Quando o design corre mal

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A Nike teve de retirar do mercado um modelo cujo logótipo se assemelhava à palavra "Alá" Reuters

Recentemente, umas sapatilhas assinadas por Jeremy Scott geraram polémica, mas este foi apenas um dos exemplos. Revemos seis casos em que o design simplesmente correu mal ou foi longe demais.

Bruce Mau, designer canadiano, considera que o design só é notado quando corre mal. O austríaco Stefan Sagmeister, um dos gurus mundiais do design gráfico, diz ao PÚBLICO que, na maioria das vezes, “estas situações ocorrem por estupidez, pois todos somos estúpidos”. Para Frederico Duarte, professor na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha e na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, “o design deve pensar alto, mas ter os pés no chão”, pois é importante que as pessoas possam usar os produtos criados.

Por vezes, algumas soluções criam polémica e tornam-se problemas que os produtos acabam por ser retirados do mercado. Outros não passam de boas ideias, fabricadas mas sem aplicação prática. Mudanças repentinas de logótipos, tipos de letra de difícil compreensão, cores com segundas associações, ideias demasiado radicais, são casos em que o design gera debate.

1. As sapatilhas que fizeram lembrar a escravatura

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Imagem: Adidas


Em Junho de 2012, um modelo de sapatilhas Adidas com grilhetas e correntes de plástico cor-de-laranja para prender aos tornozelos foram associadas à escravatura. Houve consumidores a pedir, sobretudo através das redes sociais, o boicote das “Roundhouse Mid Handcuff” desenhadas por Jeremy Scott. A marca começou por defender o designer, dizendo que este se inspirou num desenho animado e não nos tempos de escravatura, mas, à medida que a polémica se intensificou, a Adidas optou por retirá-las do mercado.

2. Quando “Air” se lê “Alá”Imagem design

Imagem: Reuters


Mais de uma década antes do episódio da Adidas, a multinacional Nike foi também obrigada a retirar do mercado milhares de pares de sapatilhas. Em 1997, a forma como a marca escreveu “Air” numa linha de sapatilhas ("Air Bakin”, "Air Melt”, "Air Grill” e "Air B-Que”) causou desconforto na comunidade muçulmana nos Estados Unidos da América (EUA). O grupo considerou que o logótipo se assemelhava demasiado à palavra “Alá” escrita em árabe. A marca recorreu a adesivos para esconder o logótipo em milhares de sapatos, mas a comunidade muçulmana insurgiu-se contra os exemplares que ainda estariam à venda em vários países, levando a empresa a retirar do mercado 38.000 pares de sapatos. A estratégia da Nike para recuperar o erro da melhor forma passou ainda por doar 50 mil dólares (aproximadamente 41 mil euros) a uma escola muçulmana nos EUA.

3. O boletim de voto que elegeu o presidente Bush Imagem design

Imagem: Reuters


O boletim de voto utilizado nas eleições presidenciais norte-americanas, em 2000, é um dos exemplos em que o design interferiu directamente na sociedade. Para Stefan Sagmeister trata-se do “maior exemplo de estupidez criado por uma má tipografia”. Nesse ano, o candidato republicano George W. Bush defrontou o democrata Al Gore nas eleições presidenciais e ganhou por uma escassa margem de votos na Florida – um triunfo que ajudou a eleger Bush.

Nestas eleições registaram-se várias anomalias: eleitores que votaram em mais ou menos candidatos do que era permitido ou até em nenhum. Para tal, contribuíram os boletins – os butterfly ballots (boletins borboleta) - que se baseavam num sistema de perfuração feita pelo eleitor ao lado do nome do candidato numa linha vertical entre duas páginas. A maior confusão residia no facto de o segundo furo corresponder não ao segundo, mas ao terceiro candidato da lista, e assim sucessivamente.

Deste modo, muitos votos não foram considerados válidos, sobretudo os submetidos pelos eleitores mais idosos. Sagmeister considera que o mau layout e tipografia foi “indiscutivelmente responsável pela subida ao poder de George W. Bush que conduziu à guerra no Iraque e no Afeganistão e à crise financeira”. Esta situação foi particularmente notória em Palm Beach, na Florida, onde as sondagens apontavam para uma vitória de Al Gore, mas Bush acabou por vencer com uma diferença de 537 votos. Neste Estado, o boletim de voto induziu em erros muitos eleitores que pretendiam eleger Al Gore para presidente dos EUA, mas acabaram por votar no candidato do Partido Reformista, Pat Buchanan.

Frederico Duarte sublinha a importância da usabilidade do produto. “Temos de desenhar as coisas para que o uso seja imediato”, refere o designer, sendo igualmente importante que haja espaço para a liberdade e criatividade no processo de criação. Ainda assim, salienta que “os designers devem respeitar mais as pessoas, porque estas nem sempre têm tempo para aprender como se faz”. Stefan Sagmeister concorda, referindo que “o designer deve ajudar as pessoas ou encantá-las”. “Nós somos responsáveis por tudo o que fazemos e podemos fazê-lo de uma forma elegante, ou estragar tudo”, acrescentou.


4. A incubadora reciclada que quase ninguém utiliza
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Imagem: DtM


Em 2010, a Design that Matters (DtM), uma organização sem fins lucrativos sedeada no estado norte-americano de Massachusetts, na costa leste, lançou uma incubadora construída a partir de peças recicladas de automóveis, a que chamou NeoNurture “Car Parts” Infant Incubator (Incubadora Partes de Carro). Com um preço bastante mais baixo do que o das incubadoras tradicionais – que podem custar, em média, 20.000 dólares (cerca de 16.000 euros) – o objectivo era que os países em desenvolvimento melhorassem a qualidade dos seus serviços de saúde.

