriam dispensado a austeridade. Entre mais, mudar a capital para algures perto de Pombal, vender e construir. Isto libertaria 2/3 dos burocratas de Lisboa que não iriam para lá, o que permitiria às PMEs focarem no vital, produzir e vender, em vez de perder tempo com papéis.

O valor dos prédios e terrenos da EP e REFER somam perto de cinco mil milhões. Os ministérios na Baixa e arredores, ainda mais. Mudar, faria Portugal se aproximar da média dos países modernos na UE, isto é, uns 10% da população na área-capital, em vez dos 35%. E Lisboa seria a capital do turismo e do comércio, não da burrocracia. Os países que inovaram e não estão em crise, Austrália, Brasil, Canadá, EUA, Alemanha, têm várias capitais para distintas funções. A finança alemã está em Frankfurt, a metalurgia no Ruhr, a indústria em volta de Colónia, o turismo na Baviera; apenas a administrativa em Berlim. Isto traz igualdade de oportunidades, fundamento da democracia, a todos os distritos.

Um curto ramal ferroviário desde Pombal ou Coimbra nos levaria de Alfa à capital. Deve-se usar a experiência de outros países, como a Suécia, que tem apenas os políticos e seus secretários na capital e as direções-gerais e demais organismos executivos em pequenas cidades, há 1,5h de Alfa de Estocolmo. Assim, países modernos descentralizaram o poder e ao mesmo tempo a renda familiar, por muitos distritos. A regeneração urbana foi fácil, quando centenas de milhares de famílias deixaram as capitais e foram usar as residências semi-vazias dos seus avós e parentes, nas cidades menores.

Este é o melhor timing para mudar, pois as construtoras estão dispostas a baixar preços. Uma cidade planeada é ecológica, sustentável e funcional. Para reformar o Estado, exigência da troika ainda não realizada, é fazer como Thatcher, que indagava quantos britânicos morreriam se uma direção-geral ou um instituto público fosse eliminado. Assim cortou a ineficácia e o orçamento do Estado.

Nos países democráticos são os políticos que vão ao interior ouvir o cidadão. Lá já não há freguesias; são os vereadores, autarcas e funcionários municipais que se deslocam uma vez por semana às vilas para ouvir, e lá mesmo resolver problemas locais. Deus nos deu dois ouvidos e uma boca para ouvirmos o dobro do que falamos, mas há políticos que parecem ter quatro bocas e meio ouvido. Valoriza-se a oratória, em vez de resultados no mundo real, como na altura do Marquês e da outra senhora. Daí o abismo cada vez maior entre os políticos e o cidadão. E quando há insatisfação, o político passa longe, com seguranças, a fugir, em vez de ouvir.

Há anos não entra capital produtivo em Portugal, apenas o especulativo. Nós, investidores estrangeiros, ficamos tristes ao ver o desperdício, e boys a privilegiar uns poucos grupos que asfixiam nichos, que poderiam render emprego e muitos milhões em exportações. Há 30 anos a China embasou o crescimento que agora tem, ao focar em joint-venture, meio-a-meio, investimentos de PMEs tecnológicas estrangeiras, com as locais, privilegiando distritos então pobres. Hoje ela tem capital a mais e burocratas a menos, numa Pequim que não cresce, comparada com muitos centros industriais. Só quem trabalhou com a China longos anos percebe a enorme mudança mental, não apenas económica, que a força de experientes técnicos trouxe para aquele país.

Consultor Internacional, autor de Como Sair da Crise, Ontem e Hoje na Economia e Portugal Pós-Troika.

Sugerir correcção
Ler 16 comentários