Entrevista de Maria João Seixas a Fernando Mascarenhas

Entrevista da edição de 3 de Dezembro de 2000 da Pública no âmbito da rúbrica "Conversa com vista para..." de Maria João Seixas.

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Fernando Mascarenhas no dia desta entrevista Daniel Rocha

Há quase 40 anos que vivo em permanente “conversa com vista para” Fernando Mascarenhas. Ele faz parte integrante do “tal” balanço da minha vida. Por pudor, que a mais terna e cúmplice intimidade bem consente, entendi que a habitual introdução a estas Conversas fosse feita, não por mim, mas pelas próprias e muito reveladoras palavras do meu Conversado de hoje. Ele que, por mérito, esforço e dedicação é o meu Aristos!

Fernando, tu que és Representante das Casas de Fronteira, Alorna e Távora; Donatário da Mordomia-Mór da cidade de Faro e de Fronteira; Coculim e Verodá; Assumar; Mogadouro, Paredes, Penela, Cevadeira, Ordea, Camudaes, Paradela, Távora, Valença e Castanheiro; Mouta; com Escudo pleno de Mascarenhas e tratamento de Dom; com Representação genealógica dos títulos de Conde de S. João da Pesqueira, Conde de Alvor e Marquês de Távora e a Representação Portuguesa do título de Conde de Oeynhausen-Gravenburg; Conde da Torre, Coculim e Assumar; Marquês de Fronteira, Alorna e Aracaty, diz-me quem és.
Fartei-me de pensar na resposta a essa pergunta. Tinha tantas respostas que era capaz de esgotar a entrevista… A primeira coisa que pensei é que sou um sentimental, que usou a inteligência em si próprio para conseguir sobreviver a essa condição. Depois, sei lá… Há em mim um grande sentido de justiça. E não me parece que venha do lado da educação que recebi. Eu diria que, a partir da adolescência, esse sentido de justiça passou a ser espontâneo em mim e resultado da minha própria experiência.

Foste desenvolvendo esse sentido de justiça por uma necessidade social ou mais pessoal?
Inicialmente terá vindo de uma exigência de justiça em relação a mim. Chocava-me imenso quando alguém era injusto comigo. Depois, por um longo processo de auto-análise que fiz e que me ajudou a compreender-me melhor, a mim e também aos outros, esse sentido projectou-se para fora, para os outros. Ter a noção de que tinha nascido nobre era de algum modo um privilégio (que hoje em dia, felizmente, não se traduz em nada de concreto), mas tinha que dele dar conta ao exterior. Não me ilibava de nada.

Conta-me a tua interpretação de nobreza.
Há dois sentidos da palavra nobreza: a nobreza como substantivo e a nobreza como adjectivo. Todas as pessoas, qualquer que seja a sua condição social, podem ser nobres, sem que os seus avós tenham pertencido à classe da nobreza. Idealmente, os dois sentidos tendem a coincidir. Idealmente, numa sociedade ideal, as pessoas nobres de alma e de carácter deviam ser nobilitadas. Fui educado a saber a história que carregava no meu nome e tive que aprender a conhecê-la bem, a merecê-la, sem que, por isso, me sentisse senhor de quaisquer prerrogativas especiais. Em miúdo, tinha o pior lado dos “nobres”, era arrogante com as criadas, insuportável. A minha mãe teve um papel muito positivo na minha formação, porque contrariou desde muito cedo essa minha tendência. Obrigava-me, em muitas situações, a dobrar a espinha. Depois, na adolescência, atravessei uma fase muito difícil, pus tudo em causa, tive grandes quebras em relação à infância. A morte do meu pai, por volta dos meus 11 anos, foi também importante, no sentido em que me afastou do meio social em que até aí tinha vivido. Nesse tempo fazia-se luto a sério — seis meses de luto pesado, seis meses de luto aliviado — e isso criou uma distância com o meio onde tinha passado a infância. Quando esse período passou, não voltei a recuperar os laços antigos. Passei a virar-me mais para mim mesmo, a reflectir muito sobre mim. Mais tarde, os três anos de psicanálise aprofundaram essa reflexão e ajudaram-me a ser mais tolerante, a perceber que as pessoas estão cheias de falhas, eu tenho imensas falhas… Como sou optimista, acho que as pessoas quando não se portam bem é porque não se podem portar melhor, não têm essa possibilidade.