A incubadora funciona como as que se comercializam em qualquer outro país, mas é aquecida por faróis de carro e alimentada por um motor de motorizada e um isqueiro de carro, tendo também um ventilador que permite a circulação do ar. Luzes que piscam e um sistema de alarme de porta são utilizados para avisar os médicos no caso de falha do sistema de aquecimento, essencial nas primeiras 24 horas de vida do bebé, quando o metabolismo dele ainda não é capaz de o aquecer sozinho.

O presidente da Dtm, Timothy Prestero, optou por seguir um modelo de mecânica na criação desta incubadora, porque este tipo de equipamentos médicos acabam por se quebrar e nos hospitais dos países em desenvolvimento são poucas as pessoas qualificadas para os consertarem. “Quero que, ao abrirem a incubadora, as pessoas sintam que é fácil consertá-la, porque se parece um pouco com um carro”, referiu numa entrevista à estação de televisão norte-americana, CNN.

A incubadora ficou em primeiro lugar na lista da revista TIME das 50 melhores invenções de 2010 na área da Medicina e Saúde e foi nomeada para o People’s Design Award no mesmo ano. Porém, Timothy Prestero disse ao PÚBLICO que apesar de um “tremendo entusiasmo em relação ao produto, ele ainda não foi implementado no terreno”.

Frederico Duarte apoia este conceito de inovação frugal, termo sugerido por diferentes autores para designar a capacidade dos países em desenvolvimento criarem produtos mais baratos e igualmente eficazes, questionando “porque não é usada cá?”. A resposta está nas forças económicas que controlam o mercado, diz este professor que lamenta que “com uma incubadora de partes de automóvel não possamos salvar o mundo”. Para o designer, estas soluções são normalmente apresentadas em museus, mas não têm aplicação prática. “Se eu fosse curador [de uma exposição da incubadora], punha um questionário à porta a perguntar se as pessoas aceitariam utilizá-la ou não”, afirma. “Quando o dinheiro começar realmente a falhar, vamos repensar as coisas”, argumenta.


5. Novo logótipo que nem chegou às lojas
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Imagem: fotografia Reuters, montagem PÚBLICO


Em Outubro de 2010, a marca americana de vestuário GAP decidiu apostar num novo logótipo depois de 20 anos a apresentar-se ao público com um quadrado azul marinho e letras brancas maiúsculas. O novo logótipo, apenas divulgado online, era composto pela palavra GAP escrita a preto no tipo de letra Helvetica, ao qual tinha sido adicionado um quadrado azul no canto superior direito. Segundo a porta-voz da empresa, Louise Callagy, em declarações à revista Forbes, a nova opção pretendia “reflectir a mudança da própria roupa [comercializada pela marca] e introduzir dinamismo”. Contudo, a reacção do público não foi a mais positiva. No Facebook, os consumidores ameaçavam não voltar a comprar roupa daquela marca e criaram um grupo de fãs com mais de 5000 pessoas que exigiam o regresso do antigo logótipo. A marca ainda tentou lançar um concurso virtual para encontrar uma nova imagem gráfica, mas os consumidores não se mostraram receptivos e, assim, voltou a introduzir o logótipo inicial no site.

Frederico Duarte considera que a GAP pode ter agido desta forma, a curto prazo, apenas para criar discussão à sua volta, contudo ressalva que “o design deve contemplar o médio e o longo prazo com soluções mais duradouras e construtivas”.


6.Nova imagem mal aceite
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Imagem: D.R.


Em Janeiro 2009, a marca de sumos Tropicana, propriedade da Pepsico Inc, empresa detentora de marcas de bebidas como Pepsi e responsável por 41% do mercado dos sumos nos EUA, apostou numa nova imagem para as embalagens. Porém, dada a reacção do público, a mudança não durou mais de dois meses. A folha de árvore que substituía a pinta da letra “i” manteve-se, mas o lettering, também verde como no visual anterior, tornou-se mais sóbrio e escrito numa das faces laterais da embalagem.

A grande mudança foi a substituição da laranja com uma palhinha, a imagem de marca dos sumos, por um copo de sumo de laranja. Os consumidores não gostaram das alterações e enviaram cartas, emails e telefonemas à empresa queixando-se de uma nova embalagem “feia” e “estúpida”. Segundo Peter Arnell, designer do grupo Omnicom’s Arnell Group, o novo logótipo pretendia elevar a marca a um “estado mais moderno”. No entanto, entre Janeiro e Março desse ano, as vendas caíram cerca de 20%.

Neil Campbell, presidente da Tropicana, reconheceu que subvalorizou a relação emocional que as pessoas tinham com a marca de sumos que surgiu na década de 1940 e optou por agir em conformidade, adoptando a anterior imagem.


7. De riscas a listas por menos acidentes rodoviários
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Imagem: ACA-M


Em 2007, a portuguesa Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M) lançou uma campanha para “sensibilizar os automobilistas e peões para o grave problema que é a sinistralidade rodoviária dentro dos grandes centros urbanos”. Pensou em passar a mensagem através da imprensa ou em painéis publicitários, mas encontrou uma solução mais original. Pintou uma passadeira na Rua dos Restauradores, em Lisboa, em que as riscas brancas eram compostas por nomes fictícios das pessoas que tinham morrido atropeladas.

Por causa dos cerca de 6000 atropelamentos anuais no país, a campanha repetiu-se no Cais do Sodré, na Avenida de Berna e no Marquês de Pombal, mas algumas pessoas consideraram-na demasiado chocante. Para Frederico Duarte, nestas iniciativas, por vezes, corre-se o risco de se “perder a subtileza na vontade de obter uma reacção imediata”.

Artigo corrigido às 19h57

Massachusetts é na coste leste dos EUA, não na costa oeste como estava escrito


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