Zaha Hadid recebeu um prémio para edifício “sexy como a saia levantada de Marilyn” ou para um cenário de exploração?

Design of the Year de 2014 foi para o centro cultural Heydar Aliyev Center, no Azerbaijão, rodeado de críticas sobre despejos forçados e trabalho escravo.

Zaha Hadid
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Zaha Hadid ALBERTO PIZZOLI/afp
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O centro cultural HELENE BINET
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O centro cultural HELENE BINET

É o primeiro prémio Design of the Year atribuído a uma mulher, à arquitecta Zaha Hadid, mas é também um dos mais polémicos projectos da estrela iraquiano-britânica e do galardão: o Heydar Aliyev Center foi distinguido pelo painel de jurados do Museu de Design de Londres, mas também alvo de críticas desde a sua implantação em Baku, no Azerbaijão, por ter originado despejos forçados em massa e por ser dedicado a uma figura fracturante. “Sexy como a saia levantada de Marilyn” ou um retrato do “dilema moral dos arquitectos”?

O sétimo Design of the Year foi anunciado na segunda-feira à noite, seguindo-se à eleição dos finalistas por categoria dos prémios: o projecto do atelier de Hadid era o finalista na secção de arquitectura, acompanhado pelo kit de exame oftalmológico Peek (categoria Digital), pela colecção Primavera/Verão de 2014 da Prada (Moda), pela cadeira Pro Chair, de Konstantin Grcic (Mobiliário), pelo projecto Drone Shadows (Gráfico), pelo piano flexível e activado por gestos Seabord Grand (Produto) e pelo XL1, da Volkswagen (Transportes).

Hadid, que se tornou assim na primeira mulher a receber o galardão, mostrou-se “absolutamente encantada” pela distinção e descreve o seu próprio projecto para o centro cultural, lembrando que as curvas que são o seu traço existem na superfície da praça exterior do centro e se dobram para “definir uma sequência de espaços públicos para acontecimentos no seu interior, dando as boas-vindas, acolhendo e dirigindo os visitantes através do edifício". "É uma paisagem arquitectónica onde os conceitos de fluxo espacial sem costuras se tornam reais — criando todo um novo tipo de espaço cívico para a cidade.”

Os direitos civis e humanos são um tema que rodeia o projecto há mais de dois anos — foi terminado em 2012 —, sobretudo pelo facto de a sua implantação na capital do país ter sido conseguida através de despejos forçados e ilegais de cerca de 250 casas, como denunciou a Human Rights Watch. Surgiram também relatos de que a mão-de-obra envolvida no projecto poderá ter sido resultado de redes de tráfico humano. Há também a carga do nome que baptiza o centro cultural, o do pai do actual Presidente do país. Heydar Aliyev — e as suas ligações ao regime soviético e à corrupção antes de chegar à presidência no Azerbaijão (1993-2003) — é um nome que divide os cidadãos do país, especialmente à sombra do actual regime, acusado de corrupção e falta de transparência. Segundo o Financial Times, Hadid disse que projectou o edifício para a comunidade e não para os seus líderes. O mesmo jornal escreve agora que este é um prémio que “expõe o dilema moral dos arquitectos” e a sua responsabilidade ao trabalharem para “regimes autoritários”.

Ao Independent, o editor do Architects’ Journal, Rory Olcayto, admite a beleza do edifício como exemplo da arquitectura contemporânea, “mas parece estranho que o Design Museum celebre um edifício que honra um antigo ditador do KGB”. O Twitter serviu também como janela para as críticas e estranheza de alguns dos pares de Zaha Hadid, como Russell Curtis, vencedor do prémio de arquitecto emergente de 2014 atribuído pelo Royal Institute of British Architects, que escreveu ser “ingénuo acreditar que arquitectura e política são mutuamente exclusivos”. As curvas e ondas brancas que Hadid implantou em Baku são, segundo o crítico de arquitectura e design do Guardian Oliver Wainwright, “até aqui a mais completa realização da visão” de Zaha Hadid sobre o espaço fluido, mas o mesmo crítico não deixou de associar no Twitter esta vitória ao “apoio de despejos forçados, demolições ilegais e trabalhos forçados”.

“É belo, é inspirador, é a visão clara de um génio singular”, diz, por seu turno, o presidente do júri dos Designs of the Year, Ekow Eshun. E, indiferente aos abalos causados pela forma como o regime do país criou condições para o nascimento do centro cultural agora premiado, uma das juradas, Kim Colin, diz mesmo sobre a decisão que “um grande arquitecto precisa de um grande cliente, de tecnologia, do público, da paisagem e da altura certa". "O júri sentiu que, para o atelier de Zaha, este é um momento de clímax no seu portefólio, um sinal de maturidade internacional.” A decisão, precisa ainda, foi unânime e o Guardian revela que apenas um dos membros do júri viu de facto a obra pessoalmente e no local — e esse jurado, o arquitecto Piers Gough, descreve-o como “tão puro e sexy quanto a saia levantada de Marilyn”.

Este foi também o primeiro projecto de arquitectura a receber a distinção do museu londrino, que no passado premiou lâmpadas, a tocha olímpica, o cartaz alusivo à primeira campanha presidencial de Barack Obama desenhado por Shepard Fairey ou o site remodelado do Governo britânico. Quanto a Hadid, foi também a primeira mulher a receber o prestigiado Prémio Pritzker de arquitectura, em 2004.

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