Esse teu sentido de tolerância não se pode, por vezes, confundir com alguma indiferença?
Vamos pegar pelo lado contrário — a minha capacidade de compreensão aliada ao desejo, irrealizável, de emendar o mundo, pode ter gerado a necessidade de alguma indiferença. Disse-te ao princípio que sou um sentimental e que tive que criar resistências para poder sobreviver e deixar os outros viver ao pé de mim. São formas de protecção que, admito, podem ser interpretadas como indiferença.

Ainda sentes o impulso sentimental e a necessidade de o controlar?
A necessidade de o controlar, hoje em dia, está praticamente automatizada, embora eu consiga reduzir as defesas e, em certos casos, chegar mesmo a anulá-las. Ninguém me aguenta sem defesas. Fico de uma pieguice tal que chego a ser inaturável. Mas consigo regular as tais defesas, sobretudo se se trata de uma relação afectiva importante.

Ainda consegues ser espontâneo?
Consigo. Comovo-me com imensa facilidade com gestos bonitos, gestos nobres, lá está!, com cenas de filmes que vejo na televisão (sou um espectador óptimo!)… Mas nada disto se compara com a forma como reagia quando era adolescente. Felizmente, porque a continuar como era não tinha sequer sobrevivido.

O teu pai, cuja morte marcou em ti uma viragem de vida, é um modelo referente, ou tiveste que o “matar” interiormente para ensaiares um percurso novo e diferente daquele que te tinha sido destinado?
O meu pai, mesmo em vida, foi sempre uma figura ausente. Via-o muito pouco. Vinha almoçar com ele ao Palácio no dia dos meus anos, víamo-nos no Natal, nos anos dele, pouco mais. Um ano antes da sua morte, passámos a almoçar de 15 em 15 dias, com o meu tio António e o meu primo Zé Maria. Como toda a gente me contava permanentemente histórias fantásticas do meu pai, o Grand Seigneur , o extraordinário desportista, etc… isso contribuiu para que, no meu imaginário, fosse um herói. Por outro lado, as más relações entre os meus pais, que os levaram a separar-se, as discussões emocionais cujos ecos me chegavam aos ouvidos, por mais que me mandassem brincar para o jardim ou me afastassem da sala do telefone, fizeram-me jurar que nunca me comportaria com uma mulher como o meu pai se comportou com a minha mãe. Nesse aspecto foi, negativamente, um ponto de referência fundamental.

És capaz de me enumerar, por ordem de antiguidade, os teus títulos, os títulos que herdaste do teu pai?
O mais antigo é o título de Conde de S. João da Pesqueira, que está extinto e é de 1611. Foi extinto na altura da tragédia que se abateu sobre os Távoras, juntamente com o de Marquês de Távora, que é de 1669, e o de Conde de Alvor. O título de Conde da Torre é de 1638, o de Marquês de Fronteira é de 1670. Não sei de cor a data do de Conde de Assumar e o de Marquês de Alorna, se não estou em erro, é de 1744. Há ainda o título alemão de Conde de Oeynhausen. Não me lembro de quando data, mas o meu 5º avô não era Senhor de Casa, tinha apenas a representação portuguesa do título. O funcionamento dos títulos alemães é diferente do português. Ah, estava a esquecer-me de outro título, da Índia (como o de Marquês de Alorna), o de Conde de Cocolim ou de Concolim (tenho visto estas diferentes grafias), que é do século XVII.

Do ponto de vista intelectual e afectivo, qual é o título de que mais gostas?
Não sei, nunca pensei nisso. É evidente que o de Marquês de Alorna, por causa da Alcipe, é um título que tem uma graça especial mas, por outro lado, o 1º Marquês de Fronteira foi o construtor desta casa, o que tem muito significado para mim. E há também o título de Conde da Torre, que é um título de “juro e herdade”, não precisa de ser renovado, precisa apenas de ser autorizado o seu uso, enquanto os outros precisavam de renovação, porque são títulos dados por uma ou duas vidas. Mas, pensando melhor, os títulos extintos têm o gosto do fruto proibido, daquilo que se tem (por representação genealógica) e não se chega a ter, sendo que a antiguidade dos Távoras impõe, só por si, um particular respeito.

Cocolim, Alorna…a Índia está no teu imaginário como um território a visitar?
Está e quero muito lá ir. O que me tem atrasado é a distância, as viagens longas assustam-me, são-me muito penosas, desconfortáveis. Fizemos há tempos um Encontro sobre Portugal e a Índia, em colaboração com a Fundação Oriente. Numa das sessões, à noite, o Grupo de Danças e Cantares de Goa veio cá dançar e cantar. Depois de os ouvir, a Índia, e Goa em particular, passou a ter um atractivo especial e comecei a sentir aquele país como “coisa” real, muito mais próxima. Fiquei rendido.

