De Ceuta à descoberta de novos mundos

Duas exposições no Porto evocam a relação da conquista da cidade no Norte de África com a expansão portuguesa posterior.

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Ceuta e os Descobrimentos são alvo de uma exposição na Casa do Infante, no Porto Paulo Pimenta

Sem surpresa, é o infante D. Henrique quem acolhe os visitantes nas duas exposições que actualmente evocam no Porto os Descobrimentos, ambas com um zoom especial sobre a passagem dos 600 anos da conquista de Ceuta.

No parque temático World of Discoveries, em Miragaia, surge num pequeno vídeo a apresentar-se a si próprio e à gesta das Descobertas a que esteve intimamente ligado.

Na Casa do Infante, vemo-lo logo no pátio de entrada, no cartaz da exposição Infante D. Henrique e os Novos Mundos, na reprodução da escultura com que António José Oliveira, em 1932, o recriou a partir da imagem oficialmente consagrada nos Painéis de S. Vicente. Infante D. Henrique e os Novos Mundos conclui a 3.ª fase de um ambicioso projecto lançado em 2001 pelo então director da Casa do Infante, Manuel Real, de investigação e recuperação das instalações daquela que foi a alfândega régia e casa da moeda, além de provável lugar de nascimento de D. Henrique.

Trata-se de “um corredor complexo” – chamou-lhe o vereador Paulo Cunha e Silva, aquando da inauguração –, por entre as várias etapas da expansão portuguesa, mas sempre com referência ao Porto. A exposição “começou com a ideia de ligar a cidade aos Descobrimentos e a todos os seus momentos”, explica Amândio Barros, na visita em que guiou o PÚBLICO pelo novo centro interpretativo da Casa do Infante.

O percurso começa pela história da própria casa, que remonta ao séc. XIV. As referências a D. Henrique vão-se depois sucedendo: além de um busto em madeira na loja da casa-museu, há réplicas em gesso e em barro cozido de duas outras esculturas feitas pelo já citado António José Oliveira e por Rafael Bordalo Pinheiro (1892), esta peça igualmente com base na figura dos Painéis de S. Vicente, e reproduções de outras representações, como o monumento esculpido por Tomás Costa e inaugurado no Porto em 1900, mesmo ao lado da Casa do Infante, a escultura da sua arca tumular no Mosteiro da Batalha, ou a do portal sul dos Jerónimos. Está também exposto o único documento conhecido que poderá atestar o nascimento do infante no Porto: a reprodução do manuscrito em pergaminho com o recibo das despesas feitas com os músicos que animaram o seu baptizado.

“Se quisermos ser honestos, não poderemos dizer onde é que o infante de facto nasceu, porque não há nenhum documento que o ateste”, diz Amândio Barros, que, no entanto, considera essa hipótese bem plausível. “Se o infante D. Duarte nasceu na alfândega de Viseu… Não acredito que ela fosse mais sofisticada do que a do Porto”, diz o historiador, lembrando também a referência que Zurara faz ao vínculo de D. Henrique com a cidade.

Na secção dedicada a Ceuta, o centro interpretativo reproduz uma gravura da cidade africana no séc. XVI, “onde são já visíveis as alterações urbanísticas feitas pelos portugueses”, nota o historiador Luís Miguel Duarte, que também guiou a visita do PÚBLICO. Há ainda uma réplica de uma nau, e os documentos das Cortes de Évora (1436) com as reivindicações do Porto relativas ao pagamento das despesas com a preparação da armada no cais de Miragaia.

O mar e o imaginário do infante são também o denominador comum dos quatro vídeos que pontuam o percurso da exposição – João Onofre, Pedro Tudela, Albuquerque Mendes e Julião Sarmento, quatro artistas escolhidos por Paulo Cunha e Silva –, a que se acrescenta um filme de João Borges, designer da exposição, com rostos de portuenses anónimos filmados em diferentes lugares da cidade.

A poucas centenas de metros da Casa do Infante, o World of Discoveries – um parque temático especialmente virado para o turismo e para o público escolar, comissariado pelo historiador Luís Adão da Fonseca – dedica também a sua sala de exposições temporárias à Tomada de Ceuta. Numa sala com as paredes decoradas por Hazul, um dos mais conhecidos autores de street art do Porto, expõe-se uma maqueta da cidade à altura da conquista, pequenas réplicas de embarcações da época e um vídeo explicativo da operação realizado em parceria com autoridades da cidade espanhola.

Mas a pièce de résistance é sem dúvida a exposição, numa vitrina, da Crónica da Tomada de Ceuta de Zurara, o manuscrito do início do séc. XVI à guarda da Torre do Tombo que, durante alguns meses, estará assim à vista dos visitantes – agora no Porto e mais tarde em Ceuta, para onde a exposição Ceuta ontem, Ceuta hoje – 600 anos de encontro de culturas entre o Atlântico e o Mediterrâneo irá viajar no próximo ano. Mas, desta vez, sem segredos e de forma amigável.

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