Bancos, solução ou problema?

As sessões públicas da Assembleia da República e o discurso político em geral não deveriam ser objecto de entretenimento. Têm o seu papel estabelecido, uma montanha de assuntos de interesse que poderiam tratar para a construção de um país melhor mas cismam em restringir a sua actividade em confrontos mais ou menos exagerados, muitas das vezes escolhendo as maiores barbaridades como armas, em nome de uma convicção ideológica que mais parece a construção de um protagonismo que os últimos resultados eleitorais não lhe concederam mas que eles insistem em proclamar como representativos da parte mais esclarecida ou inteligente da população.

Tudo isto seria caricato se não estivéssemos a falar do grupo de pessoas que define a maioria da legislação que nos rege. Entre estas calorosas discussões, os bancos, ou o sistema financeiro em geral, é muitas vezes apontado como o mau exemplo do que a política permite, um autêntico bando de malfeitores, com a carga mais negativa de um grupo de agiotas institucionalmente autorizados a valerem-se de um poder estranho que lhes permite realizar fortunas à custa do Estado e de todos os demais que utilizam os seus serviços.

Como declaração de interesse, confirmo que gosto dos bancos e partilho da opinião que os seus serviços permitem uma eficiência na economia em geral que não entendo como se obteria com um sistema alternativo.

Os bancos não se distinguem assim tanto das restantes empresas. Para se constituírem precisam obedecer a certas regras, bem explícitas no Banco de Portugal, e é verdade que a instrução do processo de constituição requer algum cuidado de forma a obter em tempo útil as devidas autorizações mas, pelo que vejo, será bem mais difícil abrir uma farmácia e não me parece mais complexo que montar um restaurante com o devido licenciamento ou uma outra qualquer empresa num outro ramo de atividade.

Claro que normalmente têm alguma dimensão e o seu capital é distribuído por um grande número de accionistas e por isso também têm os mesmos problemas que as outras grandes empresas, nomeadamente a necessidade de gerir com cautela os conflitos de interesses entre os gestores e os accionistas. Evidentemente que a economia em geral e a própria vida do país é sensível à sua actividade, pelo que existe uma supervisão mais apertada que na generalidade das empresas assim como um cuidado especial na concentração do mercado realizada pela autoridade da concorrência.

Mas voltemos aos disparates que se ouve de tanta gente e em particular dos políticos que mereciam outro conhecimento sobre o assunto. Os interesses do grande capital, os juros que a troika cobra a perto de 5% ao Estado enquanto que o BCE cobra menos que 1% aos bancos, a actividade económica que não é financiada e por isso impede o investimento, os juros que chegam a ser negativos na Alemanha e que são extorsionários em Portugal, as empresas asfixiadas numa tesouraria que os bancos não apoiam são alguns exemplos que considero um absurdo de quem prefere um discurso fácil ou nem pensa no que diz.

Os bancos, num modelo que podemos chamar de europeu, são instituições de crédito, pedem dinheiro emprestado através, por exemplo, dos depósitos, de obrigações, de outros bancos, dos Bancos Centrais e emprestam aos seus clientes. O juro cobrado nos empréstimos depende do tempo e da probabilidade do devedor não ter condições de vir a repor o que pediu emprestado. Qual é o espanto para um país como a Alemanha ter um juro mais baixo que Portugal? Não tem menor risco de incumprimento?

Mistura-se tudo isto com a austeridade que nos tem sido imposta. Já nos roubam nos ordenados e nas pensões, pagamos mais de juros que o que gastamos neste e naquele ministério, este caminho não nos leva a lado nenhum e estaremos sempre pior. Só ganham os senhores do capital. Haja paciência! Claro que Portugal pode deixar de pagar os juros e até os empréstimos, não consigo opinar sobre o curso das negociações que vão existindo sempre com os credores, mas sei que são feitas por essa gente escolhida por quem foi eleito para o efeito. Evidentemente que qualquer credor exige determinadas medidas como garantia, as revisões regulares que vamos tendo, que nos custam uma fortuna, não são mais que isso, mas esta boa gente e, se quisermos, esta Europa foram os que nos resolveram o problema com um juro razoável, não porque 5% seja pouco em termos absolutos, longe disso, mas porque a alternativa no mercado era cerca do dobro.

Entendo a bondade da opinião dos políticos que dizem:  "vamos mandar esta gente às urtigas, vamos pagar só 2% de juros e a um prazo a perder de vista e assim escusamos de roubar os que trabalham e podemos investir para um crescimento sustentável da economia". É que dizer uma coisa destas a um credor é um convite para não nos emprestar mais e claro que continuamos com solução - ligamos novamente as rotativas que nos faziam os escudos e assim vamos fabricando moeda à medida das necessidades. Era no fundo voltarmos ao tempo que controlávamos a política monetária, aquele tempo em que a nossa moeda só tinha um caminho, o da desvalorização sistemática face às restantes moedas. De facto nunca fomos bons a exercer esse poder que tínhamos antes de integrar o Euro, agora seria bem pior, ninguém acredita que a desvalorização de uma moeda própria, nas condições actuais, pudesse ser inferior a 50%. Credo, prefiro que me roubem aos poucos, não porque isso me garanta que o problema se venha a resolver, mas pelo menos existe uma maior probabilidade.

Essa gente que fala dos interesses instalados relacionados com o sector financeiro tem razão em muita coisa, são lucros fabulosos, são ex-administradores a ganharem uma fortuna, é o Berlusconi a ser substituído por quem nunca militou na política mas que foi conselheiro de um grande banco internacional, é o presidente do BCE que teve origem no mesmo Banco e poderia estender-me a muitos e muitos outros exemplos que no mínimo sugerem um caminho que a poucos interessa. Mas se tudo isto é verdade, mesmo assim revela alguma falta de capacidade dos banqueiros e dos gestores bancários do nosso tempo. Éque reparem que o pobre coitado, especulador no mau sentido para alguns, que há 4 anos aplicou o seu pecúlio financeiro em acções dos bancos, está hoje provavelmente a perder cerca de 80% do seu investimento. Tomara ele que lhe tivessem roubado um bocadinho menos.

É claro que não se trata de roubos, nem dos ordenados nem dos que investem nos bancos ou outras empresas. A Europa poderá vir a ter que tomar medidas bem mais dramáticas que as que tem seguido. Na minha opinião, se continuar a existir a falta de capacidade de quem nos governa, a perda de autonomia será uma consequência natural mas também é certo que não vamos ter de inventar nada, vamos reler o que Roosevelt fez há quase 100 anos, adaptamos um pouco aos dias de hoje e vamos fazer igual.

Os bancos, nacionalizados ou não, num modelo mais europeu ou mais americano, vão continuar a existir, a servir de motor às economias e a dar dinheiro aos que o souberem gerir e aos que os souberem utilizar.

 

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