Quando é que te aproximaste da Alcipe, 4ª Marquesa de Alorna e tua 5ª avó?
A Alcipe foi uma figura que esteve sempre presente no meu imaginário. Desde a adolescência, talvez mesmo antes. Para dizer a verdade, a ideia que tinha dela, até muito recentemente, é que era uma chata. Os poemas que se liam da Alcipe nos manuais escolares eram muito arcádicos, cheios de complicadíssimas referências mitológicas. Em 1989, quando celebrámos os 150 anos da sua morte, aqui na Fundação das Casas de Fronteira e Alorna, fizemos um Encontro e um Recital de Poesia e eu próprio li alguns poemas que me surpreenderam. De uma fase que podemos considerar de proto-romântica, muito mais interessante, muito mais próxima da nossa sensibilidade.

A poetisa Alcipe, a mulher de letras e de cultura seduziu-te a sério, finalmente. Como mulher da família, a 4ª Marquesa de Alorna é agora uma personagem que te interessa cada vez mais?
Cada vez mais. E… a Alcipe não devia regular lá muito bem da cabeça, devo dizer-te. Mas era uma mulher fascinante. Estava completamente fora dos cânones, dentro do seu meio e do seu tempo e era, de certo modo, uma marginal, o que a torna muito atraente. Devia ser dificílima de aturar. Viveu muito tempo no estrangeiro, em Viena primeiro, quando o marido foi lá Embaixador, embora no contrato de casamento com o Conde de Oeynhausen o pai tivesse incluído uma cláusula que o comprometia a nunca levar a filha para fora do país. Mas ela, que não queria outra coisa que não fosse ir conhecer de perto o que só conhecia dos livros, trabalhou bem a Côrte, que estava na altura em Salvaterra de Magos, e lá conseguiu que o nomeassem Ministro Plenipotenciário de Portugal em Viena. Viveu cerca de três anos na Áustria. Depois, apesar de o marido continuar como representante de Portugal em Viena, ela foi viver para o sul de França, em plena Revolução Francesa. Tinha ficado muito decepcionada com a frivolidade de Paris! Do que se conhece, há algumas referências à Revolução nas cartas desse período. Mas poucas. Regressa a Portugal, entretanto o marido morre e em 1802 parte para o exílio. Ainda está por apurar se foi forçada, se partiu voluntariamente. Passa uns meses em Espanha, com a intenção, diz ela, de ir à Alemanha tratar das coisas do filho. Com o avanço dos exércitos napoleónicos, as coisas complicaram-se e impossibilitaram a viagem até à Alemanha. Acabou por ir para Inglaterra, onde ficou até 1814, regressando depois a Portugal. A Alcipe tinha uma aversão enorme a Napoleão. Há, na Torre do Tombo, um rascunho de uma carta dela a Napoleão, a insultá-lo de tudo quanto há. Como era muito sentenciosa e tinha opiniões sobre tudo, chegou a insistir com o Governo português que era preciso fomentar a revolta no interior da França para derrubar Napoleão, apoiando os royalistes. Em Inglaterra deu-se pessimamente com o Embaixador português, D. Domingos de Sousa Coutinho, a quem ela chamava, ironicamente, o “DD”. Com o sucessor do “DD”, o futuro Duque de Palmela, deu-se, pelo contrário, lindamente. Mas foram longos e penosos os meses de espera, já o novo Embaixador estava em Londres e o antecessor nunca mais se ia embora!

Como era o nome completo da tua 5ª avó e porquê o pseudónimo Alcipe?
Chamava-se D. Leonor de Almeida Portugal Lorena e Lancastre. Há uma série de Leonores na família. Do lado Távora são quase todas Leonor. A mãe da Alcipe era Leonor, a Marquesa de Távora, que foi decapitada, era Leonor… Alcipe é uma figura mitológica, era filha de Aglauro e de Marte e tinha sido violada por não sei quem. Foi Filinto Elíseo quem lhe deu esse nome. E ele, que era só Filinto, recebeu de Alcipe o sobrenome de Elíseo.

O lado de pioneira na defesa dos direitos das mulheres é ainda pouco conhecido entre nós.
A Alcipe está para ser mais e melhor conhecida. Mas nesse aspecto que referiste foi uma fantástica percursora. Era uma revoltada, sobretudo quanto à falta de educação e de instrução das mulheres. Os homens da nobreza da época já não eram muito cultos. É curioso que, no século XVII, os nobres portugueses eram, de uma maneira geral, cultos mas, no século XVIII, a grande maioria era ignorante. No entanto, a família Alorna era, segundo me dizem, uma excepção. Mas a Alcipe começa a escrever cedo porque, não tendo nada que fazer para além das obrigações religiosas e não podendo ler tudo o que queria, por proibição do pai, mergulhou na escrita como espaço de liberdade e de expressão própria. Um ano ou dois antes de morrer, recebeu um Diploma de uma “Société Universelle de Civilisation” e, quando agradeceu, disse “Talvez graças aos vossos esforços, a mulher acabe por se tornar na outra metade do género humano!”

