Não é a “empresa na hora” que garante novos Steve Jobs em Portugal

A redução radical da burocracia associada à criação de empresas em Portugal criou mais empregos. Mas será que aumentou a produtividade da economia?

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O programa Simplex foi lançado pelo Governo Sócrates

“A desregulação nos mecanismos de entrada, mesmo uma tão significativa como a de Portugal, não traz novos Steve Jobs para o mercado; abre sim outra loja de conveniência na esquina”. A opinião é manifestada por quatro economistas num artigo publicado esta semana no site de divulgação de investigação académica Voxeu.org, sobre os efeitos de uma redução radical da burocracia necessária para criar uma empresa, como a registada em Portugal na segunda metade da década passada.

Lee Branstetter, Francisco Lima, Lowell Taylor e Ana Venâncio decidiram analisar qual o verdadeiro impacto da desregulação no crescimento de uma economia e, para isso, encontraram no projecto “empresa na hora” em Portugal um bom caso de estudo, já que a redução de obstáculos à criação de uma empresas foi feita de forma muito significativa e rápida, tornando mais fácil medir o impacto em indicadores como a produtividade e o número de empresas existente.

Várias organizações internacionais têm defendido ao longo das últimas décadas que uma redução dos níveis de regulação, com o consequente aumento da facilidade de entrada de novos actores no mercado, é uma das formas mais eficazes de pôr a economia a crescer mais. Uma das entidades que mais defende esta tese é o Banco Mundial, que nos seus relatórios Doing Business estimula a corrida entre os países para ver quem é que cria as condições para, por exemplo, se poderem criar empresas em menos tempo e com a necessidade de menos procedimentos burocráticos.

Portugal, neste capítulo, fez tudo para ser um dos primeiros da corrida. No ano 2000 estava em 113º entre 155 países no indicador que mede a facilidade de criação de uma nova empresa. Era necessário completar 11 procedimentos e preencher 20 formulários, tinha-se de esperar entre 54 e 78 dias e só depois, a seguir a pagar cerca de 2000 euros, a empresa estava criada.

Em 2005, englobado no programa Simplex lançado pelo Governo Sócrates, operou-se uma mudança drástica com o lançamento do “Empresa na hora”. Passaram a ser necessários sete procedimentos, o custo baixou para 360 euros e a espera reduziu-se a menos de um dia. Criar uma nova empresa tornou-se bastante mais fácil em Portugal.

Num estudo publicado este ano na revista Economic Journal, os quatro economistas, dois deles portugueses, não colocam em causa o sucesso do programa “Empresa na hora” nos indicadores de criação de empresas.  Segundo os seus cálculos, o número de startups criadas em Portugal aumentou 17% em consequência das novas regras, um acréscimo que levou à existência de mais 4500 empresas e 17.500 empregos no espaço de dois anos, num universo total de 5,5 milhões trabalhadores.

O problema identificado pelos autores do estudo está antes no tipo de empresas que são criadas: “Descobrimos que as empresas cuja entrada é induzida pela reforma tendem a ser pequenas, detidas por empreendedores com uma educação relativamente reduzida e operando em sectores de baixa tecnologia. Elas revelam uma menor probabilidade de conseguirem sobreviver nos primeiros dois anos após a entrada”.

Isto é, são os empreendedores com menor potencial de crescimento e que menos melhoram a produtividade na economia que acabam por aproveitar mais as facilidades trazidas pela “Empresa na hora”. Os outros, os com maior potencial, acabariam por criar a sua empresa de qualquer das maneiras.

É por isso que os autores dizem que “o impacto positivo (mas limitado) da desregulação na entrada é afectado, em parte, pela baixa qualidade das empresas que a desregulação traz para o mercado”. E concluem: “É importante não sobrevalorizar os benefícios para o crescimento das reformas que apostam na desregulação das entradas nos mercados”.

 

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