Atraso do fisco deixa 85 mil multas por cobrar nos transportes públicos

Ministério das Finanças garante que sistema de cobrança já está pronto.

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CP foi a empresa que emitiu mais coimas em 2014, num total de 34.660 Nelson Garrido

Há precisamente um ano e um mês que as empresas públicas de transportes aguardam que a administração fiscal arranque com o sistema de cobrança de multas prometido pelo Governo. O atraso do fisco deixou quase 85 mil coimas por cobrar em 2014, sem que se saiba quando estará operacional o novo modelo. Apesar de algumas transportadoras estarem a aceitar o pagamento voluntário, a adesão dos passageiros é muito residual. E, por isso, o valor por recuperar ultrapassa já os dez milhões de euros.

A medida, inscrita no Orçamento do Estado para 2014, foi encarada como uma tentativa para reduzir a fraude nos transportes públicos, que o Executivo sempre apontou como uma das causas para a fuga de passageiros. Mas, apesar das intenções iniciais, a ideia não saiu do papel e, neste momento, não há qualquer punição para os infractores. As multas cobradas pelo fisco só prescrevem ao fim de cinco anos, mas o efeito dissuasor que o Governo pretendia caiu por terra.

Dados cedidos ao PÚBLICO pelas transportadoras do Estado mostram que, em 2014, foram registados quase 85 mil autos de notícia, que as empresas estão a guardar, em papel, até que o novo sistema de cobrança veja a luz do dia. A maioria das multas foi passada na CP, superando as 34.600 entre Janeiro e Dezembro. “Das coimas emitidas, 90% referem-se aos Urbanos de Lisboa, 6% aos serviços de Longo Curso/Regional e 4% aos Urbanos do Porto”, explicou a transportadora ferroviária.

Na Carris foram passadas 18.236 multas e, na Metro de Lisboa, outras 11.796. A Transtejo, que agora também faz parte do grupo que integra as duas primeiras transportadoras públicas de Lisboa, registou apenas 155 autos de notícia. Nestas três empresas, houve uma ligeira redução das coimas emitidas. No global, a queda foi de 6,9%, o que não pode ser dissociado do facto de o número de fiscalizações ter diminuído.

Já na Metro do Porto e na STCP, as transportadoras públicas do Porto que também foram fundidas operacionalmente em 2012, o número de multas rondará as 20 mil, apurou o PÚBLICO, já que as empresas não responderam às questões enviadas.

Os dados enviados pela CP, Metro de Lisboa, Carris e Transtejo mostram que as coimas emitidas por estas quatro empresas representam 10,7 milhões de euros, mas o valor global por recuperar será substancialmente maior, tendo em conta que não existe informação relativa às transportadoras públicas do Porto. Uma vez que é também a que mais autos de notícia registou, o montante mais elevado cabe à CP, num total de 5,6 milhões de euros em 2014.

Ainda há margem para cobrar estas multas, fruto do alargado prazo de prescrição das execuções fiscais, e também há alguns passageiros que têm optado por pagá-las voluntariamente. Apesar de, com o Orçamento do Estado para 2014, o Governo ter alterado a lei e proibido o pagamento voluntário, a Metro de Lisboa, a Carris e a Transtejo assumem que não fecharam totalmente essa porta. “As empresas estão a aceitar o valor das coimas a título de depósito de quem pretenda efectuar voluntariamente esse pagamento”, responderam.

De qualquer forma, o número de passageiros que decide pagar logo as multas é muito residual. Na Carris, por exemplo, no universo de 18.236 coimas emitidas, foram registados apenas 981 pagamentos voluntários. E, na Metro de Lisboa, foram pagas 1620 do total de 11.796. Questionadas sobre se tiveram autorização para aceitar este método de pagamento, estas transportadoras (incluindo a Transtejo) responderam que "este procedimento existe porque as três empresas entenderam não dever recusar a aceitação do pagamento que, voluntariamente, alguns passageiros infractores pretendiam efectuar". E acrescentaram que "os valores recolhidos não foram contabilizados nas receitas das empresas e encontram-se reservados para entrega ao Estado, havendo um registo auto a auto e todo o valor recolhido", sublinhando que "logo que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tiver condições de dar cumprimento ao determinado por lei, o valor será entregue na sua totalidade”.

Já sobre o atraso do novo sistema de cobrança, nenhuma das transportadoras públicas contactadas quis comentar, remetendo esclarecimentos para a AT.

O Ministério das Finanças, que tutela esta estrutura, reagiu nesta terça-feira à notícia do PÚBLICO, com um esclarecimento em que refere "nos termos da lei, as empresas de transporte são as entidades que têm a competência exclusiva para a cobrança voluntária dos títulos de transporte e a instauração dos respectivos processos de contra-ordenação e de cobrança de multas".

O ministério referiu ainda que "apenas nos casos em que os títulos de transporte e as respectivas coimas não sejam pagas voluntariamente pelos infractores dentro dos prazos previstos na lei, depois de serem devidamente notificados por aquelas empresas, é que os processos deverão ser transmitidos pelas empresas ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), que tem competência para os centralizar e os encaminhar para a AT", de forma a que esta "possa avançar com a cobrança coerciva dos montantes em falta".

Apesar de a tutela fazer referência à possibilidade de pagamentos voluntários, o tema continua por clarificar. Nas transportadoras públicas, as alterações à lei introduzidas com o Orçamento do Estado para 2014, foram interpretadas de outra forma, tendo estas posto de lado essa alternativa. Só o atraso do novo sistema fez com que a recuperassem. 

O atraso que se verifica na cobrança das multas nos transportes pela administração fiscal não é caso único. Também desde Junho de 2012 que está previsto que o fisco faça a cobrança das taxas moderadoras, mas o sistema continua parado. Já nas portagens, a operacionalização foi muito mais célere, estando a funcionar desde Janeiro de 2013.

No caso dos transportes, o atraso parece estar relacionado com problemas informáticos. Ou melhor, com a incompatibilidade entre o sistema da AT e os das empresas, que antes contavam com o Instituto da Mobilidade e dos Transportes para fazer a cobrança das multas, embora o método não fosse totalmente rápido e eficaz.

Em Setembro do ano passado, o Ministério das Finanças garantia que “o sistema que tramita as contra-ordenações na AT está apto”, explicando que, “para que nele possam ser instaurados os processos de contra-ordenação por falta de pagamento de títulos de transporte, é necessário que as entidades competentes efectuem ajustamentos a montante, que alteram os procedimentos dessas entidades”. Mas, até agora, continua por concretizar.

No esclarecimento enviado nesta terça-feira, o ministério veio garantir que "o sistema informático da AT já está finalizado e preparado para a cobrança coerciva das multas referentes ao não pagamento dos títulos de transporte", adiantando que a administração fiscal "apenas aguarda que o IMT conclua o desenvolvimento do respectivo webservice, que será responsável pela centralização de todos os processos recebidos das empresas de transporte, para que essa informação possa ser devidamente transmitida à AT e possam ser desencadeados os respectivos processos de cobrança coerciva".

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