Roger Waters no Rock In Rio: Veterano excelentíssimo

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Roger Waterd dedicou metade do concerto a "Dark Side of the Moon" DR

Perto de 70 mil pessoas testemunharam aquele que foi não só um dos melhores concertos que já tiveram lugar no Rock In Rio, como um dos melhores do ano. Se, há dois anos, Peter Gabriel deixou na memória um espectáculo memorável, nesta edição houve outro veterano, também de uma banda mítica e extinta, a deixar uma recordação que tão cedo não se apagará da retina: Roger Waters.

O baixista dos Pink Floyd fechou a primeira noite desta segunda ronda do Rock In Rio com um momento de música-imagem irrepreensível e, por isso, mobilizador de cada par de olhos e ouvidos da Bela Vista. O concerto teve duas partes, com direito a intervalo. Na primeira, Roger Waters apresentou uma mistura de canções da sua carreira a solo (como "Perfect sense" ou "Leaving Beirut") e dos Pink Floyd (como "Another brick in the wall", "Shine on you crazy diamond", "Have a cigar" ou "Wish you were here"). A segunda foi dedicada ao seminal "Dark Side of the Moon", da banda britânica.

Os ouvidos da plateia deliciaram-se. Apesar de Waters não cantar boa parte das músicas, tem à sua volta excelentes músicos - com destaque para o saxofonista, as vozes negras femininas e, passe a heresia (não há como comparar a David Gilmour), o guitarrista. A seu favor, Waters tem também o carisma, o "savoir faire", a simpatia contida e, claro, a imensa história que construíu na primeira pessoa, ao lado de uma das mais importantes bandas de sempre. Mais: não limita a inovação à memória daquilo em que já foi pioneiro e aposta em novas formas de tornar a música ainda mais apelativa - como se tal fosse necessário - , tocando, por exemplo, com um sistema de som "surround" que coloca a plateia no centro da música, para numas vezes a abraçar e, noutras, a fazer estremecer. Isto sem falar da excelência desse sistema, em que o lugar principal é dado à definição de todos os pormenores.

O concerto foi também uma delícia para os olhos. Lá esteve a familiar tela redonda, com a Lua a observar o mar de gente. Lá estiveram também os vídeos, usados para mensagens políticas ou para ilustrações com possíveis efeitos subliminares. E também lá estiveram as imagens psicadélicas, hipnóticas, potencialmente psicotrópicas. Resumindo, um grande espectáculo.

O mesmo não aconteceu com outro veterano da noite: Santana. O mago mexicano da guitarra aproveitou para conversar mais um pouco com o instrumento. O problema é que essas conversas duram mais que o desejável. Os temas prolongam-se em solos intermináveis. E mais solos. E ainda mais solos. Tão longe dos solos de guitarra ou trompete da banda de Roger Waters. Num concerto de Santana, o propósito parece ser, mais do que servir a música, servir o músico. Mas não é isso mesmo que se espera de um concerto seu? Foi mais do que competente. E foi agitador quanto baste. A pop foi a banhos de ritmos latinos e criou uma gigantesca atmosfera de baile de rua, com toda a gente a dançar ao som de temas como "Smooth", "Samba pa ti", "Corazón Espinado" ou "Maria Maria".

Menos tempo de actuação teve Rui Veloso, que viu o seu "Lado Lunar", guardado para o fim, riscado do alinhamento por atrasos nos horários. O brilhante lado negro da Lua acabaria por surgir mais tarde, mas não sem eclipsar a recordação de mais uma conquistadora prestação do padrinho do Rock In Rio. Outra coisa não seria de esperar, quando as mãos do veterano português (25 anos de carreira) estão cheias de músicas como "Chico Fininho", "Porto sentido", "Todo o tempo do mundo", "Não invoquem o amor em vão", "Paixão" ou, no final, "Não há estrelas no céu", em comunhão total.

Comunhão não é palavra que se aplique à banda que abriu o Palco Mundo, a não ser que nos refiramos apenas à relação com os muitos brasileiros presentes no festival (de número quase igual às roupas e bandeiras verdes e amarelas). Para a maioria, os Jota Quest terão sido apenas mais uma banda. É pena, porque são um nome vital do pop/rock brasileiro. Mas isto é Lisboa e não se vislumbra uma comunidade de fãs que justifique a escolha dos Jota Quest para a abertura do palco principal.

Bem mais interessante era a actividade no Hot Stage, esse tal palco secundário que teima em não explicar qual é o conceito que o anima. De Hot, só tem o nome e o facto de ser usado à tarde, quando o calor mais aperta. Ontem, passaram por lá os portugueses Hands On Approach, o brasileiro Zé Ricardo e os britânicos Starsailor. Estes, mais habituados a serem cabeças-de-cartaz noutras festividades, tiveram uma assistência de algumas dezenas de pessoas. Mas essa assistência foi crescendo e tomando a iniciativa de se aproximar mais e mais do palco. Longe de cruzarem os braços perante a escassez de público, abraçaram essas dezenas como se fossem milhares e fizeram brilhar a veia ora melancólica, ora "rocker", ora "shoegazer" do seu brit-pop-indie, em temas como "Alcoholic", "Fever", "Good souls" ou "Silence is easy".

O Rock In Rio continua hoje com os Red Hot Chili Peppers no papel principal. Pelo Palco Mundo passam também os portugueses Da Weasel, os britânicos Kasabian e os cubanos Orishas. O palco Hot Stage está entregue aos Fonzie, a Sandra de Sá e aos Tara Perdida. A pista de dança será toda do rock e dos cruzamentos a que ele se prestar, com Zig Zag Warriors (Zé Pedro e Miguel Quintão), DJ Kitten (líder dos X-Wife), DJ Headman (estrela suíça das noites berlinenses) e de um duo-sensação belga que assume duas personalidades: incendiários das pistas de dança como 2 Many DJ, rockers em palco como Soulwax.

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