Uma das tuas especialidades, segundo o que dizes, é o conhecimento desta casa, deste Palácio. Esse facto liga-te mais particularmente ao 1º Marquês de Fronteira, o teu antepassado que a mandou construir?
Conheço pouco da sua vida. Ainda não cheguei lá. Mas é evidente que o Palácio, casa onde vivo há muitos anos, que esteve sempre nas mãos da família e que conheço muito, muito bem, torna extremamente fascinante a figura do 1º Marquês. Tenho que o conhecer melhor.

As paredes, os frescos, os azulejos, os caminhos dos jardins, os móveis deste Palácio, devolvem-te de alguma maneira a imagem e o percurso dos teus antepassados? Sentes neles, diariamente, a história da tua família?
Assim como puseste a questão, não. Mas, às vezes, durante as sessões na Sala das Batalhas, se fico virado para a representação equestre do 1º Marquês de Fronteira, converso com ele. E com outros também, quando passo por quadros que os representam e me ponho a olhar para eles…

Tens algum lugar de eleição na casa? Um sítio onde reconheças uma vibração especial?
O terraço é o meu sítio favorito. Acho que é um espaço extraordinário, com a mistura de elementos naturais e de elementos construídos, a diversidade da escala dos azulejos — desde os painéis pequeníssimos e muito brincalhões, malandros, aos painéis grandes e sérios… Todos esses contrastes fazem do terraço um lugar de excepção.

E a Galeria dos Reis?
A Galeria dos Reis é, evidentemente, uma espantosa peça de representação, a imagem mais identificativa da casa. O que eu gosto na Galeria é que a sua imponência tem uma escala humana que nunca a torna esmagadora. E fascinam-me aqueles azulejos monocromáticos, todos azuis, que reflectem a luz do dia em mil e um tons, fabulosos na sua variedade e beleza.

Descendo da Galeria dos Reis ao terreno da República em que vives, como é que vives a democracia?
A real, a de hoje? Acho que lhe falta chispa. Está por inventar um sistema melhor, eu sei. Também sei, como dizia Churchill, que é o menos mau de todos os sistemas políticos. Mas já era tempo de se ter levado a democracia mais longe, acho-a muito fechada numa lógica de poder partidário, a funcionar a curto prazo, de campanha eleitoral em campanha eleitoral. A vida de um país não se compadece com o “curto prazo”. E a democracia, de facto, não favorece o “longo prazo”. Dito isto, não me canso de repetir que tenho ido sempre votar. Já votei em branco, mas nunca deixei de votar.

Passemos à Filosofia. O que é que procuravas no curso?
Para começar, acho que os filósofos e os intelectuais em geral se tomam muito a sério. Pessoalmente, tenho dificuldade em tomar as coisas tão a sério. Costumo dizer que sou um intelectual de trazer por casa. Penso, evidentemente, sobre a realidade, sobre as coisas que me rodeiam, sobre mim mesmo, mas… Escolhi Filosofia essencialmente pelo desafio intelectual, o que eu procurava no curso era um estímulo dessa ordem. E considero que não me enganei de maneira nenhuma. Por outro lado, acho que a Filosofia pode ser muito importante para a vida. Para mim, a Filosofia ensinou-me e ensina-me a viver e é esse lado da disciplina que me interessa.

