No grande mercado das aplicações, vender já não é um caminho fácil

Já foi possível cobrar 800 euros por uma aplicação que não fazia nada. Agora, os pequenos criadores lutam por um lugar, e algum dinheiro, nas atafulhadas lojas online.

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No topo, um pequeno grupo concentra grande parte da riqueza e, graças a isso, tem os recursos para fazer ainda mais dinheiro. No outro extremo, muitos tentam a sorte, mas não ganham nada, ou quase nada. Os do meio, por seu lado, deparam-se com cada vez mais dificuldades para ter um rendimento que lhes permita chegar ao mês seguinte.

A descrição parece a que frequentemente é feita sobre as economias ocidentais. Mas, neste caso, é o retrato das lojas de aplicações para telemóveis e tablets, feito pela consultora VisionMobile, que entrevistou mais de dez mil criadores em 137 países. 

De acordo com a VisionMobile (que conta como parceiros de investigação com a Microsoft, Nokia, Intel e Mozilla), 47% dos criadores que têm como objectivo fazer dinheiro ganham menos de 75 euros por mês. Praticamente um quarto não tem mesmo qualquer receita. Mais acima, 11% fazem mais de 7500 euros mensais. No topo, 3% ganham mais de 75 mil euros. E um grupo muito restrito, representando apenas 1,6%, consegue receitas superiores a 370 mil euros por mês – no total, estes criadores ganham muito mais do que os outros todos juntos.

“Os consumidores estão a inclinar-se para as aplicações gratuitas, e isso dificulta a vida dos pequenos criadores”, diz ao PÚBLICO Mark Wilkox, um dos autores do estudo. “Isto acontece porque a concorrência tem empurrado os preços para baixo e criado a expectativa de que as aplicações devem ser grátis”. 

Longe vão os tempos de 2008, quando a Apple lançou a sua loja de aplicações para iPhone, abrindo caminho a mercados semelhantes para outras plataformas e criando um novo e gigantesco negócio. 

Em 2013, os utilizadores da Apple gastaram um pouco mais de 7500 milhões de euros a comprar aplicações, ou a fazer compras dentro daquelas que já tinham descarregado, um modelo cada vez mais popular. Até ao final do ano passado, a Apple tinha pago 11 mil milhões aos criadores, que recebem 70% das receitas. Já o Google, que gere a maior loja para Android, não divulga dados. Muitos analistas estimam que as receitas sejam inferiores às da Apple, mas estejam a crescer a um ritmo superior.

Um relatório da consultora Gigaom para a Comissão Europeia, publicado este ano, indica que os criadores na União Europeia tiveram receitas de 17,5 mil milhões de euros ao longo do ano passado. Seis mil milhões vieram de vendas e publicidade. O restante veio de empresas que os contrataram para projectos. Os dados indicam ainda que só 44% dos criadores decidiram cobrar pelas aplicações. 

No princípio, pagava-se
Nos primórdios, a loja de aplicações eram espaços muito mais vazios. As novidades, por inúteis que fossem, eram descarregadas avidamente pelos mais entusiastas. Uma aplicação como a que simula um copo de cerveja, que pode ser “esvaziado” inclinando o telefone, foi um pequeno sucesso com um preço de 79 cêntimos na loja da Apple. Hoje, há jogos com gráficos tridimensionais, ou processadores de texto sofisticados, que são gratuitos, numa tentativa de cair no radar dos consumidores. 

A Hole19, uma aplicação portuguesa para jogadores de golfe, optou por deixar de ser paga, com o objectivo de chegar ao maior número de utilizadores possível e explorar depois outras fontes de receita. Foi descarregada 200 mil vezes nos primeiros 50 dias da nova estratégia, muito mais do que nos meses anteriores. Mesmo assim, a empresa tenciona abrir os cordões à bolsa para promover a aplicação. “Temos um orçamento de mais de 250 mil euros para marketing, mas ainda não gastámos nada sequer perto desse montante”, diz Anthony Douglas, fundador da Hole19. Douglas diz que é hoje “extremamente difícil para as aplicações pagas atingirem escala, embora não seja impossível”.

Também a Wingzstudio, uma pequena empresa de Coimbra, lançou recentemente Falcao vs Aliens, um jogo protagonizado pelo antigo futebolista do FC Porto. A aplicação, diz João Ferrand, um dos criadores, será sempre gratuita e o modelo de negócio passará por publicidade integrada no próprio jogo. Por exemplo, uma marca de bebidas que queira que os suas garrafas representem um bónus. 

“É cada vez mais difícil cobrar”, observa Ferrand. “As grandes empresas de videojogos optam por lançar os seus jogos gratuitamente e depois procuram rentabilizá-los com jogadores ‘nervosos’, que querem evoluir rapidamente (adquirir a melhor arma, comprar o melhor carro) e acabam por não resistir às apetecíveis compras dentro da aplicação”.

É um grande contraste com a era dourada em que os criadores vendiam com facilidade. O mais caricato exemplo terá provavelmente sido a “I Am Rich” (“eu sou rico”), lançada em 2008. Custava 800 euros e não fazia nada. “O ícone vermelho no seu iPhone ou iPod Touch vai lembrá-lo sempre (e às outras pessoas a quem o mostrar) que você foi capaz de pagar isto. É uma obra de arte, sem qualquer função escondida”, lia-se na descrição. No único dia em que a Apple permitiu que estivesse à venda, foi comprada por oito pessoas, duas das quais disseram ter sido por engano e pediram um reembolso. 

Actualmente, uma aplicação destas não apenas passaria despercebida, como não chegaria a ser posta à venda. A loja da Apple e a do Google já ultrapassaram, cada uma, 1,2 milhões de aplicações disponíveis. A loja da Microsoft para o Windows Phone ronda as 260 mil (números das próprias empresas). Nos casos da Apple e da Microsoft, cada aplicação é sujeita a uma avaliação prévia e pode ser rejeitada.

Nos últimos cinco anos, surgiram aplicações para praticamente tudo: transformar o telemóvel num nível de bolha de ar, monitorizar o tempo de sono e avaliar a qualidade de melancias (supostamente, analisando o som produzido pelo utilizador a bater na casca de uma potencial compra no supermercado). São só alguns exemplos. A avalanche levou a que surgisse a conhecida frase “There’s an app for that” (“há uma aplicação para isso”), que acabou registada pela Apple.

 

 

Apesar das dificuldades provocada por este enorme aumento da oferta, as lojas continuam a alimentar sonhos. Só a plataforma da Apple tem nove milhões de criadores registados (o registo é pago), mais 47% do que no ano passado. 

“O número de criadores continua a crescer. O volume de smartphones continua a crescer e a procura por aplicações também. Não espero que isto venha a mudar”, diz Wilcox, o analista da VisionMobile. Em parte, argumenta, porque o mercado empresarial ainda tem margem para crescer. Por outro lado, simplesmente porque “haverá sempre jovens criadores a tentarem ficar ricos”.

 

 
 

 

 

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