Euforia com privatização do Royal Mail atrai britânicos para venda dos CTT

Mais de 40% do capital dos correios fica nas mãos de estrangeiros, com destaque para investidores do Reino Unido, que passam a controlar 15%. Acções dos correios vão estrear-se na manhã desta quinta-feira em bolsa.

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Estreia dos CTT em bolsa está marcada para as 10h30 desta quinta-feira Miguel Manso

Mês e meio após a eufórica estreia dos correios britânicos em bolsa, os investidores do Reino Unido orientaram os radares para Portugal. É a eles que caberá mais de 15% do capital dos CTT, a larga distância dos segundos investidores internacionais com maior peso: os norte-americanos, que vão controlar 7,3% da empresa. Como era esperado, os estrangeiros aderiram em força à operação de venda em bolsa e vão ficar com mais de 40% do grupo. Os pequenos investidores, na grande maioria portugueses, escalaram para uma participação de 12,6%.

Os resultados da privatização dos CTT foram conhecidos quarta-feira, com direito ao tradicional toque do sino no edifício da praça de Lisboa. Das 105 milhões de acções dispersas no mercado de capitais, referentes a 70% do capital dos correios, 64,9 milhões ficam nas mãos de investidores estrangeiros, o que corresponde a uma participação de 43,3%. Também houve aquisições do exterior na fatia que tinha sido dedicada ao público em geral, mas foi de apenas 200 mil acções. É pelo lado dos grandes investidores que o capital estrangeiro se impôs neste negócio que permitirá ao Estado um encaixe de quase 580 milhões de euros.

Dos 84 milhões de acções destinadas a investidores institucionais, 64,7 milhões foram comprados por estrangeiros. E, destas, 22,7 milhões (representativas de 27% da oferta) foram alocados a accionistas britânicos, o que lhes dará uma participação de 15,2% no capital. Em segundo lugar surgem os Estados Unidos, com ordens de compra para 10,93 milhões de títulos, conferindo-lhes uma posição de 7,2%. E os alemães adquiriam 8,4 milhões de acções, ficando com 5,6% da empresa. Houve uma fatia de 27% da oferta destinada a grandes investidores que ficou dispersa por diferentes países, embora não tenha sido divulgado quais.

Da participação de 43,3% que ficará nas mãos de accionistas internacionais, o grande destaque vai efectivamente para o Reino Unido, curiosamente o país que optou recentemente por privatizar em bolsa a empresa estatal de correios. A venda de 60% do Royal Mail no mercado de capitais ocorreu, de forma eufórica, em meados de Outubro. A elevada procura e o facto de acções terem chegado a disparar 80% em bolsa sustentaram um coro de críticas ao Governo, relacionado com acusações de que a empresa tinha sido vendida barato.

Esta privatização foi, aliás, a grande inspiração do Governo português quando, a 10 de Outubro, optou pelo modelo de dispersão em bolsa, em detrimento de uma venda directa a investidores de referência. Já em Junho também outro país europeu, a Bélgica, tinha alienado no mercado de capitais uma participação importante da empresa de correios Bpost. Apesar de, na Europa, a maioria das empresas públicas do sector continuar nas mãos do Estado, o executivo decidiu seguir os passos dados lá fora, cumprindo uma exigência inscrita no memorando de entendimento assinado com a troika.

Olhos postos no dividendo
Na apresentação de quarta-feira, não foram divulgados detalhes sobre o perfil dos investidores que fizeram ordens de compra, mas o PÚBLICO apurou que se trata maioritariamente de fundos de investimento e de fundos de pensões muito focados nos dividendos que os CTT terão para oferecer. Recorde-se que, no prospecto da oferta pública de venda divulgado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários a 19 de Novembro, é prevista uma remuneração de 60 milhões de euros no próximo ano. Não deverá haver lugar na nova estrutura de capital dos correios aos chamados investidores de referência, como empresas do mesmo sector de actividade.

A participação de 56,7% que caberá aos portugueses também vem do lado dos investidores institucionais, que dos 84 milhões de acções dirigidas a este grupo ficaram com 19,3 milhões, representativas de 12,9% do capital (abaixo dos britânicos). O retalho contribuiu com ordens de compra de mais 20,8 milhões de títulos (18,7 milhões de pequenos investidores e 2,1 milhões dos trabalhadores), acrescendo por esta via mais uma participação de 13,8% nos CTT. Ou seja, os institucionais e o retalho garantiram, em conjunto, 26,7% da empresa. Os 30% que restam são do Estado, embora a intenção do Governo seja aliená-los a médio prazo.

Quase 25.500 pequenos investidores, aos quais tinham sido destinados 15,75 milhões de acções, foram atraídos por esta privatização e tornaram-se accionistas dos CTT, embora o rateio tivesse tornado impossível a algum deles garantir o número máximo de títulos permitido (25 mil). A maioria recebeu entre 100 e 500 acções. O facto de ter havido uma fraca adesão por parte dos trabalhadores, que tinham direito a um lote de 5,25 milhões de títulos, fez com que fosse transferida para o público em geral uma fatia do capital que pertencia aos antigos e actuais funcionários da empresa.

Foi desta maneira que os pequenos investidores escalaram para uma participação de 12,6% dos correios, quando inicialmente estava previsto ficarem com 10,5%. Já os trabalhadores passam a controlar apenas 1,4%, sendo que lhes estava destinada uma posição de 3,5%. A procura por parte destes dois segmentos de investidores superou em mais de nove vezes a oferta que lhes estava destinada, chegando a 189,8 milhões de ordens de compra, quando poderiam adquirir apenas 21 milhões.

O facto de parte da fatia que cabia aos trabalhadores ter sido transferida para o público em geral aumentou ligeiramente o encaixe que o Estado obtém com esta privatização, já que os funcionários tinham um desconto de 5% sobre o preço das acções (que foi fixado em 5,52 euros). As receitas com a venda de 70% dos CTT ascendem a quase 580 milhões de euros, sendo que, deste valor, 463,7 milhões provêm dos grandes investidores. O encaixe com a operação soma-se aos 4492 milhões arrecadados com privatizações concretizadas pelo actual Governo.

Na cerimónia de quarta-feira, o ministro da Economia afirmou que “a elevada procura externa revela uma enorme confiança no nosso mercado de capitais”, salientando o facto de se tratar de “uma operação única para um país sob assistência financeira”. Pires de Lima confirmou que o actual presidente dos CTT, Francisco Lacerda, deverá manter-se na empresa, embora tal decisão dependa de aprovação em assembleia geral.

Já Francisco Lacerda, que está no cargo desde o Verão de 2012, afirmou que a operação “revela que os CTT são um activo interessante e que há vontade de investir em Portugal”. Em entrevista ao PÚBLICO, disse que o capital estrangeiro “é bem-vindo” à empresa (ver texto ao lado).

A liquidação física de acções acontecerá nesta quinta-feira, dia em que está marcada também a estreia em bolsa dos CTT. As acções da empresa começam a negociar-se às 10h30, já que haverá um momento de pré-abertura de mercado entre as 7h15 e essa hora. Confirmada a investida dos britânicos nesta operação, falta agora saber se o comportamento dos correios nacionais em bolsa vai copiar a euforia protagonizada pelo Royal Mail.
 

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