Investidores ficam com 100% da TAP se cumprirem plano estratégico e financeiro

Governo relança privatização com alienação de 66%, mas objectivo é retirar Estado do capital. Processo avança a menos de um ano das legislativas, sem garantias políticas para os investidores.

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Paralisação é contra projecto do "Céu Único Europeu" Nelson Garrido

Prestes a fazer dois anos do fracasso da privatização da TAP, com a rejeição da oferta de Gérman Efromovich, o Governo entra no segundo round, esperando concluir o processo até ao início do segundo trimestre de 2015. Mas, desta vez, avança com mais cautelas, optando por um modelo que, numa primeira fase, mantém o Estado como accionista. O processo arrancará com a alienação de 66% do grupo, podendo os restantes 34% ser vendidos se o investidor privado cumprir algumas exigências.

Tal como o PÚBLICO noticiou em Outubro, o Governo decidiu alienar, numa primeira fase, 66% da empresa (61% através de venda directa a um ou mais investidores e 5% aos trabalhadores). Este modelo foi a solução encontrada para gerar consenso entre a ala do executivo que defendia a venda de uma posição minoritária e a que preferia uma privatização total. Mas esse objectivo mantém-se, embora a médio prazo, visto que o restante capital poderá ser alienado nos dois anos seguintes à assinatura do contrato de venda, sem que exista um período mínimo em que o Estado é obrigado a ficar na empresa. A decisão ficará condicionada ao cumprimento de obrigações por parte do investidor privado.

Ao que o PÚBLICO apurou, as obrigações que o acionista privado terá de respeitar para ficar com 100% da transportadora aérea vão estar relacionadas com o cumprimento do caderno de encargos, nomeadamente do plano estratégico e de capitalização financeira do grupo. Outros requisitos que terão de ser alcançados dizem respeito, por exemplo, à manutenção do hub [placa giratória] de Lisboa e da TAP como companhia nacional de bandeira. O Governo não descarta, porém, a possibilidade de os candidatos apresentarem logo uma proposta pela totalidade do capital.

O modelo escolhido, que representa um meio-termo entre as visões divergentes que existiam dentro do executivo, deixa, porém, muitas incertezas, já que os potenciais compradores se arriscam a mudar de interlocutor daqui a menos de um ano, por causa das próximas eleições legislativas. Essa possibilidade terá um peso importante na balança dos investidores, quando tiverem de decidir se concorrem à TAP. Recorde-se que o PS defende que o Estado deve manter o controlo da empresa.

Propostas até Abril
Por estas razões de natureza política, o Governo estava sob pressão para relançar a venda e tinha inicialmente fixado como prazo para tal acontecer o mês de Setembro, com o objectivo de a concluir até ao final de 2014. Mas o calendário acabou por resvalar. O executivo pretende que, no limite, o processo esteja concluído até ao final do primeiro semestre. Para que tal aconteça é preciso que os investidores apresentem uma oferta vinculativa até Abril. O PÚBLICO apurou que só deverá haver lugar a esta fase, não estando em cima da mesa a possibilidade de apresentação de propostas preliminares.

O próximo passo do Governo será aguardar que o Presidente da República promulgue o diploma que relança a privatização, sendo que Cavaco Silva tem 40 dias para o fazer. O executivo fechará, entretanto, o caderno de encargos e iniciará contactos mais aprofundados com os potenciais candidatos.

Nesta quinta-feira confirmou-se ainda que a privatização vai englobar todo o grupo TAP e não apenas o negócio da aviação, o que significa que foram incluídas a deficitária empresa de manutenção no Brasil, as Lojas Francas, a participação de 49,9% que a transportadora aérea detém na operadora de handling Groundforce e outras actividades complementares, como a empresa de catering. O principal objectivo desta privatização é injectar dinheiro fresco no grupo, visto que o Estado está impedido de o fazer, por regras comunitárias.

