Governo aproxima-se dos patrões e prolonga suspensão das horas extras

Até ao final do ano, o trabalho extra continuará a ser mais barato. UGT espera para ver. CGTP ameaça com conflitualidade social.

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Pedro Mota Soares, ministro do Emprego e da Segurança Social Foto: PÚBLICO

Uma medida para agradar aos patrões, outra para agradar aos sindicatos. Quando chegou à concertação social, ontem à tarde, o ministro Pedro Mota Soares já levava no bolso o anúncio de que afinal o Governo não iria reduzir as indemnizações por despedimento ilícito, respondendo aos apelos da UGT e da CGTP. Durante o encontro, foi sensível aos argumentos dos patrões e tirou da cartola a possibilidade de estender, até ao final de 2014, a suspensão das normas das convenções colectivas relativas às horas extraordinárias.

A medida tem sido reclamada pelas confederações patronais, que andam há alguns meses a fazer contas à vida por causa do aumento dos custos com o trabalho suplementar a partir de Agosto. Mas do lado dos sindicatos, foi recebida com relutância, em particular pela CGTP. “O Governo está a desenterrar o machado de guerra e a apostar na conflitualidade social”, avisou Arménio Carlos, dirigente daquela central, acusando o Governo de promover a redução dos salários.

Em causa está a suspensão, entre Julho de 2012 e Julho de 2014, das regras dos contratos colectivos que prevêem uma compensação pelo pagamento do trabalho extraordinário acima do que prevê a lei. Durante esse período, os trabalhadores passaram a receber um acréscimo por cada hora além do horário normal que oscilava entre os 25% e os 50%, quando em alguns casos deviam receber entre 50% e 100%.

O Tribunal Constitucional (TC) aceitou esse congelamento temporário, mas chumbou a possibilidade de os montantes previstos nos contratos colectivos caírem para metade, caso esses contratos não fossem revistos após o período transitório. Na prática, a decisão do TC obrigaria as empresas a pagarem mais pelo trabalho extra, algo que não agradava aos patrões. Além do mais, colocava as empresas do Estado em vantagem, pois estão abrangidas pelas regras do Orçamento do Estado que reduzem o pagamento do trabalho extra na função pública.

 “Muitos parceiros queixam-se que o Estado tem para o sector empresarial do Estado regras mais benéficas do que os privados. Pode fazer sentido discutir com os parceiros sociais regras iguais ao longo deste ano”, justificou o ministro. “O Estado não deve impor aos privados regras diferentes e piores das que tem para si próprio”, acrescentou, quando questionado sobre se a decisão não representa uma redução indirecta dos salários dos trabalhadores.

Na perspectiva de António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), a medida virá repor o “equilíbrio do acordo de concertação de 2012. “Se alguma parte está desequilibrada hoje é a parte patronal, que viu defraudada a sua expectativa pelo acórdão do Tribunal Constitucional”, reagiu.

“Este tipo de medidas, sejam mais ou menos duráveis, devem terminar no fim do ano e essa questão foi colocada ao Governo e, ao que parece, teve alguma receptividade", referiu por seu turno João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP).

O ministro anunciou um conjunto de outras matérias que serão discutidas ao longo deste ano, ao ritmo de uma reunião por mês – a próxima será a 13 de Maio. Salário mínimo, contratação colectiva e suspensão temporária de contratos são alguns dos temas a abordar, ainda sem data marcada.

“Neste momento, a nossa prioridade em matéria laboral é dinamizar a contratação colectiva. Temos de valorizar a importância no emprego das pequenas e médias empresas e por isso mesmo queremos incluir critérios de representatividade na emissão de portarias de extensão, facilitando regras que estimulem a negociação colectiva. Queremos também em casos em que a manutenção de postos de trabalho possa estarem risco, permitir que existam suspensões temporárias dos contratos colectivos desde que sejam acordados mutuamente por trabalhadores e empregadores”, anunciou Mota Soares.

Sobre salário mínimo, um tema caro aos sindicatos o ministro pouco adiantou: “Queremos agora ouvir os parceiros sociais, reuni-los à volta de uma mesa negocial e devolver à concertação social uma matéria que é essencial”.

Arménio Carlos, da CGTP acusou o Governo de “fugir”, por não agendar uma reunião que permita o aumento do salárioo mínimo logo em Junho e também a UGT questionou o adiamento do assunto, reafirmando, contudo, que antes das europeias não está disponível para qualquer acordo. Do lado dos patrões, a CIP mantem a disponibilidade para discutir já este ano um novo acordo para três ou quatro anos, desde que tenha critérios objectivos e que não ponha em causa a competitividade externa das empresas portuguesas, e a CCP defende um aumento só em 2015.

Contratos colectivos em risco

Mas o assunto que deixou a CGTP fora de si foi a intenção de reduzir a vigência dos contratos colectivos, possibilidade que a UGT não comenta até conhecer uma proposta por escrito.

Actualmente, o Código do Trabalho diz que essas normas caducam cinco anos após a última publicação integral da convenção (no boletim do trabalho e do emprego), a denúncia da convenção ou apresentação de uma proposta de revisão.

No final da reunião com os parceiros sociais, o ministro não avançou com detalhes, referindo apenas que pode haver necessidade de mexer “em algumas regras que hoje existem nos contratos colectivos”. Mas o PÚBLICO apurou que uma das propostas que está a ser avaliada é reduzir dos actuais cinco anos para um prazo que oscilará entre os dois e os três anos.

Esta hipótese poderá ir em breve à Concertação Social, quando for discutida a vigência das normas das convenções colectivas (os acordos celebrados entre sindicatos e associações empresariais que estabelecem as condições de trabalho e de remuneração de um sector) que estabelecem que essa convenção só caduca quando for substituída por outra.

Para a CGTP a proposta é “a morte da contratação colectiva”, “uma declaração de guerra aos trabalhadores” e uma razão acrescida para a sua participação nas manifestações que agendou para o 1º de Maio.

No relatório da 11ª avaliação do memorando, o Governo já se comprometia a apresentar uma proposta para reduzir a caducidade dos contratos colectivos, uma medida também defendida pelos patrões. “Em relação à caducidade dos contratos, o Governo apontou essa como uma medida a ser trabalhada, mas não nos apresentou qual a redução. Será para três ou dois anos? É uma questão que teremos que quantificar”, disse António Saraiva.

Contas feitas, os patrões saíram mais satisfeitos da reunião com o Governo do que os sindicatos. É que a boa notícia do Governo não foi suficiente para ofuscar os temas que estarão em discussão nos próximos meses. Sem a presença trimestral da troika, que sai oficialmente de Portugal em meados de Maio, mas com a presença de “15 ministros que, afinal, assumem o memorando da troika como seu”, ironizou o secretário-geral da CGTP.

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