Primeiro estranha-se, mas será que depois se entranha?

Sendo Andreas Staier um notável intérprete bachiano, havia mais que razões para a expectativa. Agora que há disco, estranha-se – mas será que depois se entranha?

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A interpretação faz uma opção pela “grandiosidade” – e isso não se esperava nada no habitual rigor de Staier DR

Muito se fez esperar esta gravação! Sendo Staier, e justamente, o mais reputado cravista da actualidade – aliás um virtuose dos teclados, pois é também eminente em pianoforte e por vezes em pratica mesmo também o piano – e um notável intérprete bachiano, de muitas provas dadas, havia mais que razões para a expectativa que se prolongava. Agora que o disco enfim há, primeiro estranha-se – mas será que depois se entranha?

Por vezes, no entusiasmo por uma interpretação gravada acontece ouvi-la várias vezes de seguida. Não me lembro é de alguma vez ter ouvido tantas e tantas vezes um disco no intento de tentar discernir o nexo da aproximação interpretativa – e não consigo senão continuar perplexo.

Há uma evidente unidade nos sete Concertos para Cravo BWV 1052-1058, mesmo que numa seja uma colecção como os Concertos Brandeburgueses, que no entanto, esses sim, são de todos diferentes um a um. Ora esta unidade de propósitos não existe com Staier, que vai abordando cada concerto caso a caso.

Passemos por cima do facto, irrelevante, que o BWV 1058, portanto o último, surgir em terceiro na sequência da gravação. Os problemas começam com a escolha do instrumento, cópia de um Hass com o qual Staier já fizera um magnífico recital, Hamburgo 1734, instrumento “extravagante”, como se dizia nesse disco, em que o construtor procurava um cravo que se aproximasse da amplitude e da variedade de registos de um órgão, como que tentando uma “modernização” do instrumento, como viria a ser praticado por vários fabricantes no século XIX com o piano – a ponto inclusive de deixar de se praticar o cravo, dizendo ele ser “um antepassado do piano” que estaria ultrapassado, mesmo que as características técnicas de um e outro instrumento até sejam diferentes.

Mesmo que o “invento” de Haas em Hamburgo e a prática de Bach como director do Collegium Musicum em Leipzig, para o qual compôs estes Concertos em que ele próprio era o solista, tivessem ocorrido contemporaneamente, não se percebe a adequação de um tal instrumento às obras.

Assim, o cravo aqui utilizado tem uma capacidade sonora extravasante, logo isso fazendo com que Staier, nas cordas, umas vezes use um instrumento por parte, em outras vários. A interpretação faz uma opção pela “grandiosidade” – e isso não se esperava nada no habitual rigor de Staier.

Se há andamentos centrais de uma imensa beleza – o Andante do BWV 1058, o Larghetto do BWV 1054 – em que o discurso se expande, amplo, há também surpreendentes precipitações e mesmo movimentos de pulsação algo mecânica. Globalmente é uma interpretação em que falta a eloquência ajustada, preterida em favor de uma inesperada e mesmo por vezes incomodativa espectacularidade.

Francamente, nem sei bem como apreciar, sendo certo, depois de tantas audições, que desta vez Staier não me convence. Digamos que às três estrelas apontadas na ficha se deve acrescentar um ponto de interrogação.

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