O encaixe para o Estado será residual, tendo o Governo admitido nesta quinta-feira que, dos critérios para a escolha do comprador, o valor oferecido será o menos relevante. Na avaliação das propostas, será dada mais importância à preservação do valor estratégico da companhia, à manutenção das ligações a destinos com forte presença de comunidades portuguesas e às perspectivas de crescimento da TAP.

Além da falta de consenso relativamente à fatia de capital a vender, o adiamento da decisão do Governo também esteve relacionada com facto de sentir que não há margem, a nível político e também da sustentabilidade da TAP, para um novo fracasso neste dossier, que faz parte do programa de privatizações acordado com a troika. E, por isso, era necessário assegurar um ambiente competitivo, com vários investidores dispostos a entrar na corrida. Foi, aliás, esta necessidade que levou o executivo a pedir aos potenciais compradores que manifestassem, por escrito, o interesse na transportadora aérea.

Investidores aplaudem decisão
Quatro grupos de investidores responderam ao apelo: o consórcio liderado pelo empresário português Miguel Pais do Amaral e pelo antigo dono e presidente da Continental Airlines, Frank Lorenzo, que conta também com a participação do grupo nacional de transportes Barraqueiro; a Globalia, que detém a companhia de aviação espanhola Air Europa; a transportadora aérea brasileira Azul; e Gérman Efromovich, o milionário colombo-brasileiro, dono da Avianca, que viu a sua proposta de compra ser rejeitada em 2012.

Nesta quinta-feira, em reacção à decisão do Governo, a Globalia considerou-a “positiva”, afirmando que o modelo escolhido é atractivo, “uma vez que pode implicar o controlo total do capital” da TAP e, por isso, “é menos restritivo do que outros cenários” que tinham sido de debatidos. “Mantemos o interesse, mas agora é necessário analisar melhor as condições, os detalhes e os números. Aplaudimos a decisão”, disse fonte oficial do grupo espanhol. Já Pais do Amaral afirmou à Lusa que vai “analisar com os investidores e com o consórcio [o modelo de privatização]”, já que a proposta apresentada inicialmente era sobre 100% da TAP. Será feita uma avaliação “para ver se o modelo de dois terços nos convém”, referiu.

O Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos criticou a decisão, afirmando que reflecte uma “atitude bárbara”. A posição não é, no entanto, partilhada por todos os trabalhadores, visto que, com a passagem para as mãos de privados, deixam de estar sujeitos às regras contidas no Orçamento do Estado, nomeadamente os cortes salariais aplicados aos funcionários públicos. Recorde-se que, desde 2011, ano em que foi introduzida esta medida, a TAP tem usufruído de um regime de excepção às reduções remuneratórias.

A venda da TAP é o calcanhar de Aquiles do programa de privatizações do actual Governo, que superou as expectativas da troika, tendo gerado, até agora, um encaixe superior a 9000 milhões de euros. A primeira tentativa de alienação da companhia arrancou no final de 2012, mas Gérman Efromovich era o único candidato e a sua oferta acabou por ser rejeitada, pelo facto de não ter apresentado suficientes garantias financeiras.

O Governo retoma o processo numa altura em que a transportadora aérea acaba de sair de um Verão agitado, em que registou sucessivos cancelamentos e problemas técnicos. A empresa está, ainda, envolvida num braço-de-ferro com os tripulantes, que marcaram uma greve de quatro dias que ainda decorrerá a 30 de Novembro e 2 de Dezembro. No entanto, a TAP está hoje em melhores condições financeiras do que encontrava em 2012.

Apesar de os resultados continuarem negativos, o grupo reduziu os prejuízos semestrais para 83,4 milhões de euros este ano, o que compara com os 136,6 milhões dos primeiros seis meses de 2013. A dívida tem vindo a diminuir, situando-se neste momento em 1000 milhões de euros, e as receitas a aumentar, fruto da subida do tráfego. Por outro lado, o negócio de manutenção no Brasil, que tem penalizado as contas da TAP, está a ter melhorias, tanto ao nível do resultado operacional, como da redução das dívidas fiscais e laborais.

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