Foram os gregos, mais do que outros filósofos, que te deram essas pistas para a vida, para a interpretação da realidade e para o teu relacionamento com o mundo?
Os gregos, sim, foram e são decisivos. Depois Kant e o período do Idealismo alemão, com excepção de Hegel, que me irrita um bocado. Mas o mais importante é a atitude, o pensar sobre as coisas, o ter um pensamento crítico sobre a realidade. Acontece-me muitas vezes querer inventar a roda, que já está inventadíssima e que não tem nada que ser reinventada. Mas, de facto, tenho constantemente a necessidade de repensar as coisas por mim próprio. E o facto de as pensar por mim pode levar-me à conclusão a que outros chegaram antes de mim, mas que aceito também como uma conclusão minha. Não troco esta atitude por nada deste mundo, acho que é um bem inestimável. Nenhum sistema é perfeito e os cépticos, nesse aspecto, tinham alguma razão, se não nos deixarmos cair no negativismo absoluto de não se fazer escolha nenhuma. As escolhas que a gente faz devem ser interpretadas com relatividade, são as escolhas possíveis em determinado momento. Faz-me espécie a Filosofia ter-se tornado, ou ter procurado tornar-se numa disciplina quase científica, no sentido das ciências puras, com verdades taxativas. O que tem graça na Filosofia, para mim, é justamente o lado oposto a esse, o lado especulativo. Sei que isso hoje está fora de moda. Pouco me importa. A Filosofia deveria, por exemplo, especular mais sobre os limites da Ciência. Talvez se esteja a fazer essa análise, eu é que a desconheço. Chego a pensar que, hoje em dia, os filósofos mais interessantes, mais próximos do modo como os pré-socráticos e Platão reflectiam, são exactamente os grandes cientistas, os físicos, os biólogos…que trabalham nos limiares dessas disciplinas. Ao modo defensivo como se passou a fazer Filosofia, sobretudo depois dos enunciados da Fenomenologia, não acho muita graça.

Sobre a Verdade, que sei que teimas em acreditar que existe, achas que os poetas, entre todos os criadores, dão-nos dela as versões mais próximas?
Acho que sim, porque têm a palavra como veículo de comunicação e, por vezes, afloram esse mistério que nos fascina e inquieta e que é, justamente, a Verdade. No conjunto das artes e da criação acho, no entanto, que a música vai mais ao fundo desse mistério, mas só a podemos sentir. Sem a palavra, não a podemos intelectualizar. Voltando à poesia, os poetas portugueses, e os não-portugueses que escrevem em língua portuguesa, criam o que de melhor, no género, se faz no mundo. Disso não tenho dúvidas.

Gostaste da tua experiência televisiva no Travessa do Cotovelo?
Gostei do lado de estar com pessoas à minha volta, conversar com elas, ouvi-las. Acho que sou um bom ouvinte e as câmaras não me intimidam. Gostei também de poder utilizar aquele meio para passar alguns dos meus recados. O lado que menos gostei foi o espaço mental que o programa me ocupava durante a semana. Não tanto com a preparação, mas com a prisão que significava e com a preocupação constante com os convidados, se podiam ou não estar presentes, se na semana a seguir iríamos conseguir trazer quem queríamos.

Ficaste com o “bichinho”?
Fiquei. Fazia de bom grado outro programa. Noutros moldes. Mais livre.

És sensível às críticas?
Acho a crítica essencial. Fico sempre a pensar nas críticas. Como, por outro lado, reajo à primeira com grande emoção, infelizmente são poucas as pessoas que mas fazem cara a cara.

Pensas na morte?
Penso. Por muito que desejasse não morrer, sei que não sou imortal. Já me assustou mais a ideia da morte. O que gostava, mas muito, era de saber com antecedência quando é que se ia dar. Para poder fazer algumas coisas. Escrever a minha autobiografia, por exemplo.

Tens alguma fantasia?
Viajar pelo espaço, entrar num mundo novo. Eu, imagina, que não sou nada aventureiro, que sou do mais caseiro que há, essa viagem gostaria de ainda a poder vir a fazer.

Preferes seduzir ou ser seduzido?
Do que eu gosto é do jogo. Do jogo do namoro. E isso implica duas pessoas. Sem essa dialéctica não me parece que seja um exercício interessante.

Voltemos, para terminar, aos teus títulos. Pediste ao Conselho de Nobreza, há poucos anos, o reconhecimento dos títulos. Porquê agora?
Quando decidi que o meu sobrinho António iria ser o meu sucessor, pensei nesse problema e achei que o devia fazer. O meu bisavô era filho bastardo, o meu pai nunca pediu o reconhecimento e eu achei que tinha chegado o momento. O processo é complicado e moroso. Está feito.

O Conselho de Nobreza parece um anacronismo na República. Não?
A República não reconhece oficialmente o Conselho, mas há uma espécie de aceitação oficiosa. E a sociedade reconhece essa realidade, a realidade dos títulos. Assim sendo, é bom que haja um órgão que os regule e lhes dê alguma legitimidade. Para te dar um exemplo, o representante do título de Conde de Amarante ganhou um processo contra uma marca de aguardente que usou, sem autorização, o nome de “Conde de Amarante”. O Tribunal deu-lhe razão e a marca da referida aguardente teve que ser alterada para “Ponte de Amarante”.

Dá-me a tua palavra de eleição.
Autonomia.

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