É o racismo e é a aporofobia
As pessoas atacadas no Porto não foram atacadas apenas por serem imigrantes: foram atacadas por serem imigrantes e por serem pobres.
A forma como os direitos humanos têm vindo a ser postos em causa nos últimos tempos é triste e é revoltante. Vemos isto a acontecer noutras partes do mundo, vemos isto a acontecer no nosso país e, mais tarde ou mais cedo, vemos isto a acontecer a uns minutos de casa. As motivações destes crimes são sempre discriminatórias: quem só reconhece o direito de existir às pessoas que se parecem consigo – comportamental ou fisicamente – sente-se facilmente ameaçado por tudo o que seja diferente. Isto aplica-se a imensas realidades, mas a que tem estado na ordem do dia – sempre pelos piores motivos – é a discriminação racial e xenófoba.
Sobre isso, muito tem sido dito e, pelo menos no plano conceptual, toda a gente parece estar de acordo na condenação de actos de violência como os ocorridos no Porto há uns dias (se essa condenação é consequente ou se é um gesto vazio é toda uma outra discussão). Do que tenho sentido falta, porque não está integrada da mesma forma no discurso público, é da dimensão aporofóbica subjacente a esta violência. “Aporofobia” – termo cunhado pela filósofa Adela Cortina – designa a repulsa pela pessoa pobre, o preconceito relativamente à pessoa sem recursos.
Isto é relevante porque as pessoas atacadas no Bonfim não foram atacadas apenas por serem imigrantes: foram atacadas por serem imigrantes e por serem pobres. Estivessem estes imigrantes no Porto a gerir um hotel de luxo, ninguém teria qualquer problema com a sua nacionalidade, a sua religião, a cor da sua pele (ou com o que quer que fosse, na verdade – nada limpa a alma como o capital). Essas pessoas não são sequer designadas por “imigrantes”: são “investidores” e não importa de onde vêm.
Naturalmente, imigrantes com capital não se vêem envolvidos em situações como assaltos. Tal como pessoas portuguesas com capital não se vêem envolvidas em situações como assaltos. O que leva alguém a roubar – falando desta escala, de pequenos assaltos – é, como é óbvio, a falta de recursos. E essa razão é a mesma para todos os assaltantes, sejam portugueses ou imigrantes. Mas convém manter presente que as pessoas imigrantes (estas pessoas imigrantes) lidam com circunstâncias de fragilidade social e económica muito mais acentuadas do que as pessoas nascidas em Portugal, precisamente pelo facto de serem imigrantes – o racismo e a xenofobia entram em cena. Mas elas roubam como roubaria eu se estivesse nas mesmas circunstâncias, não roubam por serem imigrantes.
É por demais evidente que nem todas as pessoas imigrantes são criminosas, porque são as circunstâncias e não a sua proveniência que determina essa necessidade. A indisponibilidade para aceitar estas pessoas como iguais não está, portanto, apenas no facto de não serem portuguesas, está no facto de acumularem estes dois factores de exclusão: são imigrantes e são pobres.
Estamos preparados para aceitar pessoas pobres nacionais, mesmo que isso as leve a assaltos – já fui várias vezes assaltado no Porto, sempre por portugueses, e isso nunca gerou nenhuma espécie de revolta popular – e estamos preparados para acolher de braços abertos investidores estrangeiros, de onde quer que possam vir. Mas aceitar imigrantes pobres parece ser um pedido a que nós, colectivamente, não estamos preparados para aceder.
Esta realidade reforça a necessidade de união em torno do que temos em comum – já que a humanidade partilhada parece não ser suficiente – e do que desejamos para as nossas comunidades. Não importa em que território administrativo calhou termos nascido, não importa a língua, não importa a orientação sexual, a identidade de género, a religião que praticamos ou quanto dinheiro temos. Importa o que queremos fazer em conjunto e importa a nossa responsabilidade individual e colectiva perante o bem comum. Sejamos, por isso, consequentes nos nossos princípios: façamos a necessária revisão aos nossos comportamentos quotidianos e exijamos às pessoas a quem atribuímos poderes de decisão colectiva que façam o